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DUAS CAMAS DE SOLTEIRO FORMAM UM CAVALHEIRO [Fabrício Carpinejar]

Arte de Eduardo Nasi
DUAS CAMAS DE SOLTEIRO FORMAM UM CAVALHEIRO
 
A privação cria um cavalheiro.

A renúncia prepara românticos.

O egoísta jamais será educado.

O narcisista jamais será educado.

O megalomaníaco jamais será educado.

A virtude masculina consiste em ser o segundo, em vir depois, em não priorizar os próprios luxos.

Quem procura se beneficiar antes não será um macho de verdade. Sempre vai abandonar ou fugir de um romance.

Amor é ter altivez dentro da humildade. É ceder sem medo de existir.

Homem que nunca lavou louça não saberá o que é se cortar no amor. O homem que nunca cozinhou não saberá o que é se queimar no amor. Homem que nunca passou roupa não saberá o que é rasgar uma promessa.

Só podemos oferecer o que somos. Só podemos imaginar o que um dia tentamos.

Nas pequenas tarefas, surgem os grandes maridos. Não subestime a epopeia da banalidade.

É difícil ser gentil. A gentileza é uma coragem, um refinamento da experiência. Árduo quem não depende do medo para ajudar, quem oferece o que tem antes que alguém precise.

O heroísmo amoroso começa na adolescência. Exatamente quando o jovem dormirá pela primeira vez com a namorada em seu quarto e decide juntar duas camas de solteiro.


Ali nasce a delicadeza no rosto barbudo.  Ali germina a sutileza na feição baldia.

A cena fundadora do lirismo viril reside no momento em que o homem abandona o posto de filho, de dependente, e assume a independência de cuidar do outro.

Não há nada mais comovente do que um garoto que adormece no meio da madeira para permitir que sua amada durma no canto acolchoado.

É um gesto carinhoso de fazer e não falar.  De zelar e não cobrar na manhã seguinte.

Diria que é neste instante que o adolescente se torna adulto.

Ele disfarça a dificuldade material com seu gesto, contorna sua pobreza com ternura.

Não está se destacando nem aparecendo. De modo inédito, mergulha na sombra, conhece o valor da retaguarda, sofre calado para não vê-la sofrer.

Com seu corpo, cobre o descompasso, o desnível, a divisão entre os dois colchões.

Não reclama da frieza da brecha, não lamenta as dores nas costas.

O que valoriza é estar junto, respirando perto, soprando os sonhos para o mesmo lado.

Um homem se mostra sensível quando não pensa somente nele, e passa a levantar de sua nudez uma ponte dos suspiros dela.

Fabrício Carpinejar-poeta, cronista, jornalista e professor, mestre em Literatura Brasileira pela Ufrgs. Vem sendo aclamado por escritores do porte de Carlos Heitor Cony, Millôr Fernandes, Ignácio de Loyola Brandão e Antonio Skármeta como um dos principais nomes da poesia contemporânea.

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