Tudo nas estrelas, está
escrito!
O rei andava preocupado.
Sua filha, Margarida, não queria se casar com nenhum candidato. Recusava belos
príncipes e homens abastados.
— Deste jeito tu fica pra
titia. Por que não se casas e vai viver em uma ilha? – perguntou o rei, em sua
agonia.
Respondeu, a princesa,
logo em seguida:
— Não quero saber de ilha,
prefiro ficar pra titia.
— Escute a voz de seu
protetor: arranja logo um noivo, por favor!
— Muito obrigada, não
senhor.
— Qual o motivo de tanto
dissabor? Moça bonita querer ficar sozinha, que horror!
Margarida, colocando as
mãozinhas no coração, suspirou: — Os homens me oferecem ouro, jóias e seus
tesouros, mas eu desejo alguém, que não queira comprar o meu amor. Desejo um
homem romântico, um poeta, um sonhador...
O rei escutou com atenção.
Depois de um longo silêncio, disse em bom tom:
— Trarei o homem mais
romântico que já pisou nesse chão. E se nem com ele quiserdes casar, a sua
solteirice, para mim, será uma maldição!
Pisando duro, o rei saiu
do salão.
II
O rei foi ter com seu
conselheiro. Pediu a ele que procurasse pelo homem mais romântico do reino. O
conselheiro, estupefato, quis saber como conseguir tal feito.
— Senão encontrardes o que
peço, sua cabeça, cortarei com um machado cego!
O conselheiro ficou com
esse abacaxi para descascar. Ficou andando de um lado para o outro, querendo
alguma coisa pensar. Um homem romântico, onde encontrar?
III
Na aldeia, vivia o feio
poeta Gaspar, um bêbado inconveniente, que bonitas damas, gostava de
importunar.
Ele estava bebendo vinho,
quando viu uma lavadeira, com uma trouxa, passar.
— Bonita lavadeira! Que
por aqui vem passear, queria eu ser uma muda de roupa, para a senhora, meu
corpo lavar.
— Por que trabalho não vai
arranjar? Em vez de ficar enchendo a cara e os outros chatear? – respondeu a
lavadeira, em seu rude linguajar.
— Não estou bebendo com o
seu dinheiro, vai da sua vida cuidar!
— Além de bêbado e feio,
não sabe com uma dama conversar.
— Nenhuma dama meus olhos
conseguem avistar, mas vejo uma mulher, que só entende de roupa suja lavar.
Enquanto os dois estavam
discutindo, chegou o jardineiro, namorado da lavadeira, e aquela conversa, foi
ouvindo.
— O que está havendo,
amigo? – perguntou para Gaspar, embriagado de vinho.
— É esta lavadeira, que
vem falando comigo! Pensa ser uma dama, quando não passa de meretriz no cio.
O jardineiro respondeu,
embravecido: — Esta lavadeira, a quem insultais, é minha companheira!
— O rei jardineiro tem a
sua rainha lavadeira, agora só falta o pequeno príncipe engraxate para
completar a realeza.
Com esta ofensa, Gaspar
caiu na poeira, sendo perseguido pelo jardineiro e sua parceira.
Gaspar correu o quanto
podia. Vendo uma procissão religiosa que pela rua seguia, Gaspar entrou no
meio, fingindo ser coroinha. Despistou o jardineiro, e sua lavadeira
enfurecida.
Assim que a procissão
terminou, Gaspar foi procurar uma bebida. No caminho, deparou-se com uma
comitiva, que gente importante, trazia.
O conselheiro do rei, que
na carruagem vinha, perguntou ao bêbado Gaspar, com muita cortesia:
— Procuro por um homem
romântico, se sabe onde há, por favor, me diga!
— Homem procurando por
homem e de Deus quebrando as leis. Não tem vergonha, seu velho metido e
burguês?
—Meu bom homem, deixe de
insensatez, o homem a quem procuro é para a princesa Margarida, filha do rei.
— E por que não disse de
uma vez? – perguntou o bêbado, querendo disfarçar sua embriaguez – deste reino,
sou o homem mais romântico que Deus fez.
— Então suba na carruagem!
Ao castelo, o levarei!
IV
O conselheiro levou Gaspar
para o rei conhecer.
