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Anne Sexton e a poesia confessional: uma poeta “ignorada” no Brasil, que merece sua leitura [Amanda Leonardi]

Anne Sexton e a poesia confessional: uma poeta “ignorada” no Brasil, que merece sua leitura

 Artigo publicado Literatortura

Apesar de pouco conhecida no Brasil – seus poemas têm poucas traduções e seus livros são dificilmente encontrados nas livrarias do país – Anne Sexton foi uma grande poeta americana, que fez sucesso na época de suas publicações e continua a ser uma importante influência na poesia americana. Anne Gray Harvey (Sexton foi seu sobrenome de casada) nasceu em Newton, Massachusetts, em 9 de novembro de 1928 e, assim como muitos poetas, teve uma vida bastante conturbada.  Começando com sua vida familiar, que já era problemática, por seu pai ser alcoólatra. Durante toda a sua vida, a poeta sofreu com problemas de depressão, os quais se tornaram um dos maiores temas de sua obra.

Anne casou-se com Alfred Sexton II, o qual já era noivo quando a conheceu, então eles fugiram juntos e se casaram. Alfred entrou para o serviço militar na Coreia e depois trabalhou como caixeiro viajante na empresa do pai da esposa, e esta tornou-se modelo, pois era uma jovem bonita e extrovertida. Porém, as ausências do marido, devido ao trabalho de caixeiro, e o nascimento das filhas, levarem Anne a crises de depressão, incluindo depressão pós-parto. Tais crises conduziram a diversas tentativas de suicídio seguidas de hospitalizações. Até que a poeta começou a consultar-se com um médico chamado Martin Orne, que se tornou seu terapeuta e a encorajou a escrever poesia, como forma de terapia. Aí o motivo de seus poemas serem altamente confessionais.


Depois de se interessar por poesia, Anne Sexton, que nunca teve muito sucesso na escola devido a sua incapacidade de concentração, começou a frequentar a Universidade de Boston, onde foi aluna do poeta Robert Lowell – considerado o fundador da poesia confessional – e conheceu outros poetas como Sylvia Plath e George Starbuck. Anne e Sylvia ficaram amigas, e tinham o costume de sair para beber juntas, fato que é relatado em seu poema sobre a morte de Plath. Tendo, assim, o costume de beber, e devido a suas diversas crises de depressão, Anne desenvolveu um problema de alcoolismo, o qual se agravou com o seu divórcio, até que ela cometeu suicídio em 4 de outubro de 1974, trancando-se em sua garagem com o motor do carro ligado. Assim, Sexton morreu por intoxicação de monóxido de carbono, aos 45 anos, deixando parte de suas aflições e de seus pensamentos registrados em uma grande obra poética.

A obra de Sexton começou a ser publicada em 1960, com a antologia de poemas Quase Regressada da Casa dos Loucos (To Bedlam and Part Way Back), e teve sua última obra publicada em vida em 1974, The Death Notebooks (Os cadernos da Morte), publicada no ano de seu suicídio, além de outras publicadas após sua morte. A poeta já tentara o suicídio diversas vezes antes, inclusive, quando Plath se matou, Anne disse ao seu terapeuta que a amiga havia roubado a sua morte, pois ela queria ter se matado no lugar de Plath, e tal conversa deu origem ao seu poema sobre a morte de Sylvia. Portanto, o suicídio e a morte foram alguns dos maiores temas de sua obra.

