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No Carnaval [Cinthia Kriemler]

No Carnaval


por Cinthia Kriemler
  
Foi assim que se conheceram, no Carnaval. Ele saiu para comprar leite e pão, rezando para ter tempo de voltar pra casa antes do bloco de foliões passar. Odiava Carnaval! Tinha pavor de gente bêbada, suada, exibida. Item por item.

Mas não deu tempo. Quando saiu da padaria, sacola de papel reciclado na mão, que trazia de casa por se recusar a agredir o meio ambiente, deu de cara com o bloco.

Engolido em meio à multidão sem rosto, tentou abrir caminho à base do “por favor” e do “dá licença”. Não deram. Irritado com o imprevisto, se enfezou e saiu forçando a passagem. Cotovelada daqui, pernada dacolá, teve a sacola derrubada ao chão, imediatamente pisoteada pelos foliões. Vermelho de raiva, bufando mesmo, pensou em voltar à padaria, mas voltar também não era possível. O jeito ia ser pedir, por telefone, uma pizza que ia demorar uma infinidade para chegar. Tudo porque era Carnaval! 

“Dance!”, ouviu a voz de mulher no seu ouvido. Não se virou logo de cara, sentindo um pouco mais o arrepio que aquela boca sussurrante tinha causado nele todo. Enquanto se excitava com a voz, não ligava para as pisadas e os empurrões da massa eufórica. “Dance pra poder sair daqui. Senão você vai embora com a gente”, prosseguiu a voz. Virando-se, viu uma mulher comum, de estatura média, cabelos castanhos compridos e lisos. Hoje em dia, com essas pranchas, todas elas têm cabelo liso, se pegou pensando. Sentiu a mão dela, macia, na sua, puxando-o para fora da turba. A mão dela dançava. Ela toda, também.

Foi assim que se conheceram, no Carnaval. Ela saiu para se acabar de pular no bloco, pedindo a Deus que o mundo não acabasse antes do fim da batucada. Adorava carnaval. Amava andar por entre aquela gente descontraída, feliz por poder botar para fora as tristezas, o cansaço, o dia a dia sempre igual. Uma gente que se mostrava sem pudores, sem medo dos julgamentos apressados. 

Quando o bloco passou em frente à padaria, viu um sujeito lindo saindo lá de dentro, sacola de papel reciclado na mão, cara de bravo, tentando andar onde todos dançavam. Acompanhou o bonitão, tentando chegar perto dele para dar um oi. Mas tomou as cotoveladas e empurrões que ele distribuía a torto e a direito e viu que o jeito era fazer alguma coisa, urgentemente.

Foi aí que se chocou disfarçadamente contra o braço daquele sujeito lindo, derrubando no chão a sacola de pão e leite que ele defendia com unhas e dentes.


Cinthia Kriemler - Formada em Comunicação Social/Relações Públicas pela Universidade de Brasília. Especialista em Estratégias de Comunicação, Mobilização e Marketing Social. Começou a escrever em 2007 (para o público), na oficina Desafio dos Escritores, de Marco Antunes. Autora do livro de contos “Para enfim me deitar na minha alma”, projeto aprovado pelo Fundo de Apoio à Cultura do Distrito Federal — FAC, e do livro de crônicas “Do todo que me cerca”. Participa de duas coletâneas de poesia e de uma de contos. Membro do Sindicato dos Escritores do Distrito Federal e da Rede de Escritoras Brasileiras — REBRA. Carioca. Mora em Brasília há mais de 40 anos. Uma filha e dois cachorros. Todos muito amados.

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