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Livro “O diabo que te carregue!” [Stella Florence]


Livro “O diabo que te carregue!” de Stella Florence, capítulo 25, Sábado à noite 

Em matéria de desespero, nada, rigorosamente nada se compara ao que você pode experimentar numa noite quente de sábado.

Dez da noite, trinta graus, um luar estupendo lá fora, seus filhos foram dormir com o seu ex e você... bem, você não tem nem um gato para puxar pelo rabo.

As noites quentes de verão parecem que foram feitas sob encomenda para os amantes frescos, amantes há poucas luas, aqueles que ainda não foram apresentados ao mau-humor, ao descaso, à impaciência e à falta de desejo. Bem, hoje é sábado. Calor absurdo. Estrelas aos montes insistem em marcar presença no céu, mesmo com todas as luzes da cidade grande a lhes ofuscar o brilho. E o programa mais atraente ao seu alcance é limpar a geladeira.

Nessa hora você pensa no homem assaz interessante que te encarou no metrô ontem. Você pensa no vendedor do mercadinho que sempre fica te seguindo com uns olhos gulosos. Você pensa até naquele ex-namorado do qual você demorou tanto para se ver livre. Aquele grudento e criançola. Será que ele estaria disponível esta noite?
Quando foi a última vez em que você sentiu prazer? Não o prazer cálido de observar os filhos dormindo nem o prazer cheio de culpa do chocolate escorrendo goela abaixo. Não, eu me refiro aqui ao prazer proporcionado pela sensualidade, ao prazer de encostar toda a sua pele em toda a pele de outra pessoa e trocar fluidos, carinho, energia.

E hoje seria a noite perfeita. Seus filhos estão com o pai – o que significa que ele, seu ex, não está saçaricando com alguma outra, não esta noite, esta seria inteiramente para o seu prazer. Uma noite egoisticamente sua. Sim, este detalhe faz diferença. Porque você não é uma santa. Porque você tem mais ciúme dele agora do que jamais teve quando vocês estavam casados. Porque você quer se sentir superior um pouco, mesmo que pelos motivos errados.

Então você decide tomar uma decisão drástica. Pegar o telefone e tirar um bom amigo da cartola, daqueles que toda mulher deve ter, um pouco mais que amigo, um pouco menos que amante, um pequeno refresco. Você não se sentiria bem indo caçar na noite, prefere um endereço e uma boca conhecidos. Não é a quinta maravilha do universo, mas é a única coisa decente que você tem à mão. Então você liga. E ele está em casa. E você o convida para sair. E ele aceita.

Você não sabe se ouviu bem ou se aquela facilidade toda foi um delírio, afinal os tempos tem sido bastante bicudos e é natural que você tenha alucinações com um braço masculino à sua disposição sem muitos tropeços. De qualquer maneira, você se emperiquita toda, agradecendo aos deuses pagãos por ainda haver justiça no mundo.

Numa noite como a de hoje até Medéia esqueceria sua vingança contra Jasão para se fartar de um anônimo repasto de músculos e pêlos suados.

Meia hora depois você está pronta, aguardando seu amigo. Você não desgruda o nariz da janela, à espera do carro, mas nada dele aparecer. O tempo vai passando, vinte, trinta, quarenta minutos e nenhum sinal dele. Você telefona para a sua casa, para o seu celular, passa até um e-mail. Nada.

Você começa a descascar o esmalte das unhas. Então, pouco antes da meia-noite, seu amigo liga dizendo que tomou dois comprimidos para gripe e pegou no sono. O encontro de vocês, ele diz, fica para outro dia. Bem, você já deveria saber: nunca espere nada de um homem, nunca espere absolutamente nada de um homem.


Stella Florence nasceu em 1967, é escritora formada em Letras e vive em São Paulo. Tem uma filha, 30 tatuagens e oito livros. É exatamente desse modo, objetivo e charmoso, que a autora de "Hoje Acordei Gorda" e "Ser Menina é Tudo de Bom", entre outros títulos, costuma se apresentar.

Um comentário

Raquel Ramos disse...

Comprei este livro, pelo título. Muito sugestivo. Abraços. Raquel