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Cheiro de terra molhada [Vinícius H. Masutti ]

Cheiro de terra molhada

A manhã hoje está fresca. Amanheceu com cheiro de chuva, aquele cheiro que sentimos quando criança, de terra molhada. 

Ah, a terra molhada...me traz boas lembranças este cheiro inconfundível. 

É melhor aproveitar enquanto há terra por perto. Não vai demorar muito para que ela seja coberta por concreto. 

Quando isso acontecer, não haverá mais manhãs como esta. Porque concreto quando molha, não tem o cheiro nostálgico de terra umedecida. Aliás, não tem cheiro algum. 

Será triste o dia em que o aroma inebriante da terra não estará nem na memória das pessoas. Nascidas e criadas em meio á barras de ferro, cimento e gesso, não terão lembranças de terra molhada, e nem se importarão. Uma pena.

Quando a manhã surge assim, úmida e calma, o café de todo dia, tem mais sabor, e seu aroma se mistura ao da terra e os dois convergem de maneira impressionante, o que causa um relaxamento natural. Porque estamos sentindo a terra e o café, que nasceu da terra e que portanto traz com sigo também o cheiro de terra. Mas isso vai acabar...

Com café fresco na xícara, e a manhã fresca de chuva, é inevitável para mim lembrar de um bom som, para acompanhar os aromas. Coloco um bom e velho blues, no computador e não na vitrola como gostaria. Não haverão mais vitrolas, nem terras num futuro próximo.

Penso em guardar um pouco da terra que molhou hoje, em algum pote, para quem sabe mostrar para as próximas gerações (pelo menos as minhas) como era a terra e o cheiro dela molhada. Talvez isso possa ativar algum instinto primitivo nas futuras crianças e elas possam se lembrar de como eram as coisas naturais. Também vou guardar um pouco do café que tenho hoje. Porque não me surpreenderia se num breve futuro, o café se torne artificial, feito num laboratório...ou algo do tipo.

Não entendo o motivo do afastamento do homem da natureza. Com a pobre desculpa de buscar a evolução tecnológica, este animal chamado homem (afinal, o homem deu nome á todos os animais, como disse Bob Dylan) escapa á seu próprio princípio. Um ser natural que tenta ostensivamente e lamentavelmente se desnaturalizar. 

Antigamente, junto com o cheiro de terra molhada, também ouvia pássaros, saudando a chuva, mas hoje não ouvi nenhum. Isso é um péssimo sinal.

Por isso, coloquei um bom blues, para que a guitarra chorosa faça o papel dos pássaros que não estão aqui.

A manhã hoje está fresca, assim como o café que bebo agora e como a música que toca na minha vitrola imaginária. A terra hoje está molhada  e o cheiro dela me traz a nostalgia da infância, e a lembrança de que um dia nada disso será possível. O homem é impossível e impassível.

Aproveite quando a chuva molhar a terra perto de você.


Vinícius H. Masutti - é natural de Pato Branco, Paraná, Brasil. Mas é uma espécie de nômade, pois já viveu no Mato Grosso do Sul e hoje faz seus versos em Cuiabá, Mato Grosso. Lá faz um trabalho de garimpo poético, redescobrindo os poetas daquela terra. Escreve artigos para o jornal "Diário de Cuiabá", o mais antigo do estado. Estuda Filosofia na Universidade Federal do Mato Grosso, porque como gosta de afirmar,  "Filosofia é poesia porque poesia é reflexão". Vinícius pratica poesia e filosofia.

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