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Que tal um rolezinho na biblioteca? [Eberth Vêncio]

Que tal um rolezinho na biblioteca?


“Não vejo nada de divertido em caminhar dentro de um prédio gelado a olhar vitrines, comprar camisas 100% algodão a quatrocentos paus cada uma e incrementar a pontuação no cartão de crédito."

Eberth Vêncio
Especial para o Jornal Opção

Não sei a quantas andam as coisas aí na sua cidade, mas, por aqui, meu chapa, os filmes do Quentin Tarantino até pareceriam lorotas da Galinha Pintadinha: neguinho tá pitando crack, bordando e matando só pra ver o tombo. Nos dizeres dos malas, tá tudo dominado.

Antes que os chatos de plantão me acusem de branquelo preconceituoso por eu ter utilizado o termo “neguinho” no sentido pejorativo, aviso logo que não sou segurança de shopping center pra ficar apartando gente de acordo com o grau de melanina na carcaça, não.


O único preconceito que eu possuo — e eu prometo não melhorar, mamãe — é musical: eu simplesmente não tolero música ruim com letras sensualizadas, daquelas de se rebolar até o chão. Prefiro ficar de cócoras só para evacuar e pensar na vida. Estou sendo grosseiro, senhora? Grosso mesmo é o calibre das armas que os criminosos andam enfiando na boca da gente hoje em dia.
A onda agora são os rolezinhos de adolescentes nos centros comerciais das grandes cidades. Valendo-se das redes sociais, a molecada se mobiliza para passeios em massa pelos shoppings centers, a fim de se divertirem. Não vejo nada de divertido em caminhar dentro de um prédio gelado a olhar vitrines, comprar camisas 100% algodão a quatrocentos paus cada uma e incrementar a pontuação no cartão de crédito, no SPC e no SERASA.

Usado, mas em bom estado de conservação, eu estou 100% convicto que nos meus idos tempos de juventude a gente se divertia muito mais ao correr atrás de uma bola na rua de casa ou dançar de rostinho colado com as garotas nas festinhas das debutantes. Como diria um cirurgião plástico no auge da droga da sua carreira: nada será como antes.

A polêmica a respeito dos rolezinhos é grande e — quando ninguém está ocupado demais curtindo a própria fanpage — tem dominado as resenhas Brasil afora. Há quem enxergue nas ações destemperadas dos administradores, dos seguranças e da PM, preconceito e racismo, principalmente quando os centros comerciais estipulam uma espécie de triagem para decidir quem pode ou quem não pode adentrar o estabelecimento.

Na fazenda do meu finado avô Jarico era assim também: municiados com longas varas de ferrão, os vaqueiros eram brutos exímios na apartação do gado, separando os bezerros bons dos bezerros pesteados. Esses últimos não valiam nem o leite que mamavam, então eram condenados a morrerem de fome. Em matéria de crueldade, sempre fomos hors-concours. O que tinha de vaqueiro fascista nos campos de concentração durante o holocausto foi uma verdadeira farra do boi.

Os lojistas, as dondocas e seus shih-tzus, por outro lado, temem atos de vandalismo, saques ou que os visitantes da ralé (terminologia muito utilizada pela elite dominante) comecem a dançar ali mesmo, entre as fontes luminosas, um funk da periferia, de péssima qualidade. Como eu não gosto de shopping, não gosto do funk fuleiro que toca nas rádios (mas que faz um enorme sucesso entre os ignóbeis ouvintes), não gosto de gastar dinheiro, não gosto das dondocas (aliás, neste boçal contexto, elas são as que menos me satisfazem) e não gosto de cachorrinhos que possuam shampoos melhores do que os meus, eu fico bem à vontade para declarar que este tema pouco me aflige.

Prefiro mais compartilhar o drama da passadeira de roupas que trabalha lá em casa. “O que é que a gente faz quando descobre que um filho tá roubando, doutor?”, ela me pergunta, chorosa e aflita. Ela conta que o pirralho de 13 anos foi um daqueles guris em quem a polícia desceu o sarrafo e prendeu no meio da algazarra ocorrida num dos shoppings mais pomposos da cidade, aquele castelo de lojas chiques que anda cobrando estacionamento por minuto estacionado, atitude antipática que tem causado enorme indignação nos consumidores pés de chinelo (terminologia muito utilizada pelo pessoal do marketing desses shoppings de rico) que bradam nas redes sociais.

Pego de surpresa, fora de ação, eu não sabia exatamente o que dizer a Dona Maria da Piedade. Que Deus tivesse piedade de todos nós? Não. Dona Maria, apesar de muito religiosa, temente a Deus e mais temente ainda a Polícia Militar, carecia de respostas mais objetivas, imediatas. Não sei se é porque eu tenho um semblante apalermado supostamente confiável (mal sabe a pobre coitada da minha cara de predador nu em exercício dentro das quatro paredes) ou se é porque pagava bem por cada mala de roupa passada, mas Dona Maria da Piedade sempre confiava mais do que o recomendável nos meus auspícios.

E como, de fato, eu não fazia (e ainda não faço) a menor ideia de como colocar nos trilhos um adolescente desembestado que resolve debandar para o errado, arrisquei “Dona Maria, a senhora faça qualquer coisa, menos bater no seu filho” (ela contou que chegaria em casa mais tarde e moeria de pancadas o moleque).

“A senhora utilize de todos os tipos de aconselhamentos persuasivos: chame o pai do menino (se ele um dia possuiu algum), o padre (desde que ele não seja pedófilo), o pastor (desde que ele não seja um estelionatário com oratória perfeita), os amigos (desde que eles não estejam noiados), o professor da escola pública (desde que ele não esteja em greve) ou um escritor de crônicas super criativo (desde que ele não esteja possuído pelo demônio da literatura de autoajuda caça-níqueis). E se puder, Dona Maria (daí abri a carteira e arranquei a maior nota de dinheiro que pude encontrar), compre para eles bons livros (desde que ele saiba ler, é claro).”

Eu paguei Dona Maria e ela me disse “Deus lhe pague”. Então fiquei a pensar: por que ninguém nunca promove rolezinhos numa biblioteca? Face a book, man. Face a book.

Eberth Vêncio é escritor e médico.

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