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Tentação [Jean Marcel]

 Tentação

O Custódio só não resistia a ovo frito e à Darlene, mesmo sabendo que ambos faziam muito mal a seu coração. E, por ironia do destino, a Darlene, empregada de sua casa, fazia o melhor ovo frito que ele já experimentara. O Custódio lambia os beiços só de pensar... na Darlene! De fato, pra feia a Darlene não servia, mas também não era isso tudo que o Custódio enxergava. Era até difícil entender de onde vinha tamanho entusiasmo, já que, embora realmente tivesse as medidas todas no lugar, aquele corpo perfeito bem que merecia um rostinho mais bonito. Os amigos que o visitavam diziam que ela era mais interessante indo do que vindo... Mas nada disso importava ao Custódio. Ele atingira uma idade em que já não evitava mais as tentações, ao contrário, as tentações é que o evitavam. Portanto, a proximidade com a Darlene era uma chance rara que não podia desperdiçar. A verdade é que, depois que se casara, ano após ano, sem perceber, de aclamado guerreiro boêmio fora lentamente se convertendo em um sujeito pacato e sossegado, do tipo que usa cueca cor de vinho e lê Seleções do Reader`s Digest. O Custódio amansou e de tal modo que as noites de devassidão transformaram-se em meras lembranças de um passado distante. Às vezes, chegava até mesmo a duvidar que realmente tivessem acontecido. E agora, próximo de se aposentar e de assumir o pijama como uniforme oficial, sua vida se resumia a casa/trabalho, trabalho/casa! Assim sendo, a Socorro, sua esposa, julgava - com alguma razão - que não havia a menor possibilidade do Custódio querer reviver seus dias de “glória”. Quer dizer, até que, num inexplicável descuido, ela contratou a Darlene, pensando que pudesse ajudá-la nas tarefas de casa.  O problema é que a Darlene era mais competente do que a Socorro supunha! Sem saber, estava prestes a atiçar os instintos mais primitivos do marido. Não que a Darlene tivesse alguma culpa.  Ela só era boa no que fazia! Pois é, sem desmerecer a Socorro, a verdade é que a Darlene cozinhava muito melhor do que a patroa! E o Custódio... Bem, ele era um glutão confesso, para dizer o mínimo! Aí, já viu.  Foi como se ele, que hibernava há um longo inverno, despertasse de repente com muita fome... fome de viver!

A primeira vez que o Custódio prestou atenção na Darlene foi num dia em que estavam sós os dois na cozinha, ele sentado junto à mesa e ela preparando a refeição.

– "Seu" Custódio, como é que o senhor prefere que eu faça? – perguntou à queima-roupa, de costas, cabeça virada para trás por sobre o ombro direito.

– Ahn? – engasgado com a pergunta inesperada, mas muito bem-vinda.  Como eu prefiro que você faça? – olhando agora mais atentamente a morenice daquela mulata, coberta somente por um minúsculo guarda-pó xadrez.

– É.  Como é que o senhor gosta? Tem alguma preferência? – A Darlene indagou novamente. – Eu sei fazer de todos os jeitos, mas comigo é no gosto do freguês! – ainda completou, agora mostrando os dentes bem brancos emoldurados por lábios carnudos que produziram um sorriso ingênuo, mas que imediatamente foi interpretado pelo Custódio como sendo de duplo sentido.

– Bem... – animando-se com as perspectivas. – O “pedido” depende da companhia.

– A “companhia” é arroz e batata frita! – devolveu a Darlene, sem entender o porquê daquele olhar engraçado que o patrão lhe encaminhava. – Como vai ser? Gema mole com clara dura?

*  *  *

Com o tempo, o Custódio já não conseguia mais controlar seus impulsos. Estava numa corredeira sem remo! Mas quem, em sã consciência, poderia culpá-lo?

– "Seu" Custódio...

– Me chame de Didi.

– Pois então, "Seu" Didi, como é que o senhor vai querer hoje? Que tal se eu fizer mexido?

– Isso, Darlene.  – enxugando o suor da testa. – Faz mexido,  faz.

E lá ficava o Custódio, um talher em cada mão, aguardando como se estivesse pronto a devorá-la, observando, embasbacado, o gingado com que ela preparava sua iguaria: cumbuca abraçada de um lado do corpo junto à cintura e garfo na outra mão, preparando a mistura.  A Darlene parecia bambolear junto com a clara e a gema.

– O segredo é mexer bem, "Seu" Custódio! – anunciou, agitando todo o corpo junto com a cumbuca.

– Didi, Darlene. Me chame de Didi! – a cabeça girando no ar na mesma rotação que o traseiro dela.

Se o Custódio ainda não tinha ganhado tudo o que queria, ao menos estava abiscoitando muito mais do que devia. Acontece, porém, que seu caminho não era só de flores, e a Socorro reparou que o colesterol do esposo andava nas alturas. Nem poderia ser diferente.  O Custódio não pensava em outra coisa! Aí, então, atirando no que viu e acertando no que não viu, a Socorro demitiu a Darlene sem dó nem piedade, preocupada que estava com a saúde do esposo.

– É muita fritura! – justificou para o marido inconformado. – Acabou a farra! Agora você vai entrar na linha! – ainda completou, sem saber da profundidade do que acabara de dizer.

E de fato, como a Socorro previra, o colesterol do Custódio melhorou a olhos vistos. Só o coração dele nunca mais se recuperou. 

Às vezes, escondido, quando a esposa não está em casa ou se já está dormindo, o Custódio foge para a cozinha e faz um ovo frito duplo caprichado. Aí, entre uma garfada e outra, com lágrima nos olhos, saboreando cada mordida como se fosse o último desejo de um condenado, ele murmura de boca cheia, saudoso de quando era mais feliz: “Ah, Darlene... Ninguém faz um ovo frito como você!”


Jean Marcel- Escritor, professor universitário, palestrante. É pai de dois adolescentes. Um leitor voraz. Eclético, escreve contos, crônicas, romances e infanto-juvenil. Possui o blog brisaliteraria.com

4 comentários

Andrea Lombardo disse...

Adorei! Excelente!

Ana Dietrich disse...

Saboroso, humano e bem humorado! Adorei

Anônimo disse...

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Romont Willy disse...

Muito bom, Jean!!!