Em
defesa da leitura sem vergonha
Alguns críticos dizem que
adultos deveriam se envergonhar por ler livros juvenis. Estão errados
Danilo Venticinque, na revista Época
O sucesso de A culpa é das
estrelas nos cinemas e nas livrarias é uma notícia excelente para o mercado
literário. Deveria ser comemorada por qualquer pessoa que acredite num futuro
em que o hábito de ler seja mais difundido. Mas os pessimistas de sempre não
perderam a chance de se manifestar. Para alguns críticos literários e leitores
elitistas, qualquer notícia é má notícia. A popularidade dos livros juvenis, em
vez de ser um alento, é um desastre irremediável.
Um artigo publicado há
algumas semanas pela revista digital americana Slate sintetiza a opinião da
turma do contra. O título já diz tudo: "Adultos que leem livros para
crianças deveriam se envergonhar". Ao longo do texto, a jornalista Ruth
Graham lista motivos pelos quais adultos não deveriam perder seu tempo com A
culpa é das estrelas e outras obras do gênero. Diz que os livros são inocentes
demais, incentivam uma leitura acrítica e oferecem uma gratificação
instantânea. Para jovens leitores em formação, seriam um mal necessário. Mas os
milhões de adultos que se emocionaram com a história narrada por John Green
deveriam ter vergonha disso - e procurar um livro para adultos imediatamente.
Ruth não está sozinha. Em
qualquer conversa sobre literatura é possível encontrar leitores que
manifestam, com ar de superioridade, opiniões semelhantes a essa. Histórias
policiais, fantásticas ou romances adolescentes são vistos como subliteratura.
Seus fãs, consequentemente, são subleitores. Bom mesmo é ler autores clássicos
ou, na falta deles, uma meia dúzia de contemporâneos que tentam imitá-los.
Ao condenarem livros
populares, esses críticos contribuem para que reforçar a imagem da literatura
como um prazer sofisticado, que só pode ser aproveitado por uma elite
intelectual. Mas não enxergam a importância que esses títulos têm não só para o
mercado, como também para a formação de novos leitores.
Basta olhar para as listas
de mais vendidos para comprovar que as livrarias e editoras estariam em apuros
sem o público conquistado por esses best-sellers supostamente inferiores. Ao
dizer que romances juvenis só deveriam ser lidos por adultos, os críticos se
esquecem do óbvio: nem todos começam a ler na adolescência. Para muitos
adultos, as histórias acessíveis e cativantes contadas em romances juvenis são
uma excelente introdução à literatura. Ninguém começa lendo James Joyce. Entre
ler a obra completa de John Green e parar nas primeiras páginas de Ulysses, a
primeira opção me parece mais saudável e promissora para quem está descobrindo
a leitura.
Mesmo que os fãs de
autores juvenis não abram um só livro "adulto" em todas suas vidas,
ainda assim sua experiência terá sido positiva. Ler um romance juvenil pode até
ser menos enriquecedor do que ler um clássico da literatura, mas é muito melhor
do que não ler livro algum. Parece bobagem, mas muitos críticos não entendem
que essa escolha entre ler livros clássicos e ler livros populares não existe.
Para a maioria das pessoas, a escolha é entre ler livros populares e fazer
outra coisa: jogar videogame, assistir a um filme, passar a tarde no Facebook.
A decisão de ler um livro, não importa o gênero, é uma vitória para a
literatura.
Além de falta de visão, a
crítica aos romances juvenis revela uma boa dose de hipocrisia. Não há leitor
que não tenha, em sua prateleira, um daqueles livros que amamos sem respeitar.
Pode ser uma história barata de detetive, uma ficção científica das mais
absurdas, uma coleção de contos de terror ou, por que não, um romance
adolescente. Ler um livro por prazer não deveria ser motivo de vergonha para
ninguém. Vergonha é passar meses sem ler nada – ou criticar a leitura alheia em
vez de olhar para a própria prateleira.
Danilo
Venticinque -Editor de livros de ÉPOCA
Conta com a
revolução dos e-books para economizar espaço na estante e colocar as leituras
em dia.
Escreve às terças-feiras sobre os poucos lançamentos que consegue ler,
entre os muitos que compra por impulso
Twitter:
@daniloxxv
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