Vontades-incompletas
Naquele dia ela percebeu o quanto se pode existir
distâncias entre as pessoas que estão tão próximas. E percebeu o perigo que há
nos abismos que podem se formar entre as pessoas que se querem bem e se deixam
perder pelo caminho.
Sem querer enxergou um pouco além do que estava
acostumada e notou que as pessoas possuem cortinas ao redor de si mesmas. Essas
cortinas escondem os quereres, os medos, algumas alegrias, aquilo que as deixam
vulneráveis. Talvez fosse só proteção, mas ela preferiu chamar de
vontade-incompleta.
Para ela, naquele dia, ficou claro que todos temos
vontades-incompletas. E elas mostram muito de nós. Mostram aquela coisa que não
queremos que ninguém veja, já que podem refletir a nossa inquietude, a falta de
coragem, a falha, a insegurança ou os excessos, as extravagâncias e viver
nesses limites é arriscado. De súbito ela lembrou da busca do equilíbrio que
todos tentamos fazer, inclusive ela mesma.
Refletiu sobre esse manto que nos cobre, que usamos
para disfarças as nossas torturas interiores, os nossos planos não acabados ou
as nossas vontades-incompletas, que não tiveram tanta força para serem
realizadas ou tiveram força demais e perderam a medida.
Era fácil agora enxergar os farrapos de seus próprios
planos. As leves insinuações do que era-pra-ter-sido-e-não-foi. Conseguia ver
até onde estendera o seu braço e espichara os dedos para alcançar coisas que
não lhe cabiam nas mãos e que caíram. E outras tantas coisas que sequer ousou
tocar pela distância.
E se há a distância entre as pessoas e seus sonhos e
elas se valem de coberturas mais ou menos finas para se protegerem, essas
mesmas pessoas se distanciam. Privam o outro de conhecerem-nas melhor, de poder
compartilhar as situações, de contribuir para que a vida seja mais leve, de ser
mais uma mão a reger os dias.
Teimamos em ser sós, só pó, nó. Teimamos em dar
braçadas num infinito que nos cansa. Parece que no fim, gostamos mesmo é de
remar contra a corrente sozinhos. De dar murros em ponta de faca para colhermos
nossas gotas de sangue nas taças de nossa egocentricidade. Gostamos de dar
passos ciganos, sem rumo, perder o tino, flertar com a nostalgia, com a dúvida,
com a angústia. Gostamos de ter vontades-incompletas andarilhas em nosso peito
e de tentar ocultá-las com cortinas que tecemos com sorrisos amarelos,
cumprimentos protocolares e uma vidinha comum, dessas de ver a banda passar.
Aquele era um dia onde ela percebeu-se mais incompleta
do que todos os outros dias. Mais oca do que antes. Com o peito pronto a ser escancarado
a qualquer parte. Aquele era o dia em que ela percebeu as suas cortinas e
desejou rasgá-las. Aquele era um dia no qual ela desejou construir pontes para
unir os abismos criados, solidificar sonhos líquidos e vontades etéreas.
Dy Eiterer.
Juiz de Fora, Minas Gerais, Brasil. Edylane é Edylane desde 20 de
novembro de 1984. Não ia ter esse nome, mas sua mãe, na última hora,
escreveu desse jeito, com "y", e disse que assim seria. Foi feito. Essa
mocinha que ama História, música e poesia hoje tem um príncipe só seu,
seu filho Heitor. Ela canta o dia todo, gosta de dançar - dança do
ventre - e escreve pra aliviar a alma. Ama a vida e não gosta de nada
morno, porque a vida deve ser intensa. Site:Dy Vagando
Assinar:
Postar comentários
(
Atom
)
Nenhum comentário
Postar um comentário