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A profissionalização do Mercado de Arte [Mariel Reis]

A profissionalização do Mercado de Arte

O mercado de arte brasileiro é incipiente. A presença dos institutos que representam os pintores é tímida e, na maioria das vezes, indesejável pelas casas que realizam leilões devido aos entraves criados em negociações de alto porte. A alegação da inexperiência daquele que dirige o instituto, a maior parte deles ou parentes do pintor que seguiram carreiras diversas daquela que lhes atribuiriam credibilidade no terreno das artes plásticas: advogados, engenheiros ou médicos; ou colecionadores que se aventuram, devido a paixão pelo artista, a emitir opiniões baseadas em padrões que se repetem nas obras por ele adquiridas ou por ter tido estreito contato com o pintor durante a sua vida por anos a fio. Em ambos os casos, reina a subjetividade na avaliação das obras do artista, não há um conceito objetivo que norteie as investigações de um quadro sob suspeita de falsificação. Há argumentações inconsistentes, como: em determinado período ele não usaria esse tipo de papel, tela ou chassi como se o comportamento do artista estivesse repleto de previsibilidade ou ele não pudesse, em momento algum, fugir ao script de si mesmo.

Outra superstição, advinda desse comportamento, é de que o artista catalogasse seus materiais, isto é, tivesse uma lista de compras em algum lugar de seus arquivos que comprovasse a compra de papel X e não papel Y, lápis W e não lápis Z; pondo fim ao equívoco de materiais dessemelhantes que surgem como suporte de trabalhos que os institutos ou entendidos repudiam como pertencente ao pintor baseados apenas na observação do cotidiano do artista ou na presença freqüente em seu ateliê. O que é uma argumentação frágil, facilmente questionável e uma atitude indelicada em relação ao proprietário da obra sob suspeita. No entanto, a medida correta adotada pelas casas de leilões é a retirada do objeto até a conclusão de sua análise para não incorrer no erro de  se insurgir contra a instituição que representa o artista, arranhando sua legitimidade junto do mercado.

Contudo, a incipiência do mercado brasileiro, em que a legitimidade de uma obra atravessa a sua origem, a quem pertenceu, não difere em nada da mentalidade discriminatória instalada no modus operandi de um país de passado escravocrata em que o poder geralmente se traduzia ou, ainda se traduz, do seguinte modo:

“Você sabe com quem está falando, rapaz?”

Daí fundamenta-se toda a diferença em que está baseada para a afirmação da autenticidade de uma obra de arte ou para o seu descarte como uma falsificação barata e grosseira. Se o quadro pertence a um proprietário consistente, isto é, alguém com alto coturno social, provavelmente não será admitida a alegação de que a obra em questão é falsa, porque, além da alegação da compra direta do artista - que na maioria das vezes não fazia recibos ou mantinha anotações para quem os trabalhos eram vendidos e a que preço: informações valiosas para o rastreamento daquela obra e montagem de sua genealogia -, e, a sua importância social como colecionador impedem que afirmações contrárias se estabeleçam como verdadeiras. Como se um granfino não pudesse ser enganado ou ludibriado por pessoas de má-fé que o auxiliassem na estruturação de seu acervo de obras de arte.

Portanto, nem o colecionador consistente ou o proprietário de uma única obra estão livres das falsificações, embora a matéria, veiculada pelo jornal O Globo, em 15/05/2013, na página 10 do Segundo Caderno, afirme o contrário, na polêmica fundada em torno da obra de Alfredo Volpi, que seria vendida por uma Casa de Leilões em Nova Iorque.

O diretor do Instituto Volpi, Marco Antonio Mastrobuono, emitiu, na matéria, o seguinte juízo:

 “Como o mercado internacional de arte brasileira é relativamente recente, as grandes casas de leilão conhecem pouco quem é colecionador consistente e quem é apenas portador de um único trabalho”.

Perseguindo esse raciocínio, concluímos: se um pé rapado der a sorte de ter trabalho de um pintor para quem ele carregava as compras, porque era faxineiro, zelador ou ascensorista do prédio em que o artista morava, este, portador de um único trabalho, mesmo alvo da generosidade do pintor, parece estar condenado a não ter reconhecida a sua pintura, gravura ou serigrafia; e o outro, possuidor de empresas e de extensa fileira dos quadros do mesmo artista, terá sua presença admitida imediatamente ao hall legitimador a que tem entrada somente aqueles que socialmente possam comprovar poder aquisitivo para ter em suas paredes um Portinari, um Di Cavalcanti ou um Volpi.

