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TODO CUIDADO É MUITO [Fabrício Carpinejar]

Arte de Marcel Duchmap
TODO CUIDADO É MUITO
 
 
Ela disse sim. Você somente tem que dirigir ao motel e não estragar a excitação.

Fica indeciso entre puxar ou não puxar conversa. Não fale nada mesmo. É um período tenso, minutos nos quais um beijo vale mais do que mil palavras.

Antes da transa, todo mundo é carente, sensível, atento, telepata. O remorso dorme no desejo e sofre de sono leve.

As respirações dentro do carro já estão cortadas, fatiadas. O negócio é segurar o clima até o quarto. Não se arrisque com frases de efeito e piadas. Faça um carinho, segure na mão, a pele é o único caminho seguro que existe depois do gemido.

Ela pode se arrepender, voltar atrás e pedir para que você a leve para casa. Não dê tempo para pensar. O pecado abomina pausas.

Controle ansiedade, procure o equilíbrio oriental (o todo, não a metade da metade que é cada oposto) e jamais, mas jamais, realize o jogo dos sete erros, uma série de atos altamente broxantes:

1) Não ligue o rádio, principalmente em AM, com as últimas notícias da ronda policial e das votações do Senado.

2) Não ponha suas músicas prediletas e cante alto. Ela não pediu para ir a um karaokê. É muita intimidade vê-lo gritar Joe Cocker de olhos fechados.

3) Fuja de engarrafamento. É fácil desistir preso na primeira e segunda marcha durante dois quilômetros. Ela baterá em seus ombros e comentará com compaixão: “Deixa para a próxima”. Saiba que não existe próxima. É um eufemismo para “nunca mais, querido”.

4) Não é hora de abastecer. Entrar em posto de gasolina mata o prazer. Ainda que seja gasolina aditivada. Melhor parar no acostamento com tanque vazio do que perder sua companhia. Frentista lembra família. Se um dos dois estiver traindo, não terá condições psicológicas de seguir em frente.

5) Não diga “só um minuto” para um pulinho na farmácia. Transar é como uma longa viagem, check-list deve ser feito com antecedência.

6) Não atenda telefone. Conversar com mãe ou filho na véspera do sexo não rende bons fluidos. Interrompe a saudável circulação das fantasias eróticas.

7) Não discuta com a atendente do motel sobre o acréscimo de R$ 20 entre um quarto com banheira de hidromassagem e outro sem. Não seja avarento. Tampouco é o momento de ouvir uma aula sobre as diferenças entre Super Luxo, Luxo, Suíte Tropical, Mini Suíte, Suíte Embaixador e Suíte Imperial. Escolha um quarto rápido. Para não errar, selecione umas das ofertas do meio da lista, nem suntuosa, nem ralé.

O portão abriu. Garantiu o sexo, isso se não apagar o carro ao estacionar na garagem.


Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, p. 2, 05/03/2013
Porto Alegre (RS), Edição N° 17362


Fabrício Carpinejar-poeta, cronista, jornalista e professor, mestre em Literatura Brasileira pela Ufrgs. Vem sendo aclamado por escritores do porte de Carlos Heitor Cony, Millôr Fernandes, Ignácio de Loyola Brandão e Antonio Skármeta como um dos principais nomes da poesia contemporânea.

Um comentário

Jane Eyre Uchôa disse...

Mwu Deus, isso é o que chamo de desespero. Minha opinião como mulher é que quando a mulher quer de fato, não existe frentista, rádio, celular, conversa, engarrafamento que mude sua opinião, se isso pode acontecer é porque ela não tem tanto interesse assim e se o interesse não é tanto assim, com certeza a transa será unilateral, se isso interessa ao homem (bingo) mas se ele se interessar pelo prazer dela também como satisfação total de ambos aí será uma tragédia a perfomance da mulher cheia de melindres.