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Tarde Ensolarada [Wuldson Marcelo]

Tarde Ensolarada


1. Do Romancista

Um dia, ele acordou com um único pensamento na cabeça. Na verdade, era uma interrogação, “Por que os ricos devem ser recompensados por terem bastante dinheiro?” Senti-a como uma dúvida desconcertante. Sentenciou: “Cabeças vão rolar. Sangue na estrada. Sangue nos escritórios. Sangue nas mansões. A mim e aos meus semelhantes tudo é negado. Eu sou o cobrador. Eu sou aquele cara que no final de “O Lobo da Estepe” atira contra os automóveis dos figurões nas rodovias. Uma missão intolerável para qualquer inocente”.

Um empresário disse para outro:

- O que o governo deve fazer para acabar com a criminalidade infantil é reduzir a idade penal.

- Perfeitamente; assobiou o outro.
Ele olhou para ambos e, suavemente, ensinou-os uma lição sobre a vida.

- Reduzir a idade penal não resolve, seus cretinos. Isso não salvará sua BMW. 514 anos de injustiças e massacres não serão resolvidos diminuindo a responsabilidade pelos atos a partir dos 14 anos. A severa aplicação da lei não erradica a pobreza. No entanto, o seu dinheiro faz com que, possivelmente, ela seja aplicável. Bom, você contribui para o perpétuo ciclo econômico que sustenta o país. Quem antes tinha muito dinheiro, hoje tem muito mais dinheiro ainda. Quem não tinha nada, hoje está pior.

Foi só o que falou. Doutrinação feita. Uma bala em cada um. Na rua mesmo. Mas ele estava disfarçado, seu rosto vermelho de ódio escondia sua face.

Em seguida, deslocou-se para o outro lado da cidade. Foi a uma filial de uma multinacional especializada em oferecer aos seus clientes carne bovina quimicamente alterada. Entrou com uma maleta. Deixou-a embaixo de um balcão. Ninguém o considerou suspeito. Estava de paletó e gravata. Dez minutos depois, acionou a bomba através de um celular descartável, comprado um dia antes.

Depois, subiu em um prédio com uma R15, comprada de um empresário sem ética e sem pátria. Do sétimo andar do prédio, atirou nas vidraças do banco que o começava a roubar assim que ele colocava os pés lá dentro. Vociferou, “Dane-se suas taxas e cobranças”. Visou também os carros dos magnatas, inúmeros modelos 2014, ano da Copa do Mundo de Futebol. Por azar, acertou o tanque de combustível de um deles. O carro explodiu, alguns fragmentos voaram e a correria começou. Muitos gritos e sangue. Um desses fragmentos atingiu um automóvel, com três jovens milionários dentro, que tombou, e uma nova explosão se fez ouvir. Trânsito congestionado. Numa tarde infernal, 18 mortos. Depois da carnificina, elaborada com destreza de chefão da CIA, pensou intimamente: “Nada a ver com aquele filme ridículo, ‘Um Dia de Fúria’. Aquela babaquice!”.

2. Do Terrorista

As frases desconexas que preenchem as linhas mal traçadas destas páginas são as confissões de um rebelde com uma causa incompreensível para a maioria. Causa esta que o faz, finalmente, ser capaz de diferenciar vingança de justiça. Não que seja justo explodir posses de quem tem rios de dinheiro ou maltratar playboys desprezíveis, mas chega um dia em que tudo que é ganho sem esforço, com falcatrua, volta para assombrar, cobrar a dívida. Se faço algo brutal, não é para descontar minha frustação, inadequação ou coisa que o valha. Faço em nome de vidas desperdiçadas em trabalhos burocratizantes, em zonas de conflito ou perdição. Em nome dos que são abatidos sem direito à defesa. Faço por justiça, e não por vingança. Vingança seria se não houvesse o pretexto do exemplo, e como faço para ser seguido, imitado, mesmo que de modo solitário, a justiça se eleva como fator primordial. Agora, parto para a minha missão. E se, por acaso, for preso ou morto, eis, acima, os meus nobres motivos.

3. Do Jornalista

...Quando o assassino chegou em casa o sono o dominou. E pensar que esse puto voltou para casa. Desculpe-me o linguajar, o senhor e a senhora que nos assistem. Mas revolta! Então, meia-hora depois, um policial encostou uma submetralhadora Taurus MT-40 na cabeça do facínora. Agora que a carta-confissão desse meliante pode ser acessada pelo grande público, surge a dúvida: o terrorista esperava os holofotes ou a vala? Tenho certeza que o cidadão de bem tem a resposta, e sabe o que um sujeito como esse merecia. Raça infame!

4. Das Vítimas

“Queremos justiça!”.

“Não entendo. Que ódio é esse?”.

“A sociedade civil não ficará calada diante de uma atrocidade dessa natureza. É necessário levar o culpado ao tribunal, e despejar em cima dele, toda a força da Lei”.

“Foi assustador! Carros explodindo, sangue para todos os lados. Não sei o que pensar. Pensei que fosse morrer também”.

“Nem sei como sobrevivi. De repente, estava comendo hambúrguer e... Ouço algo... Minha melhor amiga está morta. Despedaçada! Por que explodir uma rede de fast food?”.

“E o meu prejuízo? Esse desgraçado mandou pelos ares meu negócio. Deixou o lugar todo fedendo carne queimada. Quer dizer... E os meus funcionários?

Estamos dando todo o suporte aos familiares das vítimas. Porém, quero uma indenização. E das boas!”.

“Nunca mais serei a mesma”.

5. Da mãe do terrorista

Deixem-me em paz!


Wuldson Marcelo é mestre em Estudos de Cultura Contemporânea e graduado em Filosofia (ambos pela UFMT). É revisor de textos, autor do livro de contos “Subterfúgios Urbanos” (Editora Multifoco, 2013) e um dos organizadores da coletânea “Beatniks, malditos e marginais em Cuiabá: literatura na Cidade Verde” (Editora Multifoco, 2013).

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