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“Dicas para novos escritores” ou “O mundo descarnado dos escritores”[Stella Florence]

“Dicas para novos escritores” ou “O mundo descarnado dos escritores” 

por Stella Florence

Durante alguns anos eu guardei mais de vinte cartas de editoras que rejeitaram meu trabalho – o mesmíssimo trabalho que, mais tarde, se tornaria best-seller pela Rocco. A pergunta que importa é: a negativa desses profissionais me abalou? Não. A despeito do resto do mundo, eu continuaria escrevendo. A despeito do resto do mundo, milhares de artistas continuam seus trabalhos anônimos. A opinião alheia (seja de quem for, seja qual for) não causa o menor impacto sobre uma vocação real.

Quem me lê, está acostumado à minha sinceridade – e eu não poderia agir de outra maneira com as dezenas de aspirantes a escritores que me pedem conselhos.


Você quer ser escritor(a)? Ok. Você há de convir, então, que um médico não pode tirar uma vesícula sem saber manusear o bisturi. Um escritor, por sua vez, não pode escrever se não conhecer o elemento fundamental do seu trabalho: no nosso caso, a língua portuguesa.

Uma coisa é escrever de maneira coloquial, simples, direta, do jeito que a gente fala, sem jargões intelectualoides e floreios inúteis. Outra coisa, muito diferente, é escrever errado. A maioria dos e-mails que recebo (70% deles) me entristece. Como alguém pode pedir a opinião de uma escritora sem sequer revisar o próprio e-mail? Este texto que você lê agora, por exemplo, demorou vários dias para ficar pronto. Depois da inspiração, não vem milagre algum: vem muito trabalho. Como ambicionar essa profissão sem possuir o hábito de revisar, editar, cortar, re-escrever? Claro que erros todos nós cometemos: eu estou falando de erros crassos enviados a uma escritora por aspirantes a escritor. Fernando Sabino dizia, irônica e tristemente: “No Brasil há mais escritores do que alfabetizados”. Sou obrigada a concordar com ele.

Preciso de um parágrafo para dizer que um escritor, por mais genial que seja, pode, no máximo, te esclarecer sobre os meandros do mercado editorial (coisa que meus padrinhos literários, Marcos Rey e Mario Prata, fizeram por mim e que estou fazendo por você agora). Não é possível que ele(a) te ensine a escrever, melhore seu texto ou use uma suposta vara de condão para transformar seu trabalho num sucesso: isso será responsabilidade e mérito exclusivamente seus. Se tem uma área em que o tal “quem indica” não funciona, é a literatura brasileira. Basta dizer que as respectivas editoras dos meus padrinhos (Ática e Objetiva) se recusaram a publicar meu livro de estreia, o “Hoje acordei gorda” (com um genial prefácio feito pelo Prata). Já a Rocco, uma grande editora na qual eu não conhecia ninguém, pinçou meus originais enviados pelo correio e assinou comigo dois contratos de uma vez (cada livro possui seu próprio contrato). Em suma: não tem almoço grátis. Isto posto, vamos em frente?

A primeira característica de um futuro escritor (característica que não se pode forçar) é ser um leitor insaciável de tudo que se refira ao nicho em que ele pretende entrar. Não existe bom escritor que não leia muito, que não sinta prazer em ler, que não faça as pálpebras rangerem de secura por tantas páginas lidas sem parada. Quem lê muito e não se rende à tola vaidade, nunca se tornará um escritor medíocre porque, ao perceber a própria mediocridade, será o primeiro interessado em sepultar seu sonho sem substância.

Outro ponto fundamental é ser inteligível. Obscuridade num texto é arma daqueles que só tem de escritores o bafo pretensioso. Claro que há textos mais sofisticados e outros menos, mas eles precisam ser compreensíveis.

E o dinheiro? Revelarei agora a mais crua verdade e o melhor dos conselhos. Ouça: prepare-se para obter seu sustento sem qualquer ajuda da literatura. Eu, que vendo bem (considerando as cifras do mercado brasileiro no qual 10.000 exemplares vendidos qualifica um livro como best-seller), trabalho numa série de atividades correlatas para me sustentar: sou leitora crítica, copidesque, escritora-fantasma, jurada de concursos culturais, jornalista bissexta, palestrante, etc.

Faça as contas: todo escritor ganha 10% sobre o preço de capa de cada livro vendido (pelos formatos bolso e áudio em CD 8%, para áudio download 20% e e-book 25%). “Os Indecentes” custa R$ 28,00. A cada exemplar vendido, eu recebo exatos R$ 2,80. O bolo é divido da seguinte forma: 10% para o autor, 50% para a editora/distribuidora e 40% para a livraria. Mas não é só isso (é menos ainda).

Nós, autores, pagamos à editora os livros que não são vendidos. Suponhamos que um livro tenha uma tiragem de 2.000 exemplares e que, desse montante, 1.000 são vendidos e os outros 1.000, não. Este escritor não receberá nada. Sim, você leu direito: zero, nada. É preciso não apenas vender bem, mas vender toda a edição para ganhar algum dinheiro. E tem mais: as prestações de contas são feitas de seis em seis meses. É isso aí: a gente recebe duas vezes por ano. É pegar ou largar.

Ah, mas tem o glamour, não é? Até tem, mas vamos colocar as expectativas numa proporção real. Um ano na vida de um escritor se divide em 350 dias de trabalho solitário e 15 dias de eventos para divulgar esse mesmo trabalho (palestras, entrevistas, noites de autógrafo). Provavelmente a vida de um condutor de camelos no Saara é mais glamourosa e agitada.

O resumo dessa ópera é só um: o que move os escritores de literatura no Brasil é fundamentalmente a paixão pelo seu ofício.

Se mesmo agora, com mais elementos para se decidir, você ainda deseja ser escritor(a), então eu não duvido: vá em frente. Porque eu estou certa de que a opinião alheia (seja de quem for, seja qual for) não causa o menor impacto sobre uma vocação real.


Stella Florence nasceu em 1967, é escritora formada em Letras e vive em São Paulo. Tem uma filha, 30 tatuagens e oito livros. É exatamente desse modo, objetivo e charmoso, que a autora de "Hoje Acordei Gorda" e "Ser Menina é Tudo de Bom", entre outros títulos, costuma se apresentar.

Um comentário

Anônimo disse...

E desde quando a Stella Florence escreve livros de literatura?