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Sim Senhora! [Jean Marcel]

Sim Senhora!

Na maioria das vezes em que o Afonso se desentendia com a Clotilde, era pelo fato de ela ser muito autoritária. Dizem os amigos que até um boneco de pebolim tem mais autonomia do que ele. Se deixasse, absolutamente tudo em casa teria a forma e o jeito que a esposa determinava. O pior é que ele deixava! Das crianças à empregada, passando pelo cachorrinho maltês da sua filha, todos aguardavam as orientações da Clotilde, mesmo que o Afonso já as tivesse transmitido detalhadamente. Quando alguma ordem era dada por ele aos filhos, os pequenos olhinhos automaticamente se viravam procurando o aval da mãe, que deveria aprovar a recomendação paterna com um balançar de cabeça para que fosse levada a sério. Ele tinha um pouco de culpa, é verdade. Sempre foi inseguro, do tipo que nunca sabe se trancou a porta do carro. Portanto, não é de admirar que se tenha deixado dominar pela personalidade forte da amada. É bem verdade que quando casou com a Clotilde ela ainda não tinha essa postura de coronel, talvez de cabo ou sargento... Mas com o passar dos anos foi sendo promovida sem que ele se desse conta! Assim, aos poucos foi desaprendendo de ter opinião própria. Se estivesse num restaurante e desejasse provar um prato novo, perguntava imediatamente para a esposa:

– Clotilde, eu vou gostar desse pastelão de brócolis? – Se a resposta fosse negativa, nem se servia da iguaria.

Comprar roupa seguia o mesmo ritual, já que ele já não sabia mais nem o tamanho certo das suas calças.

– Que tamanho o senhor veste?

– 42 – inseguro, diz o Afonso.

– Para calça jeans tem de ser 44 – remenda a Clotilde, já escolhendo o modelo na pilha certa. A experiência invariavelmente termina com o Afonso aguardando pacientemente no provador o veredicto da esposa, que se posta diante dele com olhar de avaliação.

De vez em quando ele se rebelava, mas como fazia muito tempo que não ousava comprar sozinho nada para si, em tais circunstâncias suas aquisições acabavam mesmo sendo despropositadas, o que reforçava a tese de que sem a esposa não sobreviveria um dia sequer.

Assim, da troca do carro à compra de uma nova televisão, tudo na vida do casal tinha sido decidido pela Clotilde. Mas aquela noite seria diferente. Ele estava empenhado em comandar o jantar que combinaram e a Clotilde estava disposta a colaborar.

– Que tal irmos hoje à Trattoria do Giuseppe, amor? – Ele se arrumando no quarto.

– Ah, paixão, comida italiana, hoje? – devolveu a pergunta a Clotilde, enquanto se maquiava em frente ao espelho do banheiro.

– Uhm! Então aonde você quer ir, Clô? – já desconfiado.

– Qualquer lugar, more...

– Que tal uma ostrinha no Pereira? – diz o Afonso enquanto procura a chave do carro.

– Ah, gatinho. Vou ficar cheirando a ostra? Estou toda arrumada.

– Mmm! Tá certo, é verdade. Onde, então?

– Qualquer lugar está bom pra mim – diz a Clotilde já pegando a bolsa – Hoje é você que manda!

– Vamos no Sushi do Katayama, na Av. Brasil? – Os dois no carro, ele dirigindo sem saber para onde.

– Shushi??? Se cair um molho shoyo no meu vestido novo eu me suicido. E depois, a gente vai ficar arrotando peixe cru por dias...

– É verdade, princesa! Aonde você quer ir então?

– Aonde você quiser, Afonso. Você é que sabe!

O Afonso na verdade está quase entregando os pontos, pensa... pensa... Sobrou algum restaurante num raio de 80 km?

– Já sei, Clotilde. Que tal o Bartolo’s?

– Boa ideia, “mor”. Eu achei que você quisesse mesmo me levar lá e até já reservei uma mesa. Sabe como o Bartolo’s fica lotado às sextas...


*   *   *   *   *
– O senhor já pediu? – indaga o garçom para um pensativo Afonso que examina o cardápio.

– Que tal um filé a quatro queijos, Clô? – arriscando uma indicação.

– Ahhhh, quatro queijos não, amor!

– Então o que você quer, Clotilde?

– Qualquer coisa, paixão. Hoje é você que escolhe...


Jean Marcel- Escritor, professor universitário, palestrante. É pai de dois adolescentes. Um leitor voraz. Eclético, escreve contos, crônicas, romances e infanto-juvenil. Possui o blog brisaliteraria.com

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