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Porque cartas de amor não são ridículas [Raquel Castro]

Porque cartas de amor não são ridículas



Sempre senti uma atração irresistível por cartas. Quando criança, esperava efusivamente o carteiro bater à porta. Abria o envelope com todo o cuidado e lia a carta lentamente pra não acabar logo o prazer que sentia em receber esse “carinho escrito”. Já adulta, passei a ler com o mesmo prazer de criança as cartas de outros autores e descobri certo voyeurismo nesse ato um tanto clandestino. Ficava feliz ao partilhar da intimidade de um estranho que de repente se revelava meu melhor amigo, meu cúmplice nas paixões da vida. Confesso que sou um pouco romântica, embora nem sempre admita, então, vejo nas missivas algo particular, inusitado e anacrônico que me atrai.

Gosto de todos os tipos de cartas, sobretudo, as cartas de amor. Lembro-me de histórias como Abelardo e Heloísa, Mariana Alcoforado, Cyrano de Bergerac. Romances imperfeitos, amores idealizados, desejos não concretizados. Gosto porque são atemporais, porque revelam nuances do ser humano, porque, com alguma ressalva, podemos nos apropriar dessas cartas como se fossem nossas, e isso tampouco as desmerece ou nos torna amorais. Quem nunca se apropriou de uma frase, de uma música ou de um verso para expressar o que o silêncio insiste em reter no peito e a boca não consegue traduzir em palavras? É exatamente o que faço com esta carta que encontrei embaixo de uma das gavetas do armário e transcrevo aqui. O que me toca nela é a sua simplicidade, que consegue reter nas coisas ordinárias do dia a dia a felicidade e a presença da pessoa amada.

Pensei em algo pra te dizer, mas tudo importante já foi dito por nós dois. Ainda assim, queria escrever, como ato contínuo e tradicional entre nós, toda vez que você viaja. Olho o jardim e desejo que pra onde você for tenham muitas plantas bonitas, porque a beleza alegra a alma. Desejo que tenha sol e céu azul pra animar suas tardes e que chova de vez em quando pra limpar a terra, o ar e os corações. Desejo que não haja problemas, mas, se houver, que você saiba resolvê-los. Desejo que não fique triste e que não tenha medo de sair pela cidade e, assim, veja as belezas locais e compre umas lembrancinhas pra mim e pra nossa casa. Desejo que o tempo passe logo para nossa saudade, mas que tenha o tempo certo para tudo o que temos que fazer. Desejo que, onde você estiver, veja muitos pássaros e flores pra fotografar e que a gente possa procurar os nomes e ficar muito tempo falando sobre o assunto. Desejo que não fique solitário, mas se ficar, que você sinta meu calor, meus braços entorno de você, minha língua suave na tua nuca, meus beijos em tua face. Desejo que, à noite, você durma bem, como aqui. Que você seja capaz de imaginar meus cafunés e minhas pernas nos seus quadris. Desejo que a lembrança do meu sorriso ilumine as tardes de tédio e que as nossas bobeiras te façam rir sem motivo. Desejo-lhe muitos amigos, conversa fiada e cerveja no bar. Desejo que você ouça Nando Reis e músicas latinas pra gente estar sempre juntinho. Desejo-lhe mais churrascos e almoços em família, caminhadas na Lagoa, peixe na Brisa, fotos na Floresta da Tijuca e pôr do sol na Praia Vermelha. Desejo-lhe todo o amor que houver nessa vida.

E eu desejo que tenha sempre alguém disposto a escrever cartas de amor. E você, o que deseja?

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