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95 [Cláudio Portella]



95

Por Cláudio Portella
 
Vou contar a história que um amigo escritor me contou quando lhe perguntei por que ele havia se tornado escritor: “um empresário foi sequestrado e mantiveram-no num poço, a polícia invadiu o cativeiro, os sequestradores fugiram, mas os policiais não encontraram o sequestrado, que permaneceu no fundo do poço por dez dias. Ele passou a beber sua urina e a comer suas próprias fezes. Nos primeiros dias, comia as fezes com muito esforço, entre vômitos. Foi se acostumando com ela, passando a gostar. Depois, já esperava ansioso por ela. Nos últimos dias, desejava as próprias fezes”.

Meu amigo escritor, explicando a analogia entre o empresário sequestrado e ele, diz que assim como o empresário que não tinha opção, que precisava comer as próprias fezes, aprender a comê-las, ansiar por elas e depois desejá-las. Ele não havia tido escolha também. Se tornara escritor por não ter tido opção. Ele também precisou comer a si mesmo, defecar a si próprio, aprender a lidar com seu ofício, passar a ansiar por ele e depois desejá-lo. Segundo ele, a história ilustra também o substrato com que o escritor trabalha, que é com o seu próprio mundo interior, seu âmago, num ciclo de ingestão e digestão.

Muito bonita e elucidativa a história. Sobretudo para quem é escritor. O que não se aplica ao meu caso. Sou apenas o narrador. Uma pessoa extremamente banal, com dois diplomas superiores, mas, inferior a todas as demais personagens de Maresia, a história que narro. Como eu gostaria de ser escritor. Ter coragem de comer meus excrementos. O máximo que consigo é dar tchauzinho pra ele quando vai descendo descarga abaixo. Sou apenas o narrador.

CAPÍTULO DO ROMANCE "MARESIA DO ROCK", DE CLÁUDIO PORTELLA




CLÁUDIO PORTELLA (Fortaleza, 1972) é escritor, poeta, crítico literário e jornalista cultural. Autor dos livros Bingo! (2003), Melhores Poemas Patativa do Assaré (2006; 1ª reimpressão, 2011; Edição em eBook, 2013), Crack (2009), fodaleza.com (2009), As Vísceras (2010), Cego Aderaldo (2010), o livro dos epigramas & outros poemas (2011) e Net (2011). Colabora nas mais importantes publicações do Brasil e do exterior. Ganhou o concurso de conto da UBENY - União Brasileira de Escritores em Nova York.

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