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Anônimos e belos! A poesia detrás das janelas. (Publicação V - BERNARDINO GUIMARÃES) [Ivana Schäfer]

Anônimos e belos! A poesia detrás das janelas. (Publicação V - BERNARDINO GUIMARÃES)

Essa nossa quinta viagem, não é uma simples viagem, mas sim um voo na prosa poética de Bernardino Guimarães. O seu eu poético interage com as gaivotas, o mar, o azul  e os sonhos se materializem em abismos entre as nuvens.
 
Um poeta que ama a luz e que busca a solidão - talvez seja esta a definição que Bernardino Guimarães faria de si mesmo, caso lhe fosse solicitado.

"sou muito isolado, não gosto de grupos, o meu palco literário é o Facebook".(BG)

Este poeta português bem poderia ser confundido com um membro da nobreza, tanto pela sua aparência frágil de pele alva, como pela sua forma melancólica e romântica de perceber o mundo que o cerca. Ele dá vida a tudo que o cerca, dialoga com o mar, com as flores, com a noite, lançando luz sobre a vida, lançando vida sobre a luz.

BERNARDINO GUIMARÃES
Data de nascimento: 24/11/60, Porto, Portugal
Rua da Constituição, 125, r/c 4200-197 Porto
E-mail:  blguimaraes@hotmail.com 

Escritor, cronista e jornalista independente. Dedica-se há vários anos ao jornalismo, destacando a divulgação de conteúdos referentes ao meio ambiente e temas científicos. Foi fundador e editor da revista ''Tribuna da Natureza'' e colaborador regular no diário, já desaparecido, ''O Comércio do Porto''. 

Nos anos 80, foi fundador e locutor de uma rádio local na cidade do Porto e colaborou, entre os anos de 2003 à 2011, com o ''Jornal de Notícias'' e Radiodifusão Portuguesa— Antena 1, onde publicava crônicas centradas nos temas relativos ao meio ambiente.

Hoje é consultor editorial do programa televisivo ''Biosfera'' -RTP2- e mantém intensa atividade em conferências e ações de educação ambiental. Tem sido presença regular em programas de televisão e rádio, onde os debates  giram em torno da temática ambiental e da conservação da natureza. Também é autor e apresentador do programa diário "Entardeceres" na Rádio Manobras, Porto. 

É autor dos livros: "Ambiente — o Falso consenso", publicado em 2004 e "O Nome do Mundo é uma Janela" publicado em 2014. Interessado em Literatura, possui diversas colaborações, em prosa e poesia, publicadas em revistas e sites literários.

Grande parte dos seus textos jornalísticos, e outros, poderão ser lidos no blogue "Peregrino". 


Deixo correr a música pelos teus cabelos. Tudo pousa. Uma canção que só existe quando estás. Uma praça perdida, um jardim que não cabe nas palavras, de tão pequeno. Deixo o céu tocar-te nos ombros. Em volta, ficam visíveis anjos e aves e estátuas e almas de estrelas, de sorrisos tímidos, entre as árvores. É assim que se escreve a manhã daquela água. Deixo os espelhos brilharem nos teus olhos. Perfume de azul noite alta. Tudo existe.


Hoje de tarde achei que o crepúsculo é um erro ortográfico. O entardecer sanguíneo, sem estrelas para compor o vazio. Mas conheço a voz do mar: é rouca, grave, definitiva.

O crepúsculo é um adeus. As cores despedem-se e peço-te a mão, o braço, o cigarro, os lábios que dão sentido às escadarias onde nos sentamos.
O crepúsculo é uma maneira de tudo acabar em apoteose ardente.
O absurdo ronda-nos. (o riso das ondas, o olho mordaz de um farol.)

Com esta luz fazem-se prodígios. A mão estende-se e alcança todas as varandas. Um vulto ganha corpo na boca da janela. O automóvel azul fere os olhos porque brilha. É madrugada, demasiado certo está o sol à espreita. Toadas caídas reverberam num beco. Pura luz de águas marinhas e claridade. Também eu, amigos, tenho direito a certas iluminações, quando a luz se apaga, quando troveja, esses momentos em nada está aqui, em que nada se sabe.

Dizes: o teu coração é um cavalo. Digo: os teus olhos são pérolas incendiadas. Fazem-se nuvens lá no alto, tudo é simples e triste. Uma janela aberta tritura luzes e borboletas, somos duas sombras com mar e piano ao fundo. Dizes: as tuas mãos são como fogueiras pequenas. Digo: o teu sorriso é o meu berço e a minha estrada. O mar ocultava o lume dos peixes, praias afastavam-se do outono, lentas, somos dois corpos dormindo à mercê das horas.

