Sobre
protestos, redes sociais, novas e velhas mídias e a nada mole vida dos
jornalistas
Participei, na edição mais recente do youPIX Rio, de um
debate sobre a influência que redes sociais, mídias alternativas e a chamada
mídia tradicional tiveram na construção da opinião e na disseminação de
informações sobre os protestos que tomam conta das ruas do Brasil desde junho.
A conversa, moderada por David Butter, acabou se tornando um embate acalorado,
protagonizado por Rafucko (videomaker e ativista que chegou a ser preso durante
manifestação de rua em julho), Pedro Dória (editor executivo do jornal O Globo)
e Filipe Peçanha (repórter da Mídia Ninja).
http://www.youtube.com/watch?v=i7WVIJERmmo
O painel, que começou discutindo a adoção de novas
tecnologias na cobertura das manifestações, tomou rumos mais quentes a partir
do momento em que Rafucko – após uma fala com tom professoral na qual Dória
buscou diferenciar o jornalismo profissional da cobertura feita pela mídia
independente, chamada de “jornalismo engajado” – exibiu a polêmica edição de 17de outubro do jornal O Globo, estampando os rostos de três manifestantes presos
pela PM carioca, adjetivados de “vândalos”. A partir dessa intervenção, os
ânimos ficaram exaltados. E a plateia do youPIX, também agindo de forma
passional, nitidamente passou a se manifestar contra o “representante do
establishment” no debate.
O debate, espelhando a dinâmica das discussões de
Twitter, que no calor do momento são movidas à base de paixão e falta de
distanciamento crítico, por vezes saiu das raias. Não posso concordar, por
exemplo, com a afirmação do Filipe de que manifestantes possuem “legitimidade”
para expulsar jornalistas durante os protestos nas ruas. O que aconteceu, por
exemplo, com Caco Barcellos durante gravações do Profissão Repórter que cobriu
os protestos nas ruas de São Paulo, foi inaceitável, em uma reação irracional
de uma multidão que só atentou para o microfone da Globo, ignorando o histórico
profissional de um autor de obras como Rota 66, na qual denunciou a ação de
matadores da ROTA da PM de SP. A esses exaltados, recomendo a leitura de uma entrevista com Caco que, diga-se de passagem, foi feita por Bruno Torturra, um
dos idealizadores da Mídia Ninja.
Outro momento mais animado ocorreu quando Rafucko
afirmou que vivemos em um regime autoritário. Rodrigo de Almeida, diretor de
jornalismo do portal iG, discordou e fez um contraponto: “Me surpreendem essas
palavras de que vivemos em um país autoritário. O que há no Brasil é uma
democracia. É até um paradoxo isso de viver em um regime autoritário ou não
porque nunca se viveu tamanha liberdade de opinião, de difusão da informação e
de diversificação da produção.” Ok. De fato, estamos num regime democrático.
Porém, quando há pessoas que são torturadas até a morte (vide o caso Amarildo,
uma exceção em meio a tantas outras histórias que sequer chegam aos holofotes
midiáticos), não tenho como não respeitar a ressalva feita pelo Rafucko. Além disso,
a tão propagada pulverização da propagação de opiniões e meios de informação
esbarra em fatores como os filtros-bolha, as mudanças nos algoritmos do Google
e as limitações na visualização de posts do Facebook a quem não compra anúncios
na plataforma. E mostram que, embora tenhamos mais meios de expressão, o
controle da comunicação permanece sob o jogo de poucas e grandes corporações.
De qualquer modo, o saldo do debate no youPIX foi
amplamente positivo. Divergências à parte, foi gratificante participar de um
bate-papo que levantou questões relevantes discutidas em alto nível. A
participação de Rafucko, (ir)responsável por um canal fundamental no YouTube,
foi admirável. E, digam o que disserem de Pedro Dória, o fato é que ele deu a
cara para bater e teve coragem ao representar um grupo de comunicação
desproporcionalmente vilanizado pelas redes sociais. Ainda é muito cedo para
chegarmos a alguma conclusão sobre todas as movimentações catalisadas por uma história que está apenas começando, mas não hesito em afirmar que vivemos
tempos privilegiados de uma era na qual transições são a única constante.
* * *
P.S. 1: Sobre as mudanças no jornalismo, recomendo duas
leituras: O que podemos fazer para salvar o jornalismo, de Pedro Burgos, e
Precisamos falar sobre modelo de negócios (para salvar o jornalismo), de Fred
Di Giacomo.
P.S. 2: A vida não está mesmo fácil para os
coleguinhas. Como se não bastassem os constantes passaralhos, durma-se com esse
barulho: “Agressões a jornalistas cresceram 166% nos últimos 12 meses, aponta Abert”.
Alexandre Inagaki é jornalista, consultor de projetos
de comunicação digital, japaraguaio, cínico cênico, poeta bissexto, air
drummer, fã de Cortázar, Cabral, Mizoguchi, Gaiman e Hitchcock, torcedor do
Guarani Futebol Clube, leonino e futuro fundador do Clube dos Procrastinadores
Anônimos, não necessariamente nesta ordem.
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