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AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA (32ª POSTAGEM) [Rubens Jardim]

AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA (32ª POSTAGEM)


BEATRIZ AMARAL(1960) poeta paulistana, contista e musicista. É mestre em literatura e crítica literária pela PUC-SP. Publicou, entre outros: Encadeamentos (1988), Primeira Lua (1990), Poema Sine Praevia  Lege (1993, finalista do Prêmio Jabuti), Planagem (1998), Alquimia dos Círculos (2003), Luas de Júpiter (2007)

DEGREDO

patético –

o dia se alinhava

e anima o tema

de um poente


todos os remates

são esparsos –

as noites são de queda


o vão que se reduz

só dilacera

o timbre de castelos

sobre a pele 


agora, portas d’água

repartem as chuvas

com palavras


MOVIMENTO

meu pensamento

se desloca

na correnteza

rio

sem afluentes

só desemboca

na plena

certeza

de sua própria corrente

cada vez mais denso

quase me afoga

em seu curso crescente

suas curvas

seus lances

seu tenso fluir

minha mente evoca

um momento

sem consequências

desenha palavras

numa corrente

fluvial

descolorida

e segue por imagens

perdidas

quase fluidas

minha firmeza

oscila

numa torrente

de idéias novas

inteiras

e sem desvios

no movimento

insólito

de ser

não ser

até descer

ao nível

de meu espelho

móvel:

o rio


DESENHO

cabras dançam rotas verticais

a crosta da montanha
contorna metonímias

a lápis crayon, a
sombra sobre o 
pêlo, sobre a pele
na espessura de um 
ensaio

que a luz tece a hipótese da
 sílaba, — e o prisma ondulado 
se consume

algum teor de amido
se estenda

nas bordas do bunker:
a tentativa de vôo 
para a inexistência da asa 


NAU

oh caravela errante,
deixa o mapa, os sinais, 
o inútil pretexto asiático

nada de teu fogo
escapa à sorte – um rumo 
por outro perdido

oh libra gentil
tua sede oceânica parte 
o vento oscila tua vela

do avesso equilíbrio do norte
eis a rota onde a história 
desperta a lua de abril



CAMILA DO VALLE (1973) poeta mineira, professora, foi diretora da Fundación Centro de Estudios Brasileros, em Buenos Aires. Trouxe, em 2005, a Editorial Cartonera, cooperativa que utiliza materiaL reciclado. Em 2008, organizou a antologia Caos Portátil, de novos poetas brasileiros, publicada no México. Publicou o livro de poemas Mecânica da Distração: os aprisântempos.(2005).

MISSÃO DIPLOMÁTICA NA CHINA (pianissimo)

Onde pousar a palavra?

Como se a caneta fosse a asa de unia xícara

de porcelana rara que eu estaria a segurar

com todo o cuidado

no ar.

Do ar ao pires, podemos,

ou não,

espatifar a dinastia Ming.

Delicadamente.


UM MURO DE SILENCIO 

                                                     para Pedro Eiras

Sobre a página em branco repousa um reino de silêncio.

(Como pular este muro?)

É certo que todo texto começa antes do próprio texto.

Se não é, porém, na página em branco,

Onde tem, então, começo o texto?

No corpo que escreve?

É certo que todo corpo começa antes do próprio corpo.

Onde tem, então, começo o corpo?

Quiçá: na página em branco?

Eis o muro. 


MULHER EM PROCESSO

as palavras secas, duras, masculinas

as palavras perigosas e pontiagudas entre gritos e sussurros

as palavras penetrantes:

autonomia, repertório, simultaneidade, dessublimador,

associação imagética, corte epistemológico, marcador

diferencial, narrador heterodiegético e a expressividade

em processo.

É que uma mulher não faria assim.

Fala em independência, vocabulário e junção.

Ao que parece e por exemplo.

A palavra, se é do homem e está na minha boca,

o meu corpo sabe: só faço para me masturbar. 


TANGO

Vejo milhões de Robertos todos os dias.
Mas foi só ver Anita uma única vez que fiz um poema.

Aí a cidade era eu.
Girinos vermelhos saíam de minha vagina, 
escorriam veias pelas minhas pernas,
abrindo avenidas em pleno centro da América Latina.

Embora a linguagem seja dos homens,
a cidade saiu-me mulher. 
De longe, a minha avó grita tão perto:
– Tenha modos, menina! Cruze as pernas! 
E eu cruzo, adoravelmente, as pernas,
e encanto o senhor capitão. 
De espada na cinta e ginete na mão. (eu ou ele?)

Peço-te, Anita, somente, que não se case com ele.
Se você não se casar: nem eu. 
Continuemos com as pernas escrupulosamente abertas
na América Latina. De forma estratégica: sem modo


RENATA BONFIM (1972) poeta capixaba, ensaísta, artista plástica, mestre e doutora em Letras pela Universidade Federal do Espírito Santo. Tem especialização em arte terapia na saúde e na educação e em psicologia analítica junguiana. Publicou dois livros de poemas: Mina (2010) e Arcano Dezenove.

SEDE E FOME 

                                                 Dedicado ao poeta Pedro Sevylla de Juana 


Tenho uma sede insaciável

De Deus...

Por isso bebo a flor e o orvalho. 

Por mais tardio que seja o olhar,

Colho as suas lágrimas.

Por mais silenciosa que seja a boca,

Colho o seu sorriso. 


Sinto fome de infinito,

A língua passeia pelas palavras:

saber, sabor e arte!

Devoro teus verbos intransitivos. 


O vazio me invade:

Resto plena de tudo o que não sou eu.

