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Deise Assumpção - [Poeta Brasileira]

Deise Aparecida Martineli de Assumpção, nascida em Pirassununga (SP), em 10/10/1946, reside em Mauá, no ABC Paulista, desde 1968.
Professora e poeta, formada em Letras, com especialização em Literatura Brasileira, tem uma longa atuação no magistério, que vai desde a regência de classe na escola primária da zona rural até o ministrar aulas de Língua Portuguesa e Literatura no ensino fundamental e médio.
Participa de congressos e outros eventos da área, em alguns com trabalhos publicados em seus anais: Encontro de Letras da FASB, São Bernardo do Campo – SP, compondo a mesa “O olhar feminino na criação literária contemporânea” (2006); IV Encontro Internacional de Queirosianos – Universidade de Coimbra – Portugal (2000); Congresso Internacional Guimarães Rosa – PUC Minas (1998, 2001 e 2004); Encontros do CELLIP – Centro de Estudos Lingüísticos e Literários do Paraná (1997, 1998, 1999); Seminário Internacional “Cristianismo – Filosofia, Educação e Arte” – USP (2001); Projeto Rumos – Literatura, Itaú Cultural (1999, 2000 e 2001)
Participa das atividades culturais e literárias de Mauá e região, realizando oficinas e palestras, participando de cursos e saraus e outras atividades afins.
Fez parte da Oficina Aberta da Palavra (2002-
2004), grupo reunido pela Secretaria de Educação, Cultura e Esportes de Mauá, para reflexão sobre o fazer poético e realizar um inventário poético da Cidade.
Participa, em Mauá, do grupo literário Taba de Corumbê, que edita o fanzine homônino.
Tem poemas e alguns contos e crônicas publicados em antologias, revistas e sites literários.
Em 2003 publicou o livro de poemas Cofre, pela Alpharrabio Edições (Santo André-SP). Segundo Tarso de Melo, na apresentação do mesmo, A poesia que vai neste Cofre de Deise Assumpção, primeiro livro da autora, afirma uma fala consciente: transparece que uma longa meditação sobre (e sob ) os versos aplaca quaisquer marcas de estréia. E em sua base está o jogo hábil de conter – sob palavras pensadas, linhas contidas, fôlego medido – o jorro da memória daquilo tudo que cruzou sua vida, não apenas os fatos marcantes, mas principalmente a alienação da rotina e dos encargos de mãe-mulher-professora, o que constitui uma densa matéria (experiência, existência) sobre a qual, para Deise, qualquer discurso é complexo e exige um escavar das feridas.
Em 2004, participou do 8o. Congresso de História do Grande ABC – Paranapiacaba (Santo André – SP), com a comunicação “A Oficina Aberta da Palavra e o Inventário Poético da cidade de Mauá”, compondo a mesa “A literatura no ABC: arte e registro”.
Sua análise do romance Em Manhattan do Terceiro Mundo, do escritor andreense Antonio Possidonio Sampaio (São Paulo, Ibrasa, 1993), foi publicada na Revista de Literatura Brasileira LB40.
Representa Mauá com 10 poemas na antologia Relicário latino, Funalfa Edições, Prefeitura de Juiz de Fora – MG, 2004 – Projeto da Rede Mercocidades
Em 2007, foi classificada, para a fase estadual do Mapa Cultural Paulista (a realizar-se no 1º semestre de 2008), com o poema “Inverno”, representando Mauá.


FÉRETRO


cordão

umbilical

enterrado

como mandam

avós e bisavós

no fundo

do quintal



unhas

de todas

as idades

e dentes

primeiros

e mesmo

segundos

sepultos

sem rito

em latas

de lixo



e amígdalas

e útero

e placenta

e mioma

acondicionados

excrementos

cirúrgicos



sangue

lágrimas

risos

nos esgotos

do amor

e do ódio



neurônios

a pele

os olhos

secando

aderindo

aos ossos



os ossos

descendo

no rito

da cova

consumam

inventário

e herança



o sêmen

adia

a lápide

no corpo

do filho



e a alma

insepulta

deposita

uma flor

e deixa

o campo

sagrado



PASSAGEM SECRETA



entre

o tudo que já perdi

e o jamais conquistado



de repente

o bater à porta

que não há

nem mãos que batam



os ouvidos

insistem

e fazem

a neblina

o vulto

e lenta

me surjo:

porta

quem bate

e chave




POEMA SEM FACE

Quando eu nasci,

o anjo ia de férias,

o bom pro inferno,

o torto pro céu,

no meio do caminho

(tinha uma pedra)

trombaram as asas,

e a mim apenas chegaram

as palavras misturadas

de augúrios atropelados.