Os poemas de Sexton são extremamente confessionais, e discursam sobre temas como os já mencionados acima: depressão, morte, suicídio, além de outros temas raramente citados em poesia naquela época, como sexo, aborto, menstruação, masturbação e adultério, sendo que alguns ainda hoje não são assuntos tão comuns de se ver em poemas. Sua obra teve grande impacto na época de sua publicação, sendo pouco lembrada depois de algum tempo. Porém, posteriormente, muitas feministas resgataram seus trabalhos, assim como os de Sylvia Plath, por tratarem de alguns assuntos femininos, apesar de as poetas nunca terem dito nada sobre ser feministas.
Seguem então alguns poemas de Anne, para os leitores que ainda não conhecem essa grande poeta terem uma chance de entrar em contato com a sua obra e, para aqueles que já a conhecem, a apreciarem mais uma vez:

PALAVRAS

Tem cuidado com as palavras
mesmo as milagrosas.
Pelas milagrosas nós fazemos o melhor possível,
por vezes são como uma multidão de insectos
que não nos deixa uma picada mas um beijo.
Podem ser tão boas como dedos.
Podem ser tão seguras como a rocha
onde te sentas.
Mas também podem ser ao mesmo tempo margaridas e [amachucadas.
Contudo, estou apaixonada pelas palavras.
São pombas que caem do tecto.
São seis laranjas santas pousadas no meu regaço.
São as árvores, as pernas do verão,
e o sol, seu impetuoso rosto.
No entanto, falham-me com frequência.
Eu tenho tantas coisas que quero dizer,
tantas histórias, imagens, provérbios, etc.
Mas as palavras não são suficientemente boas,
as erradas beijam-me.
Por vezes voo como uma águia
mas com as asas de uma carriça.
Mas tento ter cuidado
e ser amável com elas.
As palavras e os ovos devem manipular-se com cuidado.
Uma vez partidas há coisas
impossíveis de reparar.

Words

Be careful of words,
even the miraculous ones.
For the miraculous we do our best,
sometimes they swarm like insects
and leave not a sting but a kiss.
They can be as good as fingers.
They can be as trusty as the rock
you stick your bottom on.
But they can be both daisies and bruises.
Yet I am in love with words.
They are doves falling out of the ceiling.
They are six holy oranges sitting in my lap.
They are the trees, the legs of summer,
and the sun, its passionate face.
Yet often they fail me.
I have so much I want to say,
so many stories, images, proverbs, etc.
But the words aren’t good enough,
the wrong ones kiss me.
Sometimes I fly like an eagle
but with the wings of a wren.
But I try to take care
and be gentle to them.
Words and eggs must be handled with care.
Once broken they are impossible
things to repair.

QUANDO O HOMEM ENTRA NA MULHER

Quando o homem
entra na mulher,
como a onda batendo contra a costa,
de novo e de novo,
e a mulher abre a boca com prazer
e os seus dentes brilham
como o alfabeto,
Logos aparece ordenhando uma estrela,
e o homem
dentro da mulher
ata um nó
de modo que nunca
possam voltar a separar-se
e a mulher
sobe a uma flor
e engole o seu caule
e Logos aparece
e solta seus rios.
Este homem,
esta mulher,
com a sua dupla fome,
tentaram atravessar
a cortina de Deus,
e por um instante conseguiram,
ainda que Deus
na Sua perversidade
desate o nó.

When Man Enters Woman

When man
enters woman,
like the surf biting the shore,
again and again,
and the woman opens her mouth in pleasure
and her teeth gleam
like the alphabet,
Logos appears milking a star,
and the man
inside of woman
ties a knot
so that they will
never again be separate
and the woman
climbs into a flower
and swallows its stem
and Logos appears
and unleashed their rivers.
This man,
this woman
with their double hunger,
have tried to reach through
the curtain of God
and briefly they have,
though God
in His perversity
unties the knot.

