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Seu Jorge e o Dragão [Jean Marcel]

Seu Jorge e o Dragão

– Meeeeu Deeeus! – o grito desafinado da Araci na calada da noite acordou meio quarteirão. Pelo escândalo, parecia ter visto o capeta em pessoa e resolvera convocar ajuda do homem lá de cima. – Meeeeu Deeeus! – apelou novamente.

– Joooorge, acorda! – chacoalhou o marido que roncava ao seu lado, já que o Todo-Poderoso não dera o ar da sua graça.

– Ahn? O que foi? – acordou assustado, emergindo numa fração de segundo de um sono profundo para um turbilhão de palavras e frases desconexas que a Araci bradava.
– Ali... Argh... Ali... Ui... Eca...
– O que foi, mulher? 

– Ui ui ui... Ali... Toma uma providência, Jorge!

– Mas o quê... O que foi, Araci? – “gritou baixinho”, apavorado, escondido embaixo das cobertas, abraçado à esposa.

– Um bicho, Jorge Augusto.  Horrível.!

– Bicho? – acendendo a luz e colocando só os olhinhos pra fora dos cobertores.

– É, Jorge! Um bicho nojento! – toda encolhida atrás do travesseiro – Ali! Tá ali, ó... No teto. Tá olhando pra mim!

– Onde? Não tô vendo! 

– Aliiiiiiiiiii!

– Ah, Araci... Ali? – abrindo os braços em protesto e só então saindo do seu esconderijo.  É só uma lagartixa!

– Parece um filhote de jacaré!

– Dorme, Araci! – apagando a luz, virando para o lado e afofando seu travesseiro. – Relaxa, não tem perigo!

– Dormir? – gargalha com ironia, acendendo novamente a luz e sentando-se na cama – Como posso dormir com um monstro desses passeando no teto do meu quarto?

– Querida, monstro? Essa lagartixa é inofensiva! 

– Essa? Então, vocês se conhecem?

– Não! Qualquer lagartixa é inofensiva! Você está sendo exagerada!

– Ah, é? Eu? Você está do lado de quem, Jorge? Do meu ou do dela? Hein?

– Do seu, claro! – olhando para a coitada da lagartixa, só faltando pedir desculpas por ter tomado partido.

– Então, prova!

– Como assim?

– Simples: mata a danada!

– Querida, sabe que horas são? – tampando a cabeça com o travesseiro, querendo que aquilo não estivesse acontecendo.

– Hora de mostrar quem é o homem da casa! – devolveu a mulher.

 – Araci... – agora sentado, acariciando a mão da esposa – Lembra que ontem você me acordou às três da manhã para eu matar uma mosca que assoviava pelo quarto? 

– Mosquito! Era um mosquito!

– Mosca, mosquito, pernilongo... – fazendo cara de: “que importância tem?” Respirou fundo, depois continuou. – Pois então, sabia que lagartixas se alimentam desses bichinhos?

– Elas comem mosquitos? – com cara de nojo.

– Hm-hm, Comem! Então, captou? Confessa: Diz... Não é uma boa notícia? – levantando a sobrancelha esquerda como se tivesse dado um xeque-mate.

– Ah. Entendi! Então, quem sabe eu troco você por uma lagartixa? Afinal, se bem me lembro, você não conseguiu matar o mosquito!

– Ora, eu tentei! Usei a toalha, o travesseiro. Você viu que eu tentei!

– Ele ficou rindo da gente, Jorge! Zumbiu a noite inteira! Aliás, essazinha  aí... – apontando para a lagartixa, que interrompeu seu passeio pelo teto para prestar atenção na conversa. – Aposto que deve tá rindo da gente também!

– É só você não pensar nela, querida. Dizem que é um bichinho superlimpo!

– Jura? Poxa, agora fiquei mais tranquila. Estava pensando em dormir de boca fechada, para o caso de ela cair do teto, mas, se é limpinha, não tem necessidade, certo?

– Isso mesmo! – concordando rapidamente, já deitado, querendo encontrar o sono perdido. Dorme, Araci, dorme. 

O Jorge toma a iniciativa e apaga a luz. Ambos fecham os olhos, agora de costas um para o outro, e tentam dormir.

Cinco minutos depois...

– De jeito nenhum! – contra-ataca a Araci num rompante, tornando a acender a luz do quarto. Parece ter pensado mais no assunto e percebido tudo que estava em jogo. – Quer saber? Jorge, o negócio é o seguinte: ou ela, ou eu!

– Como é que é?

– É isso mesmo! Você escolhe: ou ela ou eu! Como é que vai ser?

Minutos depois...

A Araci, chorando inconformada, joga suas roupas na mala sem nem ao menos dobrá-las, ao que tudo indica a fim de se mudar permanentemente para a casa dos seus pais. O Jorge, surpreso consigo mesmo e com a escolha que fizera, tenta pegar novamente no sono. Tudo que queria era uma noite bem dormida. Enquanto isso tudo acontece, no teto, agradecida, a lagartixa dá um bote e captura um mosquito que voava... voava alheio, desavisado, zumbindo alegremente.

Jean Marcel- Escritor, professor universitário, palestrante. É pai de dois adolescentes. Um leitor voraz. Eclético, escreve contos, crônicas, romances e infanto-juvenil. Possui o blog brisaliteraria.com

2 comentários

mvandresen disse...

Muito bom o texto, Jean!

Jean Marcel disse...

Obrigado, Mvandresen. Que bom que gostou! Está convidada a acompanhar minha coluna...