Quando eu nasci,

no fundo do meu quintal

representava-se A Divina Comédia,

Virgílio guiava Dante,

Dante guiava os atores,

e eu me perdi entre os três atos,

sobrou-me só o cheiro da poesia,

que não chega a compor o poeta.



Quando eu nasci,

Riobaldo se exorcizava

confabulando com Rosa,

e uns pensam que sou do lar,

outros me vêem Nhorinhá,

do que dele se saía

peguei foi Diadorim,

a diabrura do amor

que se quer todo acabado,

e essa dor é que vige

dentro sempre de mim.



Quando eu nasci,

Macunaíma já Ursa Maior

só brincava com cunhã-estrela,

e com medo de bomba atômica,

entre o Uraricoera e São Paulo,

cacei meu muiraquitã,

nunca que pude encontrá-lo,

e história tem mais não.



Quando eu nasci,

Ofélia já louca era morta,

e à beira da minha cova,

na angústia entre ser e não ser,

refugiei-me a compor versos,

que só me trouxeram em eco

anêmicos arremedos de Hamlet.



Quando eu nasci,

Bandeira já muitas vezes

dissera o trinta-e-três,

já fugira pra Pasárgada,

mas deixei seu livro aberto,

que também em versos choro

de desalento... de desencanto...



Quando eu nasci,

da velha vida severina,

que grassa por toda parte,

por graça fui desviada,

pra pagar até o fim

com fome outra severina:

a de querer ser poeta.



A BONECA

de papelão

podia brincar à vontade

não se quebrava

melhor que de porcelana

(dizia o pai)



grande

punha-lhe fraldas

cueiros e pagãozinhos

faixa do peito aos pés

protegendo a espinha

(como a mãe fazia

no irmãozinho recém-nascido)



dia santo

roupa nova

procissão

veio chuva, das mais fortes

telhado nu

dava goteiras

uma delas foi mirá-la

certeira aos pés da cama

(sobre o cobertorzinho

dobrado em borboleta)



bochecha ulcerada



indelével goteira

em minhas relíquias

(mortas e vivas)



macera-me o riso

(não me esfacelo)


REMISSÃO DO TEMPO
a Bruno, meu neto

...um menino nos nasceu,
um filho nos foi dado...


pele de orvalho

riso de éden

olhos de espanto

balbucio criando o mundo



primícia de imemoriais clãs

cruzados:



perdão

(de adultérios e amores frustrados,

enlaces forjados,

desavenças e dívidas,

abortos e holocaustos,

catástrofes)



sagração

de núpcias

(as do primeiro olhar,

as conquistadas,

as desde sempre)



cegou

o pêndulo da casa antiga



atrai-me

olhos, mãos e beijo

(eu, já não-seios,

apenas colo)

para antes de meu tempo

de sugar





A ÚLTIMA AULA
(a Ricardo Rizek, in memoriam)

sob o Cristo

crucificado

entre quatro velas

corpo inerte

eterniza

o gesto

(mão longa emerge

de longo braço

quedam-se harmônicos

na sempre procura

de um jeito

no espaço

no tempo

:ou além)



rosto

isento de expressão

paz

do pleno desejo

do nada desejar

crava indeléveis

todas as frases

agora nunca mais



silêncio de templo

em procissão

estaca na cova

não se arreda

ante a resposta

encarnada

no mestre

à espera



tânatos

eclode

eros

apagou-se o cigarro

apenas





BRUXA-MADRINHA

toma-me pelos olhos

fibras todas

(corpóreas e incorpóreas)

leva-as ao píncaro:



na sarjeta e calçada

restos de fast-food

garrafa quebrada

preservativo escorrendo esperma

seringas secas



na florzinha ordinária

da fresta do cimento

duas borboletas gêmeas

em cio espelhado



por um triz

o par de sapatos

sobraçando a bíblia

não as esmaga

sem se dar conta

do desastre ou milagre



é manhã

domingo de páscoa:



em turno dobrado

recolher o êxtase

em palavras que ferem

encarcerar a bruxa

no poema:

Deise Assumpção
Todos os direitos autorais reservados a autora.

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