O mundo é tão estranho, disseste, e passava por ti a roda das horas. A vida é a busca do conhecimento, disse eu abstracto e tu: a vida é a procura de encantamento. Quisera eu entender que talvez dissemos a mesma coisa, na mesma hora. Pareceu-me haver uma irredutível distância e passei as mãos no teu cabelo. A luz abaulava-se, caía, de azul em azul amolecendo o horizonte. Animal ferido, disseste de mim. Sorrimos juntos, já invadidos de cores anoitecidas. Disse-te que a dor nada ensina, que a noite maior é o esquecimento. Riste e brilhando fundo, em contra-luz, como se me acendesses.


AMAR-TE 

Amar-te. Viver o amor mais frágil do mundo. Frágil de amarras, de lonjuras, de demoras, de horas. Frágil como o musgo no muro, a sombra ao sol, a árvore exposta ao grande fogo. E no entanto amar-te. Como se fosse habitual. Amar em ti tudo o que me falta, todos os dias, em todas as ruas, amar-te como ama um coração inteiro, doente, fiel e desesperadamente ansioso. Amar-te para não me separar do teu sorriso. Amar-te como se fosse uma cidade que espera a madrugada, um porto onde os navios partem e tudo se separa e move e nada tem fim.

Amar-te como se fora uma ave, um pequeno coração vibrante, uma rua desabitada, um voo súbito. Viver o amor mais vasto do mundo. Reescrever a deriva dos continentes, tocar os teus cabelos de tão distante, de tão aqui. Puxando para ti o tempo como se pudesse movê-lo, abrir todas as janelas e ver-te, perder-te em cada esquina, encontrar-te nas flores mais remotas.

Amar-te contra a morte, contra o esquecimento, contra a vida. Amar-te para não ser senão o que sou contigo.

Desmesura e fogo. Não sei amar-te de outra forma. Desajeitado, tropeçando nos dias, desamparado e ébrio, rasgado no arame farpado da coragem, buscando o infinito nos teus olhos. Viver o amor assim porque tudo transborda e nada me chega se não te amar.

Escrevo amar-te e sou ainda o rapazinho tímido com sonhos impossíveis e o coração nas estrelas. E amava-te já sem saber quem eras. O mundo nunca me bastou, olhava-o de fora e procurava qualquer coisa maior nas coisas. Amar-te é viver o amor mais antigo do mundo. Ser fiel ao mais fundo de mim, pertencer-me e já não ser eu. Como a madrugada é eterna e nova.

Hoje não posso fingir nem esconder. Que te amo. E que amar-te é um incêndio, uma batalha.

Amar-te. Amar-te para não me separar das tuas mãos, do teu segredo, da sagrada fórmula das noites, dos teus cálidos passos de ave bailarina, da escrita ritual dos astros, da luz da tua pele que expulsa de mim a amargura e o medo.

Amar-te.

Um homem descia a rua e só tinha um braço. Fato completo e gravata, o braço em falta era de tecido leve e pendia um pouco porque havia vento. Reparo no enorme relógio que brilhava no seu pulso, no pulso que tinha braço e não pendia. Admirei o aprumo e o relógio. Descia a rua com o olhar ora no chão, ora no relógio e o cabelo era farto e branco, bem penteado, e oscilava com o vento. Creio não mentir dizendo que nos olhámos. Ele e o braço só manga, eu e os olhos discretos, mão no bolso, e os olhos fechavam porque havia vento. Se nos olhámos, perdeu-se o momento. A rua era íngreme e agitava-se um pouco, à mercê do vento. Sei que entardecia depressa. O homem deixou o braço vazio voltear, na dobra da esquina e fixou o relógio. A gravata azul brilhou timidamente. A luz fugia, luzia de cima para baixo, baça e forte, por causa do vento.

O amor funciona. A raiva funciona. Mesmo agora enquanto escrevo a noite funciona. E tudo funciona perfeitamente. O tempo funciona. Esta coisa de insatisfação, de querer estoirar as estrelas e pisar o céu, funciona. As aves funcionam, tombam de cansaço mas voando, sempre voando


Naquele tempo, inventaram a casa e a asa e a máquina das cores. Sei bem que os meus gestos são consequência de terem inventado coisas, ruas, prótese de voz e de sonhos, remédios para a ternura e óculos fumados para olhos que desistem.

Há precisamente cem anos, inventaram a Guerra mundial e as trincheiras e milhões de mortes inauguraram tecnologias e destruição massificada. Os meus gestos incorporam esse admirável mundo novo de medo e de consumo, de eventos festivos e de morte assistida em directo.

