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Inventar novos mundos [Celso Sisto]

Inventar novos mundos 



VENTURELLI, Paulo. Visita à baleia. Ilustrações de Nelson Cruz. Curitiba, Positivo, 2012. 64p.

Talvez seja só através da fantasia que a liberdade total possa se manifestar. Mas, a leitura literária, de todo modo, convida sempre o leitor a sair dos limites do cotidiano. Ir e voltar modificado fazem parte desse contrato.

Um dia o pai de César, um menino de oito anos, chega em casa e anuncia que havia uma baleia no centro da cidade de Brusque, e que todos eles iriam até lá para vê-la. A mãe se recusa, os meninos partem, na bicicleta conduzida pelo pai, rumo à aventura. Cruzam a cidade, esperam numa fila quilométrica, mas quando finalmente entram na tenda onde a baleia está exposta, a constatação é um pouco decepcionante: a baleia está morta. Daí pra frente, voltar pra casa, brincar no barranco com o Beto e escrever o tema da composição solicitada pela professora torna-se resultante desse impactante passeio, coordenado pela curiosidade e pelo mais puro afeto de pai.

A história é contada pelo menino, protagonista do livro.  O texto (que não é curto) flui muito bem, porque também está bem distribuído ao longo das páginas. Por vezes, a linguagem se torna um pouco madura para um menino de apenas 8 anos, mas isso também pode ser proposital. Quem sabe quanto tempo terá passado entre o fato vivido e o fato documentado por escrito? No final da narrativa há um índice que reforça nossa suposição: “(...) A mão do meu pai que, naquele dia, amei sobre todas as coisas. Aquela mão, grande como baleia, mas baleia viva. Grande feito árvore frutífera” (p. 59). Pelo menos na redação exigida pela professora, que é quando o menino escreve (e não quando ele apenas “conta”) percebe-se claramente a “voz” da criança.

Mas a aventura contada pelo menino é tão intensa, tão povoada de comentários espirituosos, tão cheia de humor e poesia, que ao final, não queremos que o livro acabe. Os três personagens mais constantes - o pai, o filho mais velho e o filho menorzinho -ficam logo, logo íntimos do leitor. E os diálogos, com essa proximidade, reforçam a relação entre eles: a sinceridade cativante do menino mais velho e a “loucura” heroica desse pai!

Imersos num clima de casa rural, acondicionada por gamelas, fogão à lenha e pilhas de achas de madeira, o leitor vai se tornando cúmplice dos personagens e também se transformando em visitante credenciado do espetáculo da exibição de uma baleia numa terra em que não há mar. A irtertextualidade com Moby Dick, de Herman Melville é inevitável, mas o aspecto circense da visita ganha ainda mais respaldo com a abordagem criativa e fantasiosa do menino, ao contar na sua composição, do beijo e do copo d’água que a baleia empalhada lhe pede. E ainda, num rasgo de ousadia criativa, o menino também nos lembra do episódio bíblico de Jonas na barriga da baleia, e traz para a cena, Peter Pan, a Bela Adormecida e o Lobo da Chapeuzinho Vermelho, numa visão tão crítica quanto engraçada, antes já exercitadas com comentários sobre os gases do pai, o desejo de sorvete, o tempo de espera, em construções bem elaboradas como esta: “a fila andava como lesma atropelada e de muleta” (p. 30).

Mas a crítica maior fica por conta da insensibilidade e intransigência da professora. Uma imaginação tão dolente e ao mesmo tempo tão inusitada não poderia deixar de ser valorizada, por conta de um mero desvio (da tarefa proposta: escrever sobra árvore frutífera, um tema tão “solto” e pouco instigante, para aquele menino, naquele momento). Sim, há professores que precisam enxergar mais longe!

A capa do livro traz o impacto do olho da baleia e as ilustrações de Nelson Cruz, criam essa atmosfera de cenas, ora vistas de forma panorâmica, ora vistas de perto. Detalhes aquarelados, o uso da textura do giz pastel (que pode ser também o uso do pincel quase seco!) e o predomínio do preto (ainda que diluído) e dos fundos escuros, reforçam a ideia de mistério e desproporção, reveladores da ameaça, do desconhecido e do poder.

Um livro para ficar para sempre! E para convidar-nos a procurar outras obras de Paulo Venturelli, professor da Universidade Federal do Paraná e ganhador do prêmio Sousa Cruz, da Fundação Catarinense de Cultura. Este livro acaba de ganhar o prêmio “O melhor para a criança” (2012), da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil e também foi selecionado para publicação na Revista Machado de Assis de 2013, dedicada à literatura brasileira em tradução. Mais do que merecido!


Esse texto foi originalmente publicado no site: http://www.artistasgauchos.com.br/

Celso Sisto é escritor, ilustrador, contador de histórias do grupo Morandubetá (RJ), ator, arte-educador, crítico de literatura infantil e juvenil, especialista em literatura infantil e juvenil, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Mestre em Literatura Brasileira pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Doutor em Teoria da Literatura pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) e responsável pela formação de inúmeros grupos de contadores de histórias espalhados pelo país.

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