BALADA DA MASTURBADORA SOLITÁRIA

O final de um caso é sempre a morte.
Ela é a minha oficina. Olho escorregadio,
fora da tribo de mim mesma o meu fôlego
encontra-te ausente. Escandalizo
os que estão presentes. Estou saciada.
De noite, só, caso-me com a cama.
Dedo a dedo, agora é minha.
Ela não está demasiado longe. Ela é o meu encontro.
Toco-a como um sino. Reclino-me
no caramanchão onde costumavas montá-la.
Possuíste-me na colcha florida.
À noite, só, caso-me com a cama.
Toma por exemplo esta noite, meu amor,
em que cada casal mistura
com uma reviravolta conjunta, para baixo, para cima,
o dois abundante sobre esponja e pena,
ajoelhando-se e empurrando, cabeça contra cabeça.
De noite, só, caso-me com a cama.
Desta forma escapo do meu corpo,
um milagre irritante. Podia eu
colocar o mercado dos sonhos em exibição?
Espalho-me. Crucifico.
Minha pequena ameixa, dizias tu.
Á noite, só, caso-me com a cama.
Então chegou a minha rival de olhos escuros.
A dama de água, erguendo-se na praia,
um piano nas pontas dos dedos, vergonha
nos seus lábios e uma voz de flauta.
Entretanto, passei a ser a vassoura usada.
Á noite, só, caso-me com a cama.
Ela agarrou-te como uma mulher agarra
um vestido de saldo de uma estante
e eu parti da mesma forma que uma pedra parte.
Devolvo-te os teus livros e a tua cana de pesca.
No jornal de hoje dizem que és casado.
Á noite, só, caso-me com a cama.
Rapazes e raparigas são um esta noite.
Desabotoam blusas. Abrem fechos.
Descalçam sapatos. Apagam a luz.
As criaturas bruxuleantes estão cheias de mentiras.
Comem-se uns aos outros. Estão repletos.
Á noite, só, caso-me com a cama.

THE BALLAD OF THE LONELY MASTURBATOR

The end of the affair is always death.
She’s my workshop. Slippery eye,
out of the tribe of myself my breath
finds you gone. I horrify
those who stand by. I am fed.
At night, alone, I marry the bed.
Finger to finger, now she’s mine.
She’s not too far. She’s my encounter.
I beat her like a bell. I recline
in the bower where you used to mount her.
You borrowed me on the flowered spread.
At night, alone, I marry the bed.
Take for instance this night, my love,
that every single couple puts together
with a joint overturning, beneath, above,
the abundant two on sponge and feather,
kneeling and pushing, head to head.
At night alone, I marry the bed.
I break out of my body this way,
an annoying miracle. Could I
put the dream market on display?
I am spread out. I crucify.
My little plum is what you said.
At night, alone, I marry the bed.
Then my black-eyed rival came.
The lady of water, rising on the beach,
a piano at her fingertips, shame
on her lips and a flute’s speech.
And I was the knock-kneed broom instead.
At night, alone, I marry the bed.
She took you the way a woman takes
a bargain dress off the rack
and I broke the way a stone breaks.
I give back your books and fishing tack.
Today’s paper says that you are wed.
At night, alone, I marry the bed.
The boys and girls are one tonight.
They unbutton blouses. They unzip flies.
They take off shoes. They turn off the light.
The glimmering creatures are full of lies.
They are eating each other. They are overfed.
At night, alone, I marry the bed.

