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Shakespeare: A Tempestade – Especulações Crípticas [Mariel Reis]

Shakespeare: A Tempestade – Especulações Crípticas


A controvertida figura do dramaturgo inglês William Shakespeare mantém em torno de si, acesa, todos os mistérios. Estudiosos de todas as partes do mundo se debruçam sobre sua obra e mesmo discutem sua existência. A genialidade do autor de Rei Lear recebeu sua maior homenagem através do crítico Harold Bloom que a ele atribuiu a invenção do humano. As criações teatrais de Shakespeare podem ser divididas em principais e secundárias. No elenco das principais, podemos confortavelmente colocar MacBeth, Rei Lear, Hamlet, Ricardo III e Henrique IV. Dentre as cinco peças distinguidas, aquela em que Shakespeare transbordou seu gênio é certamente Hamlet, onde o personagem homônimo discute os mais variados assuntos. Após a leitura da peça, lamentamos não prosseguir nossa conversa com Hamlet, porque seria interessante que ele nos falasse sobre toda a natureza. Poderíamos incluir entre os trabalhos mais significativos, algumas de suas comédias, Como Gostais e As Alegres Comadres de Windsor. Esta última peça compartilha de um personagem com a tragédia Henrique IV, que é o soldado Falstaff,que tinha ojeriza a guerra. 

Entretanto, mesmo William Shakespeare não consegue ser uma unanimidade. É uma afirmação temerosa. Contudo, se comparado a si mesmo, percebemos desníveis entre as suas criações. Daí a crença de que muitos estudiosos partilham de que o Bardo inglês não seja apenas um autor, mas muitos deles que se punham sobre sua insígnia. As próprias estratégias narrativas das obras shakespearianas são diversas entre si e a percepção disso se daria em um estudo comparativo do dramaturgo francês Molière e Shakespeare, por exemplo. No primeiro, é possível a percepção de um mesmo enjambement em toda a sua obra; enquanto que em Shakespeare essa percepção não constitui uma verdade. Podemos comparar, por exemplo, Hamlet e Coriolano - uma de suas peças mais obscuras e de fatura menor - e veremos que há um tratamento distinto sobre a discussão do poder. Todavia, uma investigação dessa natureza é uma ocupação para espíritos mais atilados. E, mesmo não importa ou importa pouco, se William Shakespeare era apenas um homem ou uma franquia de outros escritores, mas aquilo se produziu sob os auspícios dessa insígnia.

A Tempestade é obra que ocupa a segunda categoria classificatória: secundária. E sobre ela realizaremos algumas especulações.
A Tempestade, considerada a última peça escrita por William Shakespeare, é o alvo de minha explanação, devido às interpretações revisionistas executadas por autores como Retamar, Margarido e Césaire. Os dois primeiros autores, tomam-na como alusão ao Novo Mundo, aos ameríndios, centrando expectativas em Caliban para apoiar suas especulações; o último, toma rumo oposto e atribui caráter africano à figura. Em ambos os pontos de vista, prevalece uma leitura dogmatista – marxista, porque confere a Próspero o “discurso europeu” e a Caliban, a do “colonizado espezinhado” pelas sórdidas intenções de seus supostos protetores. E a fala que dá margem a essa interpretação tem sido invocada constantemente. Transcrevo-a abaixo:


Caliban – Ensinaste-me a falar e a minha vantagem foi que aprendi a amaldiçoar.


A fala transcrita é sintomática. Porque, se de um lado caracteriza a apreensão demoníaca da linguagem; de outro, reforça a oposição entre os universos dos personagens. Levanto, novamente, uma interrogação sobre o texto shakespeariano: A Tempestade é um trabalho baseado na oposição, em antíteses, na ação de forças contrárias, portanto, esquemático e primário se comparado a outros trabalhos do próprio autor. É certo destacar-se a forte ironia que percorre todo o texto como modo de anulação do recurso repisado, que incomoda ao leitor mais experiente. Isto ocorreu com o escritor Máximo Lustosa, quando da leitura da peça, que desconfiou não da habilidade do Bardo, mas do pobre tradutor Carlos Alberto Nunes, porque lhe seria sacrílego levantar suspeita sobre o modus operandi daquele a quem Harold Bloom intitulou como o Inventor do Humano.


Se não partilho do dogmatismo marxista e do revisionismo revanchista acerca d’ A Tempestade, também não simpatizo com a visão purista encetada por Harold Bloom que encerra a peça num nicho, sem intervenções exteriores, como produto a-histórico, derivado apenas de um exercício abstracionista do poeta inglês. Enquanto estive no ambiente acadêmico, minha ambição nunca fora reduzi-la, A Tempestade, à politicalha imperialista, mas ampliá-la em sua compreensão com discussões que a História produziria dali a algum tempo, como a do Bom Selvagem, de Jean Jaques Rosseau, em um traço comparativo da influência shakespeariana em sua construção. E as linhas políticas ali existentes, que norteariam as ações do autor do Contrato Social, ensaiadas, de modo incipiente, porque se trata de literatura e não de sociologia, na obra de William Shakespeare.



Mariel Reis, poeta, ensaísta e escritor, publicado em revistas virtuais. Lançou o livro A Arte de Afinar o Silêncio, Editora Ponteio (2012).

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