As obras falsas devem ser caçadas e retiradas do mercado, não através apenas da origem social do portador/proprietário/adquirente, mas de exame minucioso por parte de um corpo técnico que se ocupe apenas do estudo da obra do artista, auxiliado, em caso de dúvidas, de institutos internacionais que promovam investigações semelhantes, recorrendo a alta tecnologia em suas intervenções para a determinação da autenticidade do quadro. Não há qualquer garantia de que um quadro que pertence a um milionário brasileiro e outro que estivesse em posse de um homem simples, seja ele falso ou verdadeiro baseado apenas em sua origem e genealogia - porque mesmo bons homens são enganados por outros que o ludibriam em sua boa-fé e confiança. No período em que trabalhei com arte, em uma galeria conceituada, ouvi histórias dessa natureza que, se integram o folclore ligado ao mercado, deveriam servir de advertência nas negociações aos homens mais cautelosos.

Os institutos deveriam investir na sua profissionalização em parcerias com entidades estrangeiras que pudessem orientá-los em seus métodos e técnicas investigativas, ou fomentar a criação de cursos de investigadores especialistas em parceria público-privada que formasse mão-de-obra qualificada para atuação no setor. O que representaria um avanço na mentalidade existente hoje no mercado de arte. Isto não garantiria uma eficácia de 100% devido ao zelo pela memória discriminatória adquirida pela sociedade em que há uma divisão clara entre eles e nós.

A reversão disso levará algum tempo, com isso outros erros de natureza semelhante irão se repetir. Apesar da correção futura, incrementada pelos investimentos e parcerias na formação de profissionais que norteiem as pesquisas nesse campo: refém de achismos, ou de pareceres inconsistentes como a obra não reúne características que a enquadrem, categoricamente, como verdadeira, ou a dolorida classificação de duvidosa com intuito de desvio dos problemas legais com afirmações categóricas.

Então, qual a importância dos institutos? Por que se esquivam da responsabilidade legal sobre seus pareceres, se desejam tornar-se a voz oficial do artista morto? Qual o interesse de embargo das obras do pintor em leilões nacionais e estrangeiros, se não pode ser taxativo e seguro em suas decisões? Como pode ter credibilidade, se as ações bancadas por ele, com eventual prejuízo para terceiros, sendo as obras posteriormente consideradas verdadeiras, tomam um desvio atrás de rótulos como duvidosa? O artista aprovaria essa hesitação, devido ao receio, não do questionamento legal, mas do comprometimento pecuniário com indenização ao possível prejudicado? Os institutos brasileiros devem rever a sua postura, a sua atuação e o modo como lidam com problemas semelhantes para não parecer um trabalho de saneamento social em que se afastam do centro aqueles que não têm pedigree, enquanto que outro grupo é privilegiado.

A emergência da profissionalização do mercado de arte é notória em casos como este, parte do sintoma do despreparo do país. Não se pode apenas confiar na palavra do vendedor, porque, quando se arremata uma obra por um valor com inúmeros dígitos, não pode dizer a ele, simplesmente, que a levará para casa e irá pagá-la depois, portanto, fique com a minha palavra. Isto é impensável, não é? Por que esse entendimento não pode existir em sentido inverso?

P.s: Em tempo, a guisa de esclarecimento, o pé rapado aludido liga-se diretamente ao autor do artigo que, durante sua atuação no mercado de arte, ganhou de artistas trabalhos que integram sua microscópica galeria, confinada as paredes do modesto apartamento onde mora. Mesmo sem possuir renda compatível, apenas por lhes carregar os trabalhos em suas visitas regulares à galeria e à gentileza com que eram tratados, quando de sua presença, para recepcioná-los, resolveram presenteá-los com esses mimos. Portanto, o autor integra a famigerada classe de portador de um único trabalho.



Mariel Reis, poeta, ensaísta e escritor, publicado em revistas virtuais. Lançou o livro A Arte de Afinar o Silêncio, Editora Ponteio (2012).

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