Sylvia’s Death 

for Sylvia Plath
O Sylvia, Sylvia,
with a dead box of stones and spoons,
with two children, two meteors
wandering loose in a tiny playroom,
with your mouth into the sheet,
into the roofbeam, into the dumb prayer,
(Sylvia, Sylvia
where did you go
after you wrote me
from Devonshire
about rasing potatoes
and keeping bees?)
what did you stand by,
just how did you lie down into?
Thief –
how did you crawl into,
crawl down alone
into the death I wanted so badly and for so long,
the death we said we both outgrew,
the one we wore on our skinny breasts,
the one we talked of so often each time
we downed three extra dry martinis in Boston,
the death that talked of analysts and cures,
the death that talked like brides with plots,
the death we drank to,
the motives and the quiet deed?
(In Boston
the dying
ride in cabs,
yes death again,
that ride home
with our boy.)
O Sylvia, I remember the sleepy drummer
who beat on our eyes with an old story,
how we wanted to let him come
like a sadist or a New York fairy
to do his job,
a necessity, a window in a wall or a crib,
and since that time he waited
under our heart, our cupboard,
and I see now that we store him up
year after year, old suicides
and I know at the news of your death
a terrible taste for it, like salt,
(And me,
me too.
And now, Sylvia,
you again
with death again,
that ride home
with our boy.)
And I say only
with my arms stretched out into that stone place,
what is your death
but an old belonging,
a mole that fell out
of one of your poems?
(O friend,
while the moon’s bad,
and the king’s gone,
and the queen’s at her wit’s end
the bar fly ought to sing!)
O tiny mother,
you too!
O funny duchess!
O blonde thing!
Wanting to Die
Since you ask, most days I cannot remember.
I walk in my clothing, unmarked by that voyage.
Then the most unnameable lust returns.
Even then I have nothing against life.
I know well the grass blades you mention
the furniture you have placed under the sun.
But suicides have a special language.
Like carpenters they want to know which tools.
They never ask why build.
Twice I have so simply declared myself
have possessed the enemy, eaten the enemy,
have taken on his craft, his magic.
In this way, heavy and thoughtful,
warmer than oil or water,
I have rested, drooling at the mouth-hole.
I did not think of my body at needle point.
Even the cornea and the leftover urine were gone.
Suicides have already betrayed the body.
Still-born, they don’t always die,
but dazzled, they can’t forget a drug so sweet
that even children would look on and smile.
To thrust all that life under your tongue! –
that, all by itself, becomes a passion.
Death’s a sad bone; bruised, you’d say,
and yet she waits for me, year and year,
to so delicately undo an old would,
to empty my breath from its bad prison.
Balanced there, suicides sometimes meet,
raging at the fruit, a pumped-up moon,
leaving the bread they mistook for a kiss,
leaving the page of a book carelessly open,
something unsaid, the phone off the hook
and the look, whatever it was, an infection.

Querendo Morrer

Já que pergunta, na maioria dos dias não consigo lembrar.
Ando nas minhas roupas, sem marcas daquela viagem.
Então o desejo quase inominável retorna.
Ainda então não tenho nada contra a vida.
Conheço bem as lâminas da grama que menciona,
a mobília que colocou sob o sol.
Mas suicídios possuem uma línguagem especial.
Tal qual um carpinteiro, querem saber com quais ferramentas.
Jamais perguntam por que construir.
Por duas vezes já me declarei de forma tão simples,
possuí o inimigo, devorei o inimigo,
fiz minha a sua vocação, a sua magia.
Dessa maneira, pesada e pensativa,
mais quente que o óleo ou a água,
descansei, salivando pelo buraco da boca.
Não pensei no meu corpo em ponta de agulha.
Até a córnea e o resto da urina se foram.
Os suicídios já trairam o corpo.
Recém-nascidos, nem sempre morrem,
mas confusos, não conseguem esquecer de uma droga tão doce
que até crianças sorririam ao vê-la.
Enfiar aquela vida toda em baixo da língua!—
isso, por sí só, se torna uma paixão.
A morte é um osso triste; machucado, diria,
mas que ainda assim me espera, ano após ano,
para desfazer com cuidado um antigo ferimento,
a esvaziar meu sopro de sua prisão cruel.
Equilibrados ali, os suicídios as vezes se encontram,
se enfurecendo com o fruto, uma lua alterada,
deixando o pão que confundiram com um beijo,
deixando a página do livro aberta de qualquer maneira,
algo não-dito, o telefone fora do gancho
e o amor, seja lá o que tenha sido, uma infecção.


Amanda Leonardi estudante de Letras da UFRGS, fã de Shakespeare desde criança, fanática por Poe, poesia e por literatura clássica e de terror em geral, e também por filmes de terror. Ainda quer escrever um livro, quando seus alter-egos literários concordarem sobre o que escrever primeiro, e até então continua procrastinando, porque foi isso que Hamlet fez até o final da peça.

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