BEATRIZ AMARAL(1960) poeta
paulistana, contista e musicista. É mestre em literatura e crítica literária
pela PUC-SP. Publicou, entre outros: Encadeamentos (1988), Primeira Lua (1990),
Poema Sine Praevia Lege (1993, finalista
do Prêmio Jabuti), Planagem (1998), Alquimia dos Círculos (2003), Luas de
Júpiter (2007)
DEGREDO
patético –
o dia se alinhava
e anima o tema
de um poente
todos os remates
são esparsos –
as noites são de queda
o vão que se reduz
só dilacera
o timbre de castelos
sobre a pele
agora, portas d’água
repartem as chuvas
com palavras
MOVIMENTO
meu pensamento
se desloca
na correnteza
rio
sem afluentes
só desemboca
na plena
certeza
de sua própria corrente
cada vez mais denso
quase me afoga
em seu curso crescente
suas curvas
seus lances
seu tenso fluir
minha mente evoca
um momento
sem consequências
desenha palavras
numa corrente
fluvial
descolorida
e segue por imagens
perdidas
quase fluidas
minha firmeza
oscila
numa torrente
de idéias novas
inteiras
e sem desvios
no movimento
insólito
de ser
não ser
até descer
ao nível
de meu espelho
móvel:
o rio
DESENHO
cabras dançam rotas
verticais
a crosta da montanha
contorna metonímias
a lápis crayon, a
sombra sobre o
pêlo, sobre a pele
na espessura de um
ensaio
que a luz tece a hipótese da
sílaba, — e o prisma ondulado
se consume
algum teor de amido
se estenda
nas bordas do bunker:
a tentativa de vôo
para a inexistência da asa
NAU
oh caravela errante,
deixa o mapa, os sinais,
o inútil pretexto asiático
nada de teu fogo
escapa à sorte – um rumo
por outro perdido
oh libra gentil
tua sede oceânica parte
o vento oscila tua vela
do avesso equilíbrio do
norte
eis a rota onde a história
desperta a lua de abril
CAMILA DO VALLE (1973) poeta
mineira, professora, foi diretora da Fundación Centro de Estudios Brasileros,
em Buenos Aires. Trouxe, em 2005, a Editorial Cartonera, cooperativa que
utiliza materiaL reciclado. Em 2008, organizou a antologia Caos Portátil, de
novos poetas brasileiros, publicada no México. Publicou o livro de poemas
Mecânica da Distração: os aprisântempos.(2005).
MISSÃO DIPLOMÁTICA NA CHINA
(pianissimo)
Onde pousar a palavra?
Como se a caneta fosse a asa
de unia xícara
de porcelana rara que eu
estaria a segurar
com todo o cuidado
no ar.
Do ar ao pires, podemos,
ou não,
espatifar a dinastia Ming.
Delicadamente.
UM MURO DE SILENCIO
para Pedro Eiras
Sobre a página em branco
repousa um reino de silêncio.
(Como pular este muro?)
É certo que todo texto
começa antes do próprio texto.
Se não é, porém, na página
em branco,
Onde tem, então, começo o
texto?
No corpo que escreve?
É certo que todo corpo começa
antes do próprio corpo.
Onde tem, então, começo o
corpo?
Quiçá: na página em branco?
Eis o muro.
MULHER EM PROCESSO
as palavras secas, duras,
masculinas
as palavras perigosas e
pontiagudas entre gritos e sussurros
as palavras penetrantes:
autonomia, repertório,
simultaneidade, dessublimador,
associação imagética, corte
epistemológico, marcador
diferencial, narrador
heterodiegético e a expressividade
em processo.
É que uma mulher não faria
assim.
Fala em independência,
vocabulário e junção.
Ao que parece e por exemplo.
A palavra, se é do homem e
está na minha boca,
o meu corpo sabe: só faço
para me masturbar.
TANGO
Vejo milhões de Robertos
todos os dias.
Mas foi só ver Anita uma
única vez que fiz um poema.
Aí a cidade era eu.
Girinos vermelhos saíam de
minha vagina,
escorriam veias pelas minhas
pernas,
abrindo avenidas em pleno
centro da América Latina.
Embora a linguagem seja dos
homens,
a cidade saiu-me mulher.
De longe, a minha avó grita
tão perto:
– Tenha modos, menina! Cruze
as pernas!
E eu cruzo, adoravelmente,
as pernas,
e encanto o senhor capitão.
De espada na cinta e ginete
na mão. (eu ou ele?)
Peço-te, Anita, somente, que
não se case com ele.
Se você não se casar: nem
eu.
Continuemos com as pernas
escrupulosamente abertas
na América Latina. De forma
estratégica: sem modo
RENATA BONFIM (1972) poeta
capixaba, ensaísta, artista plástica, mestre e doutora em Letras pela
Universidade Federal do Espírito Santo. Tem especialização em arte terapia na
saúde e na educação e em psicologia analítica junguiana. Publicou dois livros
de poemas: Mina (2010) e Arcano Dezenove.
SEDE E FOME
Dedicado ao poeta Pedro Sevylla de Juana
Tenho uma sede insaciável
De Deus...
Por isso bebo a flor e o
orvalho.
Por mais tardio que seja o
olhar,
Colho as suas lágrimas.
Por mais silenciosa que seja
a boca,
Colho o seu sorriso.
Sinto fome de infinito,
A língua passeia pelas
palavras:
saber, sabor e arte!
Devoro teus verbos
intransitivos.
O vazio me invade:
Resto plena de tudo o que
não sou eu.
