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A Contradição No Processo Literário: Atalhos e Labirintos [Wuldson Marcelo]

A Contradição No Processo Literário: Atalhos e Labirintos

A escrita é um labirinto. A escrita é uma curva. É um passeio sobre águas agitadas que aos poucos se transformam, com a potência de uma frase, em uma cálida placidez. Cálida placidez, pois a escrita é contradição, um ponto de interrogação à procura de um gesto de entendimento que sacie sua sede, que acabe com sua dúvida. Mas, como disse E. M. Cioran, “Para um autor é um verdadeiro desastre ser compreendido”. O escritor não esclarece, embaralha, traça percursos tortuosos. Raskólnikov, Julien Sorel, Emma Bovary, Clarissa Dalloway, Brás Cubas, Cândido, caminham nesses trechos feitos de angústias, ironias, medos, sabedoria e tragédias. E esses trechos não ensinam, não é autoajuda, mas educam. Educação sentimental, educação literária. Educação para a vida.Refletem mundos possíveis, impossíveis, contudo, estão no mundo e não fora dele. A literatura não é uma viagem, quem lê permanece, sofre, ouve, sabe das agruras do mundo e de seus prazeres, compactua ou despreza suas interdições. O leitor lê sem abandonar a sua própria história, mas depois que leu a sua história de vida já é outra. As personagens, paisagens, tramas compõem um cenário novo, uma visão de mundo diferente.

A escrita colabora com pedaços de sonhos. A escrita cria toneladas de pesadelos. A escrita é contradição em estado de criatividade. A escrita corre no papel e desencanta, encanta, revela, esconde, constrói, descontrói. A escrita corre no papel e deixa uma marca indelével em quem passa os olhos nas letras impressas que formam palavras, que juntas criam uma frase, que, por sua vez, geram um enredo (ou não) e assim nasce uma relação de amor... ou ódio. A literatura é fogo, é um incêndio em uma geleira. A escrita é contradição que lança chamas na neve.

A escrita é um atalho. A escrita é uma insídia, que é ao mesmo tempo liberdade. Fernando Pessoa, Guimarães Rosa, Dashiell Hammett, Clarice Lispector, Drummond, Virginia Woolf são libertadores e carcereiros. Eles nos mostram a beleza e a feiura do mundo. Parecem dizer “voe”, mas nos prendem diante de seus textos, do universo que engendraram. A escrita é uma contradição. É força pulsante, deslumbramento, conhecimento, fingimento. “O poeta é um fingidor. Finge tão completamente, que chega a fingir que é dor, a dor que deras sente” (Fernando Pessoa). E a arte é dor, ardor, dor ardorosa, ardor doloroso. A escrita é sangue, a escrita é pluma. A escrita é orgasmo. Assim, é leve com todos os ingredientes de um peso desejado, acalentado como amante. É uma amante devassa que exige retidão. A escrita é contradição. A literatura é uma torrente de emoções. É a vontade de imortalidade de Aquiles, a entrega de Sísifo, a traquinagem de Cupido, a exuberância de Afrodite. A escrita traduz a aspiração e o engano. A escrita faz da mentira uma verdade encenada e da verdade uma mentira enfeitiçada. A escrita é a densidade de uma criação que nada quer além de expressar conflitos que exigem paz e tranquilidades, que procuram por inquietações. A literatura e a poesia. Se a poesia é literatura, não sei. Sei de nada não. Apenas que a escrita parece indomável montada em um cavalo puro sangue. Mas há que ir sem olhar para trás. “Todo cavalo é selvagem e arisco quando mãos inseguras o tocam” (Clarice Lispector). A escrita naufraga em oceanos de sonhos e pesadelos, apaixonada em um prostíbulo de ninfas. A escrita gira em um carrossel, é capturada por uma tela de cinema. A escrita é romance. A escrita pisa em espinhos, observa corvos, faz escorrer lágrimas. A escrita é decepção. Por isso, contradição em um jogo de luz e sombra, contradição no rabisco amorfo do poeta-arquiteto de mundos.

A escrita é o transitório, a escrita é o permanente. A escrita para na esquina, cessa o movimento, respira e vai. A escrita está no interstício de uma zona temperada e num ponto de docilidade. A escrita é fluxo, atravessamentos, está em trânsito, é exílio e lar. A literatura se encontra em um cruzamento, a poesia se faz numa encruzilhada. A escrita edifica fragmentos, constrói conjuntos. A escrita é a solidão do nativo e a felicidade do forasteiro. A escrita é contradição no beijo, no choque, na queda, no sono. 

A escrita não é paz de espírito, pois, é guerra a ignorância, ao medo de sonhar, a resignação que parece intransponível. A escrita é a tempestade que concilia Céu e Terra, e depois as separa para uma nova jornada de ardor e dor. A escrita é labirinto. A escrita é atalho.

"A escrita literária não é de forma alguma a expressão do eu, mas sim a perda da individualidade, o apagamento do sujeito, o ingresso num espaço enigmático. Daí a sua afinidade com a morte, que é justamente o alheamento radical, a suspensão de qualquer equivalência, a inconveniência máxima. O enigma da palavra literária consiste no fato de conter dois movimentos opostos: o primeiro dirige-se para a dissimulação e para o trânsito, o segundo para a autorreferência, para o colocar-se a si próprio como coisa neutra e irredutível" (Mário Perniola, Enigmas. O momento egípcio na sociedade e na arte, Lisboa, Bertrand, 1994, pp.117-118).

A escrita é um labirinto que nos proporciona atalhos para viver a vida. Por isso, a escrita é contradição. Uma contradição esclarecedora. 

Wuldson Marcelo, corintiano apaixonado por literatura e cinema, nascido em 1979, em Cuiabá, que possui Mestrado em Estudos de Cultura Contemporânea e graduação em Filosofia (ambos pela UFMT). É revisor de textos e autor de dois livros de contos que estão entre o prelo e o limbo, “Obscuro-shi” e “Subterfúgios Urbanos”.

2 comentários

Débora Maria Macedo disse...

É natural que o autor aguarde receber o retorno das palavras que ordenha para os campos. O momento da soltura ao recolhimento do rebanho é sempre um período parado no tempo preenchido por expectativas: “Será que serei entendido?”, “Será que gostarão do há para ser lido?”, “E as críticas obedecerão aos cânones acadêmicos?”. Mas o pior de tudo é perceber aos poucos que a expectativa é preenchida pelo silêncio e este, meu amigo, é o imponderável.
Por isso decidi escrever como me sinto em reação ao que escreve. Por isso meus comentários a respeito do artigo da Wolf e Monroe: são desconexos, desconectados com aquilo que você gostaria de dizer. Mas acontece que o que você queria dizer fora dito na publicação do artigo resta-lhe colher o que seu interlocutor lhe responder (isso quando o fizer). Ainda presa a simbiose Wolf-Monroe, busquei no cubismo uma maneira de ilustrar como me senti ao ler o texto, acredito que isso é tudo que poderei fazer no momento, pois não estou para racionalizações.
Ainda assim admiro cada vez mais o modo como traduz em palavras sentimentos incofessáveis.

Ainda sobre Wolf e Monroe

José Prado disse...

Veja a escrita de forma simples e direta (até pela subjetividade objetivada), um por no papel signos culturais para outro. O resto é imaginação e criatividade: a escuta pelo Outro.