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CASABLANCA [Raul Arruda Filho]

CASABLANCA

– Quantos tempo tivemos, querida?
– Não contei os dias. 
– Eu contei. Cada um deles. Lembro-me bem do último. Um cara de pé na plataforma, debaixo de chuva, com uma expressão cômica porque sofreu um golpe tremendo. 

Qual é o melhor final infeliz da história do cinema? Na opinião de muitos críticos, as últimas cenas de Casablanca (Dir. Michael Curtis, 1942) jamais serão superadas. Difícil competir com uma narrativa que consegue misturar paixão, drama político e desespero amoroso.

Muitos baldes de tinta foram gastos para tentar explicar  o porquê de Richard (Rick) Blaine (Huphrey Bogart) e Ilsa Lund (Ingrid Bergman) não protagonizarem o conto de fadas que costuma ilustrar o cinema hollywoodiano. De qualquer forma, a gênese da tragédia está na ascensão do nazismo e na consequente prisão do ativista político Victor Laszlo (Paul Henreid), marido de Ilse.

Informada que o marido tinha sido morto em um campo de concentração, ela encontra nos braços de Rick compensação para a perda. Infelizmente, por diversas razões, o casal precisa se separar quando Paris foi invadida pelas tropas alemãs, em 1940.

Provavelmente a maior atração do filme é a inteligência de Rick Blaine, que parece uma lâmina (blade) afiada. Cada palavra que ele pronuncia equivale a um soco no plexo solar do adversário. Simultaneamente, a repulsa com que trata as pessoas que o cercam indica que a tentativa de afastamento de toda e qualquer intimidade com os seres humanos ambiciona esconder a carência afetiva. Em algum lugar, entre o coração e o cérebro, mora um homem apaixonado. Evidentemente, essa elegância discreta aparece raramente, como na ocasião em que salva uma jovem húngara da sanha sexual do Chefe de Polícia de Casablanca, Capitão Louis Renault (Claude Rains). No dia a dia, Rick se esforça para manter a pose de brutamontes, desses que afogam as mágoas com grandes doses de bourbon. Basta lembrar o dialogo com Yvonne: 

– Onde você estava ontem à noite? 
– Faz tanto tempo, que nem lembro. 
– Vou te ver hoje à noite?
– Não planejo com tanta antecedência. 

No momento em que Ugarte (Peter Lorre) lhe pergunta, Você me despreza, não?, a resposta é rápida e dolorosa, Se pensasse em você, provavelmente o desprezaria. 

Ao conversar com Renault e que é, na medida do possível, seu amigo, escapa do interrogatório de forma criativa:

– E o que o trouxe a Casablanca?
– Minha saúde. Vim para cá por causa das águas. 
– Águas? Que águas? Estamos no deserto.
– Fui mal informado. 

Renault também é um bom personagem.  Ao ser desafiado por Rick em uma aposta de 20 mil francos, baixa o valor para 10 mil e, como compete a um canalha profissional, esclarece: Sou apenas um pobre oficial corrupto. Conversando com o Major Heinrich Strasser (Conrad Veidt), oscila entre a prudência e o realismo cínico:

– Tem certeza de que lado está?
– Não tenho convicções políticas, se é o que quer dizer. Vou com o vento. E o vento forte vem de Vichy. 
– E se ele mudasse?
– O Reich não admite a possibilidade. 

Proprietário do Rick’s Café Américan, Richard Blaine sabe que quem está no inferno jamais pode alegar inocência. Os dois mais importantes bares de Casablanca, Rick’s e Blue Parrot, são uma extensão do escritório para alguns dos mais interessantes trapaceiros do mundo. Ao lado dos nazistas e dos representantes do governo francês entreguista (República de Vichy) encontram-se conspiradores, batedores de carteira, alcoólatras, mulheres apaixonadas, jogadores, assassinos, mercenários e compradores de diamantes. No mercado negro que alimenta essa escória, controlado por Ferrari (Sidney Greenstreet), proprietário do Blue Parrot, não há nenhum tipo de restrições: comidas, bebidas, passaportes, vistos e salvos-condutos. 

Na Europa dominada pelos nazistas, a última esperança de liberdade está em Lisboa, de onde partem navios e aviões para Estados Unidos. São muitos os caminhos até lá. Há quem acredite que a rota menos perigosa é a mais tortuosa. Por isso, muito preferem se arriscar pelo norte de África, mais precisamente por Casablanca, no Marrocos francês. É lá que acontece o reencontro da história protagonizada por Rick e Ilsa.

Acompanhada pelo marido, ela está procurando por salvos-condutos que os ajudem a atravessar o Oceano Pacifico e escapar dos horrores da guerra. De todos os bares de todas as cidades, no mundo todo, ela tinha que entrar exatamente no meu, lamenta-se Rick.

O que se segue é um típico momento adolescente apaixonado, com direito a lembranças que se perderam entre o passado e muitas doses do anestésico que o garçon do Rick's costuma servir aos desesperados. Como trilha sonora, Rick pede para que Sam (Dooley Wilson) toque, mais uma vez, As Time Goes By, música tema do casal. Esse momento ternurinha demi-bombé, retrato cruel da dor de corno, não combina com a imagem de sujeito durão que Rick gosta de representar. Além disso, ele está ciente de que a fragilidade não é uma muleta emocional capaz de angariar simpatias.

Por isso, depois de driblar as complicações e os inúmeros equívocos, inclusive o esquema confuso que foi montado para prender Victor Lazslo, Rick decide entregar para o casal os salvos-condutos que Ugarte deixou com ele, antes de ser preso e morto. Essa é a forma que escolheu para desmentir a principal acusação de Ilse: Uma mulher o magoou, e você se vinga no resto do mundo.

Para ajudar Ilse e Victor, Rick precisa ameaçar Renault com uma arma:

–Ligue para o aeroporto. Lembre-se que esta arma está apontada para o seu coração.
– É o meu ponto menos vulnerável.

Enquanto o avião decola na direção da liberdade, o Major Strasser tenta impedir a fuga. Rick dispara contra o nazista e o mata. Paradoxalmente, Renault nada faz para impedir essa quebra da ordem institucional. Seguindo o cinismo que o caracteriza, diz aos soldados franceses: Round up the usual suspects! (Prendam os suspeitos de sempre).

Na cena final, Rick e Renault saem caminhando na direção da neblina. Rick diz, possibilitando uma série de interpretações complicadas: Louis, acho que este é o começo de uma bela amizade. 


Casablanca ganhou três Oscars em 1943: Melhor Filme, Melhor Diretor e Melhor Roteiro Adaptado. 

Raul J.M. Arruda Filho, Doutor em Teoria da Literatura (UFSC, 2008), publicou três livros de poesia (“Um Abraço pra quem Fica”, “Cigarro Apagado no Fundo da Taça” e “Referências”). Leitor de tempo integral, escritor ocasional, segue a proposta por um dos personagens do John Steinbeck: “Devoro histórias como se fossem uvas”.

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