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Fundo musical [Jean Marcel]

Fundo musical


Hollywood, Los Angeles, EUA.

Charles e Charlotte (nomes artísticos) eram atores consagrados. O sucesso era tanto que até mesmo os astros de Hollywood pediam seus autógrafos... Ambos eram também casados... um com o outro! Conheceram-se protagonizando uma tórrida cena de beijo no primeiro filme que fizeram. Antes disso já tinham se visto no set de filmagem, mas mal se falaram. Foi amor à primeira beijada. Quem viu a cena ao vivo e em cores, sem cortes, garante que foi bem mais que um beijo artístico! Aproximaram-se obedecendo o roteiro e disfarçando o constrangimento... Ossos do ofício! Eram completos estranhos um ao outro. Porém, após o grito de “ação” do diretor, assim que seus lábios se tocaram, uma música melosa de fundo entrou criando um clima. Aaaah, pra quê... Além das falas decoradas, dos olhares ensaiados e, claro, do beijo previsto, acabaram trocando também uma energia diferente... uma química explosiva... Isso mesmo, a cena foi às veras! Há até quem diga que as amígdalas se tocaram, tamanha a volúpia com que se entregaram! Contam que após a ordem de “cooorta”, o contra-regra teve de chamar os seguranças para separá-los, pois havia o receio de que um deles fosse engolido pelo outro. Empolgados, naquele mesmo dia decidiram se casar. E de fato, menos de uma semana depois subiram ao altar, para deleite das revistas de fofocas! 

A bem da verdade, o tal filme que protagonizaram juntos não era lá essas coisas e rapidamente caiu no esquecimento do público. Algo como uma bolha assassina e gosmenta querendo dominar o nosso planeta, transformando-o num primeiro passo para a grande meleca universal. Contudo, mesmo o enredo não sendo digno de um Oscar, o beijo do Capitão intergaláctico com a mocinha médica do laboratório que produziu acidentalmente o monstro, interpretados por Charles e Charlotte, respectivamente, foi um escandaloso sucesso que ficou imortalizado no cinema. Uma cena antológica que alavancaria a carreira deles, segundo os críticos. Assim, muitos outros trabalhos derivaram daquele. No entanto, curiosamente, por um capricho do destino, Charles e Charlotte nunca mais contracenaram nem se beijaram assim novamente... nem mesmo em casa! E não por falta de vontade, afinal, estavam casados, mas lamentavelmente a tal química nunca mais se repetiria...

Mas como o destino também prega suas peças, vejam só que ironia: justo agora que decidiram se separar, foram chamados para protagonizar novamente uma cena romântica! E era para isso que estavam ali... Cada qual no seu canto, esperando o momento de entrar em cena. 

*   *   *
– Ação! – anunciou o diretor, com seu megafone. 

Vestido de armadura e elmo, Charles, digo, o valente príncipe George apareceu em um cavalo branco em frente ao portão principal do castelo. Uma música ao fundo expressava todo o sofrimento e angústia de anos de batalha que o afastaram da sua amada. Sua princepa, incrédula, olhou de cima da muralha e pareceu não acreditar no que os seus olhos lhe diziam. Pensava que tivesse morrido ou que não a amasse mais. A música ficou mais dramática à medida que a câmera se aproximava, culminando num closet de sua face. Uma lágrima escorreu... A música mudou o tom, fazendo suspense. Ela vai perdoá-lo? Nem uma única notícia por anos! Nada! Apesar de toda a amargura da longa espera, seu olhar enternecido, embalado por acordes românticos, pareceu dizer que sim... o amor falará mais alto?! Silêncio de expectativa para então a melodia retornar com toda a carga. Ela sai correndo... Aonde ela vai? Correntes enormes gemem, movimentando lentamente o portão do castelo. Enquanto isso, nossa mocinha, com passos largos e cabelos esvoaçantes, desce apressadamente a escada da muralha. O nobre guerreiro, ainda ferido do último combate, desmonta com dificuldade da cela de seu garanhão, lança sua espada e elmo ao chão e abre os braços para recebê-la. Ela corre ainda mais depressa em sua direção... A música corre junto com ela... Ele de braços abertos esperando-a... Finalmente, depois do que pareceu uma eternidade, eles finalmente se encontram! O aguardado beijo se materializa mostrando que aqueles torturantes anos de espera nada significaram... Sim! O amor sempre vence no final. A música vai subindo com os créditos e tomando conta da cena, expressando toda a beleza daquele encontro. Eles giram ora se beijando, ora se olhando... abraçados, enamorados...

– Corta! – grita o diretor, satisfeito com a cena – Corta! – ordena novamente, julgando não ter sido ouvido. Mesmo assim Charles e Charlotte continuam abraçados, querendo prolongar aquele instante... o beijo prossegue com o mesmo furor do primeiro encontro. Ah... Que química! Assim, de repente, olhando-se olhos nos olhos, finalmente eles compreendem que o problema não estava neles, muito menos faltava amor na relação! O que falta na vida deles era... 

...uma trilha sonora! Ahhhh... que bom seria se a vida tivesse um fundo musical!!! E se beijaram novamente querendo que aquele instante durasse para sempre!


Jean Marcel- Escritor, professor universitário, palestrante. É pai de dois adolescentes. Um leitor voraz. Eclético, escreve contos, crônicas, romances e infanto-juvenil. Possui o blog brisaliteraria.com

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