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Meus amigos, fortes e frágeis [Cinthia Kriemler]

"Figuras Tumbadas en la Arena" — de Salvador Dalí
Meus amigos, fortes e frágeis

Tenho amigos que aguentam o tranco das coisas tristes. Aguentam cenas, fotos, textos pesados, desses que se deixam marejar os olhos, ou que entalam a goela por uma semana inteira.  São amigos emocionais. Talvez, melhor dizendo, que se permitem sensibilidade.

Choramos juntos pelos esqueléticos meninos da África (mesmo que à distância, por meio dos nossos e-mails), pelas crianças desvirtuadas por pedófilos desgraçados, pelos rostos enrugados e inexpressivos que perambulam invisíveis pelas grandes cidades, pelos pais e mães de bebês que nem bem nasceram e já possuem sobre si uma sentença de morte por doença ou fome. Por gente que perde tudo nas enchentes, por celerados que corrompem a si mesmos e ao povo, e por cachorros abandonados, ursos mutilados na China, animais de circo.
Esses são os meus amigos que aguentam o tranco das coisas tristes. 

Tenho também amigos que não aguentam nada. Para quem só posso enviar poesias e contos de final feliz, porque não têm estômago, nem humor, nem resistência para ler ou digerir tragédias.

São amigos encastelados, que preferem se esconder dos sentimentos em jardins onde as flores nunca murcham, em notícias à superfície da vida, em encontros divertidos onde os temas são a casa, os filhos, o marido ou a mulher. Boa casa, bons filhos, bom marido ou boa esposa, é claro. Não há, nesse grupo de amigos, nenhum que beba demais para driblar a solidão, que fume para ocupar os pensamentos, que faça dívidas para se obrigar a estar vivo para poder pagá-las. Nenhum que dê vexame. 

Não abro mão de nenhum deles. Nem dos realistas que choram e se consomem com as misérias do mundo, e que erram, e que explodem. Nem dos que fogem das tristezas e se escondem na perfeição para se defender da dor, do medo, da incerteza ou das certezas.

Meus amigos fortes vomitam sensações, protestos, solidariedade. Meus amigos frágeis impedem a si mesmos de se partir em pedaços. Com os fortes, conspiro, na crença estoica de que o sofrer é necessário para impedir que o ignorar prevaleça. Aos frágeis, me entrego, como um incentivo àqueles que um dia se decidam a ver. 

E se a comunhão com uns me satisfaz a consciência, a união com os outros me ensina a beleza do humano embrionário, sempre em desencontro.


Cinthia Kriemler - Formada em Comunicação Social/Relações Públicas pela Universidade de Brasília. Especialista em Estratégias de Comunicação, Mobilização e Marketing Social. Começou a escrever em 2007 (para o público), na oficina Desafio dos Escritores, de Marco Antunes. Autora do livro de contos “Para enfim me deitar na minha alma”, projeto aprovado pelo Fundo de Apoio à Cultura do Distrito Federal — FAC, e do livro de crônicas “Do todo que me cerca”. Participa de duas coletâneas de poesia e de uma de contos. Membro do Sindicato dos Escritores do Distrito Federal e da Rede de Escritoras Brasileiras — REBRA. Carioca. Mora em Brasília há mais de 40 anos. Uma filha e dois cachorros. Todos muito amados.