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BARTLEBY [Raul J.M. Arruda Filho]

BARTLEBY

Em Por Que Ler os Clássicos, Ítalo Calvino defende diversas propostas em relação à leitura. Duas dessas teses, as de números 4 e 6, chamam a atenção. A primeira, Toda releitura de um clássico é uma leitura de descobertas como a primeira, encontra o seu corolário na segunda, Um clássico é um livro que nunca terminou de dizer aquilo que tinha para dizer. Poucos leitores esclarecidos pela história e pela teoria crítica são capazes de discordar desses enunciados.

Recentemente, reli Bartleby, o escrivão, de Herman Melville. O tempo que separou as duas experiências – vários anos – ajudou muito. Diante de um texto que sobreviveu aos desgastes naturais sem apresentar problemas de envelhecimento, sem subtrair as questões fundamentais, foi possível perceber diversos elementos que estavam invisíveis na primeira leitura.  E que passaram a fornecer um novo sabor. Ou melhor, um novo saber.



Considerada como uma narrativa que consagra a incomunicabilidade como tema principal, Bartleby, o Escrivão conta a triste história de um copista jurídico que, em determinado momento, adota uma postura que surpreende a todos. Ao se negar a exercer as atividades mais triviais do escritório de advocacia em que está empregado, Bartleby causa um curto-circuito nas relações de trabalho. Nesse momento, quando questiona a autoridade do patrão, elege a insubordinação como método de resistência contra posturas que produzem insanidade mental e política.


Ao repetir inúmeras vezes o mantra Prefiro não fazer, Bartleby se posiciona, de forma vigorosa, embora pacífica, contra a ética capitalista.  Na visão do narrador, que define Bartleby como um desses seres sobre os quais nada se pode dizer com certeza, exceto quando colhido nas fontes originais, que em seu caso eram por demais exíguas, o escrivão parece estar defendendo a tese que viver em função do trabalho não consagra a existência humana. Infelizmente, por diversos motivos, inclusive o óbvio posicionamento ideológico, ele (o narrador) não diz isso – confirmando a nítida dissintonia entre aquele que faz o relato e aquele que desestrutura o sistema de valores em que está edificado o capitalismo predatório (momento em que há uma ressignificação à subordinação feudalista e às novas formas de escravagismo que acompanham o período histórico posterior à Revolução Industrial).


Contrário à simplicidade política daqueles que condicionam a sobrevivência física com a alienação intelectual, Bartleby encena a figura do herói romântico, que sacrifica a própria vida em defesa de um ideal. No momento em que decide não mais compactuar com o pacto social, fecha todas as possibilidades ao entendimento. É isso que intriga o narrador – e, consequentemente, o leitor.

O imobilismo de Bartleby, que se aproxima politicamente da desobediência civil e dos ideais libertários, encontra correspondência naqueles que, em determinado momento, se recusam a ser just a brick in the wall.



Raul J.M. Arruda Filho, Doutor em Teoria da Literatura (UFSC, 2008), publicou três livros de poesia (“Um Abraço pra quem Fica”, “Cigarro Apagado no Fundo da Taça” e “Referências”). Leitor de tempo integral, escritor ocasional, segue a proposta por um dos personagens do John Steinbeck: “Devoro histórias como se fossem uvas”.

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