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INVERNO [Raul J.M. Arruda Filho]

INVERNO

Deveriam ser proibidas todas as paixões que não iniciaram no inverno.

Deveriam ser negados quaisquer pedidos que não fossem feitos no inverno.

Deveriam ser ignorados todos os acontecimentos, festas e festivais que não celebram o inverno.

É no inverno que aprendemos a valorizar a vida e o afeto.

No inverno descobrimos que a injustiça existe (basta olhar para as pessoas e ver a dor estampada no rosto daqueles que não possuem calor, comida e roupas).

No inerno a humanidade enfrenta (e supera) as adversidades climáticas, econômicas e emocionais.

Quem, recordando a adolescência, é capaz de negar os prazeres proporcionados pelas festas de são João? Fogueira, rojão, pau−de−sebo, pipoca, pé−de−moleque, paçoquinha, ponche. Como esquecer aqueles momentos em que fulano encontra coragem para convidar sicrana para um arrasta−pé? Como explicar "aquele" friozinho na barriga, quando ela aceita dançar a quadrilha?

Cozinha de chão, fogão de lenha, pinhão na chapa, vinho, bolo de fubá, doce de gila, bolinho frito ("bolinho de chuva"?), chocolate quente, quentão, rosca de coalhada, polenta recheada com queijo, sopa, churrasco, arroz−doce. Como esquecer o café "com mistura", às quatro da tarde?

Neve, geada, orvalho, garoa, vento, frio, casacos, gorros, pelego, cobertor de penas, cobertor−de−orelha.

No inverno, há mistério. A tirania da moda (inscrita nos corpos anoréxicos, nas roupas exíguas e na indiferença petulante das passarelas) perde a força e a sensualidade diante do desnudar da imaginação. Camadas de roupas sobrepostas que vão desaparecendo lentamente. E o calor dos corpos, escondendo perigos, negando prazeres, forjando promessas.

Amar no inverno é o inferno e o paraíso (e poucas coisas podem ser melhores). No cinema, na pracinha, na escada do prédio, em qualquer lugar o "amasso" é mais caloroso – não há frio que resista!

No inverno não há espaço para mercadorias inúteis ou emoções baratas.

A beleza e as cores de um dia de inverno superam os conceitos estéticos.  

O inverno é um dos sinônimos da liberdade, basta saber vivê−lo.

E, não menos importante, não existe primavera sem inverno.

Raul J.M. Arruda Filho, Doutor em Teoria da Literatura (UFSC, 2008), publicou três livros de poesia (“Um Abraço pra quem Fica”, “Cigarro Apagado no Fundo da Taça” e “Referências”). Leitor de tempo integral, escritor ocasional, segue a proposta por um dos personagens do John Steinbeck: “Devoro histórias como se fossem uvas”. 
Todos os direitos autorais reservados ao autor.

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