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Essa moça tá diferente [Marcelo Vitorino]

Essa moça tá diferente 

— Presidente, o senhor tem certeza da escolha que está fazendo?

— Claro que tenho, oras! Se não for a Vilma, quem mais poderia presidir o Treze de São Bernardo?

Realmente, não havia alternativa melhor diante dos acontecimentos. A saída que Luisinho inventou podia não ser das mais fáceis, porém, era a mais viável naquele momento. Vilma seria a sua sucessora na presidência do clube.

— Isso é tudo culpa do Alceu! — disse o presidente para os companheiros. — Dei todo o poder que eu podia na mão dele e o inútil não conseguiu convencer os conselheiros a mudarem o estatuto. Agora não posso fazer mais nada!

— Mas, presidente, o senhor sabe que os conselheiros exageraram na pedida. Todos queriam ser remunerados para aprovar a possibilidade de mandatos infinitos. Não tínhamos mais dinheiro em caixa.
— Dinheiro se faz! Dinheiro se faz! É só pegar de um fornecedor “daqui”, de um patrocinador “dali” e quando você vê tem o suficiente para fazer o que quiser.

Por mais dura que a verdade seja, Luisinho estava certo. Se Alceu tivesse comprado os conselheiros, não haveria porque indicar Vilma para lhe suceder.  Chegou-se a cogitar outros nomes, mas a base de apoio do presidente estava comprometida pelos escândalos de sua gestão no clube.

No início foi só festa, pela primeira vez um sócio não remido tinha sido escolhido para ocupar a presidência do clube. Nunca antes na história do Treze de São Bernardo isso ocorrera. Os nomes que ocupavam o poder eram sempre os mesmos.

Na posse de seu primeiro mandato, Luisinho fez um discurso muito emotivo, se lembrando de quando começou a conviver no Treze. Chegou como faxineiro e graças ao seu empenho, conquistara a presidência.

Acontece que não chegou lá sozinho. Para tal feito precisou da ajuda de sócios e conselheiros descontentes com as administrações anteriores.

Como em nenhum lugar do mundo existe o chamado “almoço grátis”, Luisinho, antes mesmo de assumir sabia que não ficaria impune de “ajudar” os companheiros que lhe “ajudaram”.

Todas as diretorias técnicas do clube foram distribuídas conforme o desejo de seus apoiadores. Alceu ficou com o cargo de diretor executivo, cabendo a ele a administração do Treze.

Vilma foi indicada para uma das secretarias existentes sendo, no início, apenas uma pequena peça no jogo político do clube.

Ao final do primeiro mandato houve uma caça as bruxas em sua administração e o conselho fiscal detectou inúmeras irregularidades envolvendo seus apoiadores. Luisinho conseguiu se salvar de ser deposto, mas ficou só. Para continuar no poder teve que fazer como Pedro ao negar Jesus, diz-se não ter conhecimento dos atos de seus aliados.

Mesmo com as denúncias, a popularidade de Luisinho com os sócios era muito boa. Quando entrou barateou as mensalidades dos sócios não remidos, fazendo jus às suas origens, empregou dezenas de amigos e distribuiu benefícios para todos.

Apesar de o conselho fiscal querer outro candidato, os sócios que tinham direito a voto haviam sido beneficiados pelas medidas implementadas. Com isso o seguraram para o segundo mandato.

Assim como no primeiro, tudo caminhou razoavelmente bem para o presidente. Há quem diga que ele teve sorte, outros que tinha bons acordos com as bases, mas ninguém negava a sua popularidade.

Sabendo que o estatuto o impediria de ser presidente pela terceira vez consecutiva, viu-se compelido a escolher um sucessor. Com sua base enfraquecida, escolheu Vilma, que no segundo mandato havia assumido o cargo de diretora executiva.

Vilma era de uma subserviência incomum. As más línguas diziam que se Luisinho entrasse na piscina do clube, a diretora morreria afogada tamanho o seu puxa-saquismo.

O presidente via isso com muito bons olhos, afinal, não poderia dar a sucessão para alguém que não escrevesse o ditado dele. Quem de brio ocuparia o cargo cuja caneta não teria tinta?

Com a intenção clara de continuar governando, reuniu seus apoiadores e pediu apoio para Vilma. Fez isso de todas as formas possíveis e imagináveis.  Em uma das conversas, Vilma agradeceu:

— Presidente, preciso lhe falar o quanto sou grata pelo seu apoio. Sem você eu nunca teria a oportunidade de presidir esse clube!

— Guarde seus elogios para depois da eleição, Vilma! Ainda estamos longe e há muito para ser feito. — disse Luisinho.