A FLOR
sim
seus pistilos eram doces
perturbam-na insetos e
pássaros
e ela, objeto, se ofertava
em dores
cálice divino a derramar-se
em pleno jardim das delícias
fruição e pavor em perfeita
harmonia
sacrifício
estigma
Sua assinatura sinistra.
VIÚVA NEGRA
Eu vou te rogar uma praga
te envenenar
matar a sua samambaia.
Vou te ferrar! Aferroar
como fazem os escorpiões aos
sapos
que querem atravessar
rios e lagos
sem pagar pedágio.
Quero ver o seu sangue
correr e escorrer
vermelho como os prados
e os desertos mais secos
onde açoitam ventos amargos
e
moram as feras que amo e
desejo.
Assim será o nosso idílio
fadado à dor, à melancolia
e ao dissabor de um amanhã
que morre todo dia
antes mesmo de nascer.
Assim será, também,
que festejaremos
a ironia do tempo vivido e
a ânsia sei lá do que.
A morte será um beijo fresco
com o qual nos despediremos.
REVERSO
Por baixo da pele,
ao avesso,
eu sou mais Eu.
Virada, pirada, tarada,
sob a tez dominada,
explícitos desejos,
lúbricos segredos.
Exaltações que
o orifício delata.
PARTO
Sou toda dissonância
Mas busco harmonia
equilíbrio, beleza, cor.
Fertilizada pela ansiedade
Sou cão lambendo as feridas
gato no telhado alheio
pássaro cantando na solidão
da árvore citadina
Busco o natural
nos escombros e resquicios
do animal que sou
Vivo o risco
seguindo um traço sinuoso
(e fatídico)
que guia meus pés viciados.
Transito por campos incertos
transo agonias e suplícios
opto pelo impreciso
transitório e duvidoso
A duras penas e
em meio a tinta ácida
ele nasce
brota do meu ventre
acetinado:
um filho com olhos de luz
E a musa-parteira sem dentes
orgulhosa e vingativa
Com um sorriso desgraçado
põe nos meus braços
este ente:
a poesia.
MICHELINY VERUNSCHK (1971)
poeta pernambucana, é historiadora. Publicou os livros de poesia Geografia
Íntima do Deserto (2003) e Cartografia da Noite (2010).Foi uma das finalistas
do concurso Portugal Telecom em 2004. Colabora em revistas e jornais de
literatura e participa de diversas antologias de poesia brasileira
contemporânea.
II - A PRESENÇA DOLOROSA DO
DESERTO
Teu nome
é meu deserto
e posso senti-lo
incrustado
no meu próprio
território
como uma pérola
ou um gesto no vazio
como o amargo azul
e tudo quanto
há de ilusório.
Teu nome
é meu deserto
e ele é tão vasto,
seus dentes tão agudos,
seus sóis raivosos
e suas letras
(setas de ouro e prata
dos meus lábios)
são meu terço
de mistérios dolorosos.
DA ROTINA
Varrer o dia de ontem
que ainda resta pela casa,
o dia,
que persiste,
quase invisível,
pelo chão,
nos objetos,
sobre os móveis da sala.
varrer amanhã,
o pó de hoje.
varrer.
varrer hoje.
(e domingo
quebrar os dentes
o copo
e sua água de vidro ...
segunda,
não esquecer :
varrer todos os vestígios).
RÁPIDO MONÓLOGO DO CAÇADOR
COM SUA CAÇA
Trago
Pardos
Os olhos
De cobiça
Que atiro
Sobre ti,
Teu verbo/teu sexo:
Tua presa
de
marfim.
……………………………………………………
Eu celebro
a máquina
do teu nome,
engrenagem
de letras e afeto,
solidão inaudita
do meu próprio
esquecimento.
Eu celebro
o teu corpo
e nele tudo
o que é ausência
de mim
mesmo,
tudo
o que em ti
é pedra,
animal extinto,
silêncio absoluto
de uma tarde
presa na memória.
Eu celebro
os vestígios,
os fragmentos,
as ruínas,
a completude,
que inventamos
sendo apenas estilhaços.
Eu celebro o amor,
a impossibilidade.
Rubens Jardim,
67 anos, jornalista e poeta. Foi redator chefe Gazeta da Lapa e
trabalhou no Diário Popular, Editora Abril e Gazeta Mercantil.
Participou de várias antologias e é autor de três livros de poemas:
ULTIMATUM (1966), ESPELHO RISCADO (1978)e CANTARES DA PAIXÃO (2008).
Promoveu e organizou o ANO JORGE DE LIMA em 1973, em comemoração aos 80
anos do nascimento do poeta, evento que contou com o apoio de Carlos
Drummond de Andrade, Menotti del Picchia, Cassiano Ricardo, Raduan
Nassar e outras figuras importantes da literatura do Brasil. Organizou e
publicou JORGE, 8O ANOS - uma espécie de iniciação à parte menos
conhecida e divulgada da obra do poeta alagoano. Integrou o movimento
CATEQUESE POÉTICA, iniciado por Lindolf Bell em 1964, cujo lema era: o
lugar do poeta é onde possa inquietar. O lugar do poema são todos os
lugares... Participou da I Bienal Internacional de Poesia de Brasília
(2008) com poemas visuais no Museu Nacional e na Biblioteca Nacional.
Fez também leituras no café Balaio, Rayuela Bistrô e Barca Brasília. E
participou da Mini Feira do Livro, com o lançamento de Carta ao Homem do
Sertão, livro-homenagem ao centenário de Guimarães Rosa. Teve poemas
publicados na plaquete Fora da Estante, (2012), coleção Poesia Viva, do
Centro Cultural São Paulo. Páginas na Internet: Site: Rubens Jardim e Facebook: Rubens Jardim
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