Desertos II
Por vezes os seus desertos
só eram alcançados depois da meia-noite. Depois que não havia mais nenhuma
chance do sol permanecer. Depois que o veludo mais escuro caia sobre o céu e
escorria as suas franjas pela terra.
Seus desertos eram mais
frios que os outros. E tão reais quanto todos aqueles que os beduínos cruzavam,
com a vantagem de ser só seu. Habitado apenas por aquilo que ela permitia, mas
era costume ser constituído só de ausências.
Essa sutil construção a
ajuda a compreender-se cada vez mais, revisitando-se intimamente.
Faltava-lhe ali o calor
das palavras. Ela gostava mesmo era de sentir os ventos causados pelos
pensamentos voando. Faltava-lhe ecos. Mas tinha os ouvidos surdos naqueles
momentos, concentrando-se só no ritmo da própria respiração.
Construía suas dunas de
incertezas e caminhava por elas com os pés afundando na areia que refletia a
leve claridade lunar de um crescente, acompanhado de uma única estrela,
anunciando a proximidade de um novo mês.
A caminhada era conhecida.
Fazia o mesmo caminho, insone, todas as noites. Enquanto todos à sua volta
dormiam, ela vagava. As suas respostas também a esperavam pontualmente e
previsivelmente no mesmo lugar, fixadas como tamareiras emoldurando seu oásis de
satisfação ao encontrar as soluções que lhe fugiam ao longo do dia.
Em mais uma noite de
lucidez desvairada pelos seus próprios desertos conseguiu chegar em seu oásis,
com a paz de um por do sol. Olhando as pegadas que ficaram pelo caminho,
admirou a delicadeza com a qual o vento as apagava e entendeu que a
simplicidade é fundamental para se chegar a todos os lugares.
Percebeu que nada acontece
sob o céu de Allah sem que ele determine e que todo o destino foi traçado
cuidadosamente por ele. Não há dores maiores do que podemos suportar e nem sede
maior do que a língua possa segurar.
Tudo já estava escrito e,
se havia momentos tortuosos, se havia tanto deserto, logo o oásis viria. A
alegria também está escrita. E por ser a vida um meandro divino, tudo é suportável
porque as forças brotam no meio das dunas, caindo dos céus, das mãos cuidadosas
que nos forjaram.
Todas as noites ela
caminhava por seu deserto povoado apenas por ela mesma e era isso que lhe
renovava as forças. Era dele que ela recebia as inspirações para avançar nas
horas dos dias infindáveis que a aguardavam ao nascer do sol.
Dy Eiterer.
Juiz de Fora, Minas Gerais, Brasil. Edylane é Edylane desde 20 de
novembro de 1984. Não ia ter esse nome, mas sua mãe, na última hora,
escreveu desse jeito, com "y", e disse que assim seria. Foi feito. Essa
mocinha que ama História, música e poesia hoje tem um príncipe só seu,
seu filho Heitor. Ela canta o dia todo, gosta de dançar - dança do
ventre - e escreve pra aliviar a alma. Ama a vida e não gosta de nada
morno, porque a vida deve ser intensa. Site:Dy Vagando
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