— Eu tenho apenas uma curiosidade e gostaria que o senhor acabasse com ela. O que o senhor pretende fazer depois que sair da presidência? — questionou Vilma.

Luisinho baixou a cabeça e pensou por um instante. Quando levantou, olhou nos olhos de Vilma e disse com um sorriso irônico no rosto:

— Quem é que te disse que vou sair? — Vendo a cara de espanto da companheira, desconversou — Estou brincando, Vilma! Vou tirar férias! Ser presidente cansa, você vai ver.

E assim como o presidente previu, Vilma foi eleita. Suas primeiras medidas foram referentes a nomeações.  A contragosto teve que engolir Alceu e mais uma dúzia de colegas de Luisinho, dando a estes, cargos muito importantes na sua administração.

Após ver que Luisinho realmente continuava a presidir o clube, mesmo estando fora, tomou a decisão de vazar documentos administrativos comprometendo os apoiadores do ex-presidente.

O conselho administrativo foi implacável, exigiu a saída imediata de Alceu e sua turma. Tendo o órgão “contra” ela, Vilma acatou e os exonerou.
Assim que ficou sabendo dos fatos, Luisinho interrompeu suas férias e adentrou o gabinete presidencial sem ser anunciado.

— Vilma! Que loucura é essa que você fez? Onde já se viu mexer em cargos importantes sem me consultar?

—­­ Vilma, não! Daqui  para frente, pode me chamar de presidente.
Em um primeiro momento, Luisinho não acreditou no que ouvira, não por causa do teor, mas sim pela forma. Aquela conversa foi apenas a primeira demonstração de que as coisas mudaram para o Treze de São Bernardo. Vilma poderia vir a mudar o sistema, mas o sistema já conseguiu transformá-la.







Essa moça tá diferente 
Música e voz de Chico Buarque

Essa moça tá diferente
Já não me conhece mais
Está pra lá de pra frente
Está me passando pra trás
Essa moça tá decidida
A se supermodernizar
Ela só samba escondida
Que é pra ninguém reparar
Eu cultivo rosas e rimas
Achando que é muito bom
Ela me olha de cima
E vai desinventar o som
Faço-lhe um concerto de flauta
E não lhe desperto emoção
Ela quer ver o astronauta
Descer na televisão
Mas o tempo vai
Mas o tempo vem
Ela me desfaz
Mas o que é que tem
Que ela só me guarda despeito
Que ela só me guarda desdém
Mas o tempo vai
Mas o tempo vem
Ela me desfaz
Mas o que é que tem
Se do lado esquerdo do peito
No fundo, ela ainda me quer bem
Essa moça tá diferente
Já não me conhece mais
Está pra lá de pra frente
Está me passando pra trás
Essa moça é a tal da janela
Que eu me cansei de cantar
E agora está só na dela
Botando só pra quebrar 

Fonte:


Marcelo Vitorino- Trabalho com publicidade desde 1999 e, depois de um tempo, acabei indo naturalmente para o marketing e desde 2007 passei a integrar o pessoal do marketing digital.
 Como produtor de conteúdo na internet estreei escrevendo o Pergunte ao Urso, um projeto que visava entender como funcionava o consumo de conteúdo pelo público feminino. A ideia deu certo, o blog virou dois livros, teve presença em rádio, mídia impressa e até na televisão. Chegou a ter um milhão de acessos mensais.
No final de 2012 decidi que era a hora de virar a página e encerrar o projeto. Publiquei todo o meu aprendizado em um documento que está disponível na internet, portanto, se você quer começar um blog, sugiro que leia.
Acabei me viciando em escrever e interagir com o público. Já que não fui forte o bastante para largar o vício, entendi que o melhor caminho era começar outro projeto.
Sou fruto de uma família muito numerosa e como acabei chegando por último tive uma formação muito diferenciada. Aos 14 anos escutava muita Bossa Nova e MPB, depois passei a escutar Samba, Blues, Jazz e Soul. Fui escutar Rock e outros gêneros musicais bem mais velho.
O fato é que sempre gostei de música. Para mim, todo grande momento da vida tem uma trilha sonora.
Como referências literárias tenho dois modelos: Nelson Rodrigues e Luís Fernando Veríssimo. O primeiro pela ambientação perfeita que há nos seus textos, o segundo pelo diálogo e reflexões de seus personagens. 

Um comentário

AC de Paula www.antoniocarlosdepaula.com/ disse...

Excelente texto, parabéns!!!!
eu quero mais é que o Treze de São Bernardo não jogue nem na quinta divisão da várzes rss!!!Tá bom eu sei que é sonho!!!