Tudo inventado. Olho com a flor da pele as imagens globais. Os bombardeamentos, o terror campeão de audiências, tão longe que se ouve aqui, suscitam algumas lágrimas e milhões de «selfies» com caras sorridentes, plenas de dentes e de quotidiano. Para isto, este ver, este não querer, devem já ter inventado a fuga. Algures cifrada nas palavras mais acesas, mais escondidas. Neste tempo.

Marítima a maneira de olhar. Fácil a tarefa das mãos, pousadas. Queres que recorde, ou quero eu que queiras tanto. Está bem. A luz molhava os movimentos. Tínhamos por detrás a cidade. Claro que era cinema e poesia. Um simples sorriso súbito e era claro aquele momento. Porque se geravam sombras e sobras de vultos naquela luz inclinada. Claro que escurecia. Era manhã como as macieiras são macieiras, antes de terem nome, mas escurecia. Não sei se a memória não me trai, quando em palavras as nuvens formavam um alfabeto denso e húmido, que as nossas vozes procuravam traduzir. Sei que a cidade nos servia de cenário e as nuvens de biombo. Porque era manhã nos teus olhos e em mais nenhuns isso se via, tão claramente. Queres que descreva os trabalhos da ave, a asa do vento? Foi um tempo de sombras medindo-se e de chumbo no céu, ameaçando gaivotas. Doce a maneira de lembrar, fácil o gesto dos ombros. Palavras, palavras.

Um dia. O melro no meio diz: dia. Encontro a palavra, digo: palavra. E ela vem. Uso a voz, ouso-te falando. Eco é o ar que escuta. Diz a pedra: fico. Sei-lhe ser mago, e falsário. Ensino nas mãos o pássaro inicial. Seio de sabê-lo, pereço, porque não voo. Um dia. O céu de esponja encontra o verbo. Pendurado no vento, forço a alma, ácida, de almeida e nuvem. Ouvem-se ruídos e caem calendários, pesados. A ave nítida, desprendida do sono, diz: madrugada. E ela nasce.

Desalinhou-se em texto: da necessidade de mudar de nome, deste para outro, titulou.

De tanto fugir, comprometeu-se. Arqueólogo de si próprio, desenterrou-se, escreveu-se nas paredes íntimas com a mesma raiva e a mesma tinta.

E seguiu-se a si assim mesmo, prolixo:

O meu tempo, prossegue em meta texto, estende-se em repouso, sem que assim mesmo pare.

Olhai: o meu edifício de fugas, o meu exército de medos; tudo isso para quê?

E no entanto: não me sinto correndo, fugindo dos dentes caninos dos sentimentos. Se gasto a existência em paz, encontro-me na guerra. Se prometo, cumpro-me. Se encontro, compro-me. Acaso navegue em cabotagem, fico ao largo.

Portanto existo— escolho lentamente entre saudade e aventura. Deixo ir em mar alto o que não entendo e crio— originais, não impressos, gaveta dos tímidos, queixo-me em sal e súplicas: da necessidade de mudar de rosto e escrever isso, diário.

Epitáfio para um bom rapaz que se foi, titulou.

Há uma fotografia escondida, com a forma de uma gaveta sépia. Banho de prata e papel deformado. Luz contida. Vagueio os dedos pelos registos do tempo. Tanto tempo. E sobras de tempo. Reparo: presos naquela luz, transfigurados na imagem, essa cadeia solitária, parecemos felizes. Somos gloriosos no instante em que a luz impressa iludiu os traços, revelando-se. Não há ali, penso eu com olhos de devorar pó, um mínimo sinal de realidade. Nada é mentira. Somos nós e o nunca acontecido que foi verdade.

Abrindo o envelope azul, as imagens sucedem-se. Bem sei que no domingo a vida é a preto e branco. Que a ternura se vende e se nega.

Os poemas, acima, foram uma escolha minha e se alguém tem algum poema deste poeta e não está na lista, nos mande e terei o prazer de acrescentar. Espero que tenham gostado desta linda viagem nos versos do poeta  BERNARDINO GUIMARÃES.
 
Fonte:


Ivana Schäfer - Pedagoga com Habilitação em Orientação Educacional, Especialização em Psicopedagogia e Cerimonialista. Sou Cuiabana de "tchapa e  cruz", amo minha terra, meu povo e a nossa cultura. Sou do Mato .... de Mato Grosso. Página na internet: http://espiacuyaba.blogspot.com.br

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