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21 Gramas e a Lei da Compensação: dois dedos de prosa sobre destino e manipulação [Wuldson Marcelo]

21 Gramas e a Lei da Compensação: dois dedos de prosa sobre destino e manipulação

No filme “21 Gramas” (2003), de Alejandro Gonzáles Iñárritu, um dos pontos centrais é entender a idéia de compensação. Compensação que também se destaca como leitmotiv da produção brasileira, “2 Coelhos” (2012), de Afonso Poyart. Em “Dois Coelhos”, a busca pela justiça às ofensas cometidas surge a partir de artifícios e manipulações em uma trama que mistura ação e suspense policial.  Edgard (Fernanda Alves Pinto) atropela e mata a esposa e a filha de Walter (Caco Ciocler). Inocentado, ele vai para os Estados Unidos. Em seu retorno, coloca em ação o plano de vingança que elaborou contra aqueles que contribuíram para a sua não condenação. Plano que envolve a advogada Júlia (Alessandra Negrine), com a qual Edgar tem um caso amoroso.  “21 Gramas”, com sua narrativa não linear, fragmentária, na qual a passagem do tempo é marcada pela decomposição física das personagens, versa sobre a compensação em termos daquilo que se ganha ou se perde no decorrer dos acontecimentos. 21 gramas é o peso que o corpo perde depois que morremos. É o peso de um beija-flor e de cinco moedas de cinco centavos. Na trama, Paul Rivers (Sean Penn), que tem um grave problema cardíaco, está na fila para um transplante de coração, e acaba recebendo o órgão do marido de Cristina Peck (Naomi Watts), que morreu junto com as duas filhas do casal, após ser atropelado por Jack Jordan (Benício Del Toro), um ex-presidiário que encontrou na religião o alicerce para sua recuperação. Um acidente liga às três personagens, cada qual passa a viver mergulhado em seu próprio tormento particular. Paul quer saber quem foi seu doador e assim descobre Cristina, que está entregue à incompreensão e à autodestruição. Jack procura na justiça dos homens a resposta para aprovação que supostamente Deus lhe está impingindo. Preso, Jack começa a contestar os “rabiscos” divinos em relação à vida dos seres humanos. Afinal, se Deus escreve certo por linhas tortas, como essa certeza dos planos infalíveis de Deus envolve a morte de duas crianças? A dor percorre “21 Gramas” na maioria de seus frames. Assim o apaziguamento precisa aparecer de alguma forma ou de outra. Paul conhece, envolve-se e se apaixona por Cristina, que está tomada pela ideia de vingança. A autodestruição, a dor, a incompreensão encontram o desejo de vingança, que carrega em seu cenho uma correção pela justiça negada. Ideia vista, também, em “Entre Quatro Paredes” (2001), de Todd Field, na qual um pai e uma mãe (Tom Wilkinson e Sissy Spacek), diante do peso da injustiça e da inutilidade na crença nos meio legais, percebem na vingança uma retribuição para o dolo sofrido: o assassinato de um filho brilhante, na flor da idade, por um homem ciumento e extremamente brutal.

Se em “2 Coelhos” e “Entre Quatro Paredes” o plano de compensação ou de justiça é arquitetado, de forma meticulosa, pelos agentes ofendidos ou pelo infrator à procura da punição que não recebeu, em “21 Gramas” a relação matemática e o destino parecem agir para mover as peças, realizando encontros e “ a coisa deve ser assim” que percorre nossa jornada. No poema, do venezuelano Eugenio Montejo, que Paul recita para Cristina em um restaurante, “A Terra girou para nos aproximar,/ girou ao redor de si mesma e dentro de nós,/ até que finalmente nos uniu neste sonho.”, parece indicar uma ordenação no universo para justificar mesmo o dilaceramento por uma dor pungente, de algum modo sentido como irreversível. Assim, a compensação seria uma lei inscrita na natureza, da qual não poderíamos fugir. Assim como a morte, a compensação traz em si a inevitabilidade, seja com um percurso de autodestruição ou pela busca de redenção.

Mas em “21 Gramas” compreender o que cada ação trará como consequência nos faz perceber que, independentemente se for o acaso ou destino a agir, no fim a recuperação daquilo que foi perdido talvez não seja dada por uma compensação total, repleta das alegrias anteriores, mas uma devolução possível, construída por percalços, novas dores e por uma compreensão improvisada, na verdade, aceita como uma jornada necessária a um inferno compartilhado à força pelas teias das circunstâncias. Paul, que vê a morte cada vez mais de perto, devido à rejeição do seu organismo ao coração transplantado, autossacrifica-se para que a autodestruição de Cristina não seja completa com o assassinato de Jack, assim realizando a desejada vingança disfarçada de justiça. A compensação em “21 Gramas” está na nova vida que será gerada (por Cristina) ou na volta para o lar (de Jack). Paul, que em vida não teve filhos, terá dois após sua morte, um de modo natural e outro in vitro (com sua antiga companheira, que tem permissão de usar seu sêmen em uma futura inseminação). Desse modo, como num soneto de Shakespeare, a maneira de vencer a passagem do tempo está em nossa prole, que dará continuidade ao jogo da vida. A compensação pela perda é o ganho de um novo ciclo e a capacidade de perdoar e, também, a chance de continuar a vida, vivenciando-a de modo diferente, perdoando-se, mas jamais esquecendo.

“Somos nossa memória
Somos esse quimérico museu de formas inconstantes,
Essa pilha de espelhos rotos”.

“Cambridge”, de Jorge Luis Borges em “Elogio da Sombra” (São Paulo: Globo, 2001, p. 26).


Wuldson Marcelo é mestre em Estudos de Cultura Contemporânea e graduado em Filosofia (ambos pela UFMT). É revisor de textos, autor do livro de contos “Subterfúgios Urbanos” (Editora Multifoco, 2013) e um dos organizadores da coletânea “Beatniks, malditos e marginais em Cuiabá: literatura na Cidade Verde” (no prelo, Editora Multifoco).

Um comentário

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