— Pedi um homem romântico
e não um bicho feio de doer – falou o rei para seu conselheiro, que com muito
medo, teve de responder: — Na aldeia, ele é o único homem romântico, assim
mesmo ele veio me dizer.
— E qual a graça do
cavalheiro que deseja minha filha conhecer?
— Sou Gaspar e posso ser
feio, mas faço o que nenhum outro homem sabe fazer.
— O que seria isso, se é
que posso saber?
— Sei fazer mulheres atrás
de mim, correr.
— Só se for para em vossa
graça bater – comentou o conselheiro, rindo sem os dentes esconder.
— Chega de conversa fiada,
pois eu quero ver a coisa acontecer – bradou o rei, com sua voz alta de
estremecer – se o que dizes for verdade, faça com que Margarida com você se
case.
— Sou grato pela
oportunidade – agradeceu Gaspar, com sobriedade.
— Mais uma coisa: é bom
conquistar Margarida ainda nesta tarde. Caso contrário, sua cabeça e a do
conselheiro, irão para o balde – avisou, sua majestade.
— Que calamidade! –
cochichou o conselheiro, em sua pusilanimidade.
V
No quarto da princesa,
Gaspar entrou. E por um bom tempo, ali ficou. O rei, ansioso, esperou. O
conselheiro, medroso, rezou.
Ao sair do quarto, Gaspar
ao rei, falou:
— Boas novas, realeza! Por
incrível que pareça, eu não conquistei a princesa. Pode chamar o carrasco para
cortar as nossas cabeças.
— Por que escolhi este
desgraçado?! Que tristeza! – chorou o conselheiro, sem eira nem beira.
— Bem feito! – respondeu o
rei, em sua frieza. E para o poeta, disse, com delicadeza:
— Como deseja ter sua
cabeça decepada? Prefere machado, guilhotina ou espada?
— Só peço que corte minha
cabeça no pátio do castelo, mais nada.
VI
O carrasco foi chamado. O
conselheiro e Gaspar para o pátio levados. Trouxeram o machado. Gaspar colocou
a cabeça no tronco, sossegado. Por sua vez, o conselheiro fechou os olhos, aterrorizado.
No ar, o machado foi levantado. E neste momento, todos ouviram um brado:
— Não mate este homem,
carrasco! Não o mate, pois ele é o meu amado!
Todos olharam para o alto
e avistaram na janela da torre, a princesa Margarida, balançando os braços.
O rei, surpreso, perguntou
a berrar:
— Você não tinha recusado
o feio Gaspar?
— Pois eu mudei de idéia!
Quero junto dele, minha vida inteira, viver e passar.
A princesa veio para o
pátio correndo, sem um minuto passar. Tirou a cabeça do poeta do tronco e pediu
para o carrasco se afastar.
— Papai, chamai o padre!
Pois hoje mesmo, sua filha subirá no altar.
O rei, que não entendia
mais nada, achou por bem, não perder a jogada, e para seus servos, ordenou em
voz alta:
— Hoje minha filha vai se
casar de véu e grinalda! Preparem uma festa animada. Minha filha, enfim, vai se
casar, mesmo que seja com aquele cara.
VII
O conselheiro, muito
agradecido, perguntou a Gaspar, como conquistou a princesa, naquele desatino.
— É bem simples, meu
amigo! Afirmei à princesa que eu não era bonito, deste modo, eu nunca a
trairia, pois nenhuma moça iria querer ficar comigo. Disse também que eu não
era rico, que não poderia dar-lhe ouro, jóias ou sedosos vestidos, mas ofereci
a ela todo o amor do meu peito sofrido. Só que a princesa, não acreditou nisto.
Respondeu que eu estava mentindo e que eu não passava de um cretino. Falei pra
ela olhar o pátio do castelo, que eu iria provar do meu juízo, colocando a
minha própria vida, em risco.
— Isso foi muito lindo –
falou o conselheiro, rindo – e se por ventura ela não tivesse dado o grito, que
livrou nós dois daquele carrasco sinistro?
Gaspar olhou para o céu,
com seus olhos perdidos: — Uma vez, escutei falar do destino. Escutei que...
tudo nas estrelas, está escrito!
Batuta Ribeiro-escritor
Um simples contista do
interior de Minas.
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