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Luiz Ruffato fala de filmes, Frankfurt e biografias [Rodrigo Fonseca]

Luiz Ruffato fala de filmes, Frankfurt e biografias



Recém-chegado da Alemanha, onde passou 32 dias discutindo a literatura brasileira, o autor mineiro vai agora para o cinema, e em dose dupla
Recém-chegado da Alemanha, onde passou 32 dias discutindo a literatura brasileira, com direito a um polêmico discurso sobre exclusão na Feira de Frankfurt, o mineiro Luiz Ruffato, um dos autores mais destacados de sua geração, vai agora para o cinema, e em dose dupla. Dois longas levarão sua obra às telas: “Estive em Lisboa e lembrei de você”, dirigido pelo português José Barahona, e “Cataguases”, de José Luiz Villamarim. Nesta entrevista por telefone, Ruffato, 52 anos, fala de filmes, Frankfurt e biografias.

Antes restrita a curtas, sua obra agora vai inspirar dois longas-metragens. O que o cinema pode revelar sobre o seu trabalho e de que maneira você pretende participar desses projetos?

Embora admire a linguagem do cinema por ela ser capaz de abranger várias outras, eu não acho que ele possa mudar a minha experiência literária. O que ele pode é me trazer novos leitores, para esses dois livros e para os outros que tenho. Quanto a participar de um filme, eu não participo de nada, porque morro de medo de fazer cinema. Não tenho conhecimento técnico para isso. Não sei escrever roteiro e teria que parar a vida e começar a estudar para produzir um, se quisesse, mas não quero. Estou no meio de um novo romance, “Flores artificiais”, para sair no primeiro semestre de 2014. Mesmo assim, sem querer contato direto, eu acho que o cinema brasileiro está em um momento maduro
.
Onde aparece essa maturidade?

Penso isso poque o cinema nacional está se estabelecendo como uma indústria. Se ela não existisse, jamais teríamos dois polos de produção funcionando: um cinema autoral como o do Beto Brant de um lado e, do outro, as comédias da Globo Filmes, que podem ter também qualidade. Além do Beto, gosto do Karim Aïnouz, da Tata Amaral, do Marcelo Gomes. E acho que o cinema, assim como as artes plásticas, o teatro e a literatura, faz hoje um esforço de mapear as diferentes formas de representação do Brasil. As artes hoje estão atentas ao fato de que estamos passando por um momento de crise de identidade, que vem justamente da experiência da democracia.

Que crise é essa e como ela alimenta a arte nacional?

Estamos vivendo um período democrático há 28 anos. É muito pouco tempo. Mas, de qualquer forma, é o período mais amplo de democracia que já vivemos desde a proclamação da República. Nunca as pessoas puderam lidar com as diferenças no modo de pensar de forma tão direta. Ao mesmo tempo, vivemos uma contradição política: temos um único partido no poder sem oposição forte, um partido de esquerda, que é o PT e tudo aquilo que ele representa. Democracia exige divergência. Acho que essa contradição está sendo refletida nas artes.

Mas em seu discurso na Feira de Frankfurt você sugeriu que essa euforia democrática da arte brasileira, em especial na literatura, é relativa, pela presença minoritária de autores negros, de vozes gays e de expressões da periferia. O curioso é que o cinema feito nos últimos dez anos se orgulha do contrário: de ter incluído a periferia. Existiria aí uma diferença entre o audiovisual e a literatura no quesito inclusão social?

Não, porque a literatura também tem feito seus movimentos para integrar a periferia, dando vez à chamada “literatura marginal”, termo do qual eu não gosto, por sugerir falta de oficialidade ao que é produzido à margem dos processos convencionais da literatura. Há uma produção literária vindo das periferias que está crescendo e se expressando sem a mediação de um olhar de centro. Mas ainda há um problema: o quanto de tudo isso que a periferia produz consegue sair do mero posicionamento político, da importância da livre expressão, e dar um passo adiante, estabelecendo-se como arte para além das discussões simbólicas de exclusão? Essa ainda é a questão. Neste país onde educação ainda é um privilégio e não um direito, a literatura ainda necessita que aquele que a produz seja muito bem alfabetizado. E quem nasce em um ambiente operário pobre, por exemplo, e, pela chance de alcançar boa alfabetização, consegue chegar à literatura, em geral tenta se esquecer de onde veio e falar de outros universos.

Mas você, filho de uma lavadeira e de um pipoqueiro, não se esqueceu de onde veio, e fala de sua classe em livros como os que o cinema adapta agora. Aliás, pensando pela lógica do seu discuso em Frankfurt, você acredita que o cinema brasileiro hoje contempla a multidão de lavadeiras, pipoqueiros e operários que compõem o país?

O cinema no Brasil ou fala de classe média, classe média alta ou de marginalizados. A marginalidade tem glamour; a vida operária, não. Existem até grandes filmes que pensaram em outras camadas, mesmo a do operariado, como “Eles não usam black-tie”, do Leon Hirszman, e “A queda”, do Ruy Guerra e do Nelson Xavier, que falaram do sindicalismo, e mesmo “A hora da estrela”, da Suzana Amaral, em seu olhar sobre os pobres. Mas como, em geral, o cinema brasileiro busca referências em nossa literatura, ele compartilha das contradições dela.

Neste momento, a grande polêmica do meio literário é a questão das biografias, vide as discussões em prol da preservação da intimidade versus liberdade de expressão. Como você se posiciona, sobretudo porque “Estive em Lisboa...” é, em parte, um exercício biográfico?

Quando você fala que uma determinada pessoa é “um homem público”, ele tem esse rótulo porque buscou para si algum tipo de publicidade, e esta tem seus ganhos e suas perdas. Ser público é não ter mais controle de sua privacidade. Se alguém quiser fazer a minha biografia, eu não tenho o direito de impedir, porque ela é uma consequência da publicidade que alcancei. Mas existe uma legislação no Brasil que protege qualquer cidadão de calúnia ou difamação. Basta recorrer a ela. Coisa que nenhum biógrafo quer. Nenhum biógrafo quer caluniar seu biografado. Ele só quer contar uma história. E a história de vida das pessoas, de qualquer pessoa, é como a história de um país: ela tem coisas boas e coisas ruins.

De que fala seu novo livro, “Flores artificiais”?

O que mata um escritor é o conforto. Decidi sair do conforto de falar sempre dos pobres, dos operários e discutir minhas questões de sempre, o deslocamento e o pertencimento, pela psicanálise. É a história de um engenheiro de Rodeiro (Minas Gerais) que, após passar a virada do milênio sozinho, no Rio, na Rua Paissandu, no Flamengo, resolve procurar a ajuda de uma psicanalista. Mas, no divã, ele não consegue falar de si, só de histórias de outros. Devo terminá-lo para 2014, quando relanço um livro antigo, de 2007, que quase ninguém leu, pois foi editado como romance juvenil, direto para escola: “De mim já nem se lembra”. E sigo pensando sobre o país.

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