 
A FLOR

sim

seus pistilos eram doces

perturbam-na insetos e pássaros

e ela, objeto, se ofertava em dores

cálice divino a derramar-se

em pleno jardim das delícias

fruição e pavor em perfeita harmonia

sacrifício

estigma

Sua assinatura sinistra. 


VIÚVA NEGRA

Eu vou te rogar uma praga

te envenenar

matar a sua samambaia.

Vou te ferrar! Aferroar

como fazem os escorpiões aos sapos

que querem atravessar

rios e lagos

sem pagar pedágio.

Quero ver o seu sangue correr e escorrer

vermelho como os prados

e os desertos mais secos

onde açoitam ventos amargos e

moram as feras que amo e desejo.

Assim será o nosso idílio

fadado à dor, à melancolia

e ao dissabor de um amanhã

que morre todo dia

antes mesmo de nascer.

Assim será, também,

que festejaremos

a ironia do tempo vivido e

a ânsia sei lá do que.

A morte será um beijo fresco

com o qual nos despediremos. 


REVERSO

Por baixo da pele,

ao avesso,

eu sou mais Eu.

Virada, pirada, tarada,

sob a tez dominada,

explícitos desejos,

lúbricos segredos.

Exaltações que

o orifício delata.


PARTO 

Sou toda dissonância

Mas busco harmonia

equilíbrio, beleza, cor.

Fertilizada pela ansiedade

Sou cão lambendo as feridas

gato no telhado alheio

pássaro cantando na solidão

da árvore citadina

Busco o natural

nos escombros e resquicios

do animal que sou

Vivo o risco

seguindo um traço sinuoso

(e fatídico)

que guia meus pés viciados.

Transito por campos incertos

transo agonias e suplícios

opto pelo impreciso

transitório e duvidoso

A duras penas e

em meio a tinta ácida

ele nasce

brota do meu ventre acetinado:

um filho com olhos de luz

E a musa-parteira sem dentes

orgulhosa e vingativa

Com um sorriso desgraçado

põe nos meus braços

este ente:

a poesia.



MICHELINY VERUNSCHK (1971) poeta pernambucana, é historiadora. Publicou os livros de poesia Geografia Íntima do Deserto (2003) e Cartografia da Noite (2010).Foi uma das finalistas do concurso Portugal Telecom em 2004. Colabora em revistas e jornais de literatura e participa de diversas antologias de poesia brasileira contemporânea.

II - A PRESENÇA DOLOROSA DO DESERTO

Teu nome
é meu deserto 
e posso senti-lo
incrustado 
no meu próprio
território 
como uma pérola
ou um gesto no vazio 
como o amargo azul
e tudo quanto 
há de ilusório.
Teu nome 
é meu deserto
e ele é tão vasto, 
seus dentes tão agudos,
seus sóis raivosos 
e suas letras
(setas de ouro e prata 
dos meus lábios)
são meu terço 
de mistérios dolorosos.

DA ROTINA

Varrer o dia de ontem
que ainda resta pela casa, 
o dia,
que persiste, 
quase invisível,
pelo chão, 
nos objetos,
sobre os móveis da sala. 
varrer amanhã,
o pó de hoje. 
varrer.
varrer hoje. 
(e domingo
quebrar os dentes 
o copo
e sua água de vidro ... 
segunda,
não esquecer : 
varrer todos os vestígios).

RÁPIDO MONÓLOGO DO CAÇADOR COM SUA CAÇA 

Trago
Pardos 
Os olhos
De cobiça 
Que atiro
Sobre ti, 
Teu verbo/teu sexo:

Tua presa
de 
marfim.

……………………………………………………

Eu celebro

a máquina

do teu nome,

engrenagem

de letras e afeto,

solidão inaudita

do meu próprio

esquecimento.

Eu celebro

o teu corpo

e nele tudo

o que é ausência

de mim

mesmo,

tudo

o que em ti

é pedra,

animal extinto,

silêncio absoluto

de uma tarde

presa na memória.

Eu celebro

os vestígios,

os fragmentos,

as ruínas,

a completude,

que inventamos

sendo apenas estilhaços.

Eu celebro o amor,

a impossibilidade.


Rubens Jardim, 67 anos, jornalista e poeta. Foi redator chefe Gazeta da Lapa e trabalhou no Diário Popular, Editora Abril e Gazeta Mercantil. Participou de várias antologias e é autor de três livros de poemas: ULTIMATUM (1966), ESPELHO RISCADO (1978)e CANTARES DA PAIXÃO (2008). Promoveu e organizou o ANO JORGE DE LIMA em 1973, em comemoração aos 80 anos do nascimento do poeta, evento que contou com o apoio de Carlos Drummond de Andrade, Menotti del Picchia, Cassiano Ricardo, Raduan Nassar e outras figuras importantes da literatura do Brasil. Organizou e publicou JORGE, 8O ANOS - uma espécie de iniciação à parte menos conhecida e divulgada da obra do poeta alagoano. Integrou o movimento CATEQUESE POÉTICA, iniciado por Lindolf Bell em 1964, cujo lema era: o lugar do poeta é onde possa inquietar. O lugar do poema são todos os lugares... Participou da I Bienal Internacional de Poesia de Brasília (2008) com poemas visuais no Museu Nacional e na Biblioteca Nacional. Fez também leituras no café Balaio, Rayuela Bistrô e Barca Brasília. E participou da Mini Feira do Livro, com o lançamento de Carta ao Homem do Sertão, livro-homenagem ao centenário de Guimarães Rosa. Teve poemas publicados na plaquete Fora da Estante, (2012), coleção Poesia Viva, do Centro Cultural São Paulo. Páginas na Internet: Site: Rubens Jardim e Facebook: Rubens Jardim

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