Histórias do Primeiro Sexo: Marilyn Monroe e Virgínia Woolf
Marilyn Monroe e Virginia Woolf. Marilyn e Virginia, mulheres de vidas atribuladas, que lutaram por espaço e reconhecimento e que encontraram finais trágicos. Tais percursos são resultados de suas histórias que as aproximam, mesmo que de maneira contestável. As carreiras que tiveram e as escolhas que fizeram para alcançar a notoriedade são pontos que as afastam. Porém, ambas estão unidas no modo como foram exauridas por um mundo hostil à força, ao talento e ao magnetismo femininos. Friedrich W. Nietzsche escreveu a certa altura de seus registros filosóficos que, “Quando as mulheres possuem virtudes masculinas, não há quem resista a elas; quando não possuem virtudes masculinas são elas que não resistem”, o que leva a concluir que as tão aclamadas qualidades femininas de delicadeza, generosidade e de capacidade de resolver conflitos por intermédios dessas duas qualidades citadas, tão alardeadas pelo mercado de trabalho (como algo valorizado por ele), são na verdade forma de consagrar uma ilusão: a da humanização de um sistema bruto em sua essência, o do capitalismo.
Um sistema que se apresenta cada vez mais competitivo (que exige especialistas flexíveis), individualista e que abandona seus retardatários. Ou seja, a sensibilidade perde espaço para um tratamento “rés-do-chão”. Neste mundo, sobrevivem Margareth Thatcher, Dilma Rousseff, Angela Merkel mulheres que na aparência não trazem elementos de simpatia ou sedução. Essas líderes políticas contribuem para a sustentação das relações de poder baseadas em princípios que mantêm os mais fortes (a representação de um mundo engendrado por homens brancos judeu-cristãos oriundos do Mediterrâneo que encontram o imperialismo estadunidense liberal capitalista) no topo da cadeia alimentar político-econômica.
Marilyn e Virginia pertencem a um grupo particular, mas muito comum: a de mulheres femininas que possuíam uma força interna sistematicamente fragilizada por severas estruturas de um mundo conservador, impositivo, pungente em suas interdições, porém hipócrita, pois objetificava a mulher, tornando-a dona de casa ou realizadora de fantasia sexual, ao mesmo tempo em que extraía dela qualquer coisa de apelo comercial. Marilyn e Virginia foram pessoas distintas com destinos semelhantes. Virginia foi uma das principais escritoras e intelectuais do século XX, feminista que sempre pensou a condição da mulher na sociedade ocidental. E Marilyn um mito de beleza e sensualidade eternas. No entanto, tais definições as enclausuram na superfície daquilo que aspiraram e realizaram, as cingem aos mil e um detalhes que percorrem nosso imaginário sobre essas mulheres públicas.
Marilyn Monroe e Virginia Woolf compartilham frustrações e tragédias que se comunicam: ambas sofreram abuso sexual na infância, ambas não poderão realizar o desejo de se tornar mãe e, no fim, ambas cometeram suicídio, depois de algumas tentativas fracassadas. Marilyn, aos 36 anos, vitimada por uma overdose de medicamentos (ingeriu em excesso barbitúrico); a sua morte é cercada por mistérios e teorias conspiratórias devido ao seu caso sexual com os poderosos irmãos Kennedy, John e Bob, respectivamente, Presidente em chefe e senador da república (ambos assassinados no auge da carreira política). E Virginia, aos 41 anos, ceifou sua própria vida nas águas geladas do rio Ouse, na Inglaterra, após encher os bolsos com pesadas pedras que a impediram de submergir. Ambas estiveram ligadas, também, pela depressão, por uma hipersensibilidade e por inúmeros medos.
Segundo o principal biógrafo de Virginia Woolf, Quentin Bell, que era seu sobrinho (filho de sua irmã Vanessa), a escritora era uma mulher competitiva, porém insegura, que nutria receios da crítica, mas que criou obras memoráveis, mesmo que acossada por esse pavor da reprovação. Ainda conforme Bell, Virginia não percebia valor em escritores de sua época – pelo menos não publicamente –, como, por exemplo, James Joyce; talvez por revanchismo ou por uma análise aguçada. A autora de obras-primas como “Mrs. Dalloway” (1925), “Passeio ao Farol” (1927) e “As Ondas” (1931), teve relações, ou melhor, ligações românticas com mulheres, mas segundo seu sobrinho-biógrafo, não houve consumação do desejo carnal com nenhuma delas, pois Virginia entendia o intercurso sexual como algo quase abominável. Porém, apesar disso, nunca afastou de si a vontade de ser mãe. Consta que Leonard Woolf, marido de Virginia e sócio dela na Editora Hogarth Press, considerava temerário uma mulher com a instabilidade psicológica da escritora ter filhos. Apesar de todas as frustrações, Virginia deixou uma enorme contribuição para o desenvolvimento do fluxo da consciência na literatura, e para a crítica da situação da mulher em uma civilização opressora vários ensaios e resenhas.
A deslumbrante atriz de “Nunca Fui Santa” (1956) e “Quanto Mias Quente Melhor” (1959) foi uma mulher problemática, melancólica e ávida pelo reconhecimento de seu talento artístico. De certa forma, Marilyn construiu (ao mesmo tempo em que uma Hollywood, uma mídia, um público estavam à procura de algo etéreo, mas de carne e osso, para perseguir e adorar) sua imagem sobre as vantagens de ser tratada como um símbolo sexual, entretanto, à margem da respeitabilidade como atriz que sempre pretendeu (e merecia por atuações como em “O Príncipe Encantado”, de 1957, ao lado de Laurence Olivier, que lhe rendeu o prêmio o David di Donatello, maior honraria do cinema italiano). Marilyn Monroe fora (é) a essência do sexo nas telas de cinema e diferentemente de Virginia Woolf, a exuberante loira, casada três vezes, gostava de sexo e não prescindiu dele como arma, pois abusava de seus atributos físicos para conquistar e de sentir desejada. Segundo Anne Plantagenet, “Marilyn Monroe vai para a cama com todo mundo. Enquanto seu corpo ainda puder servir. Ela precisa ter a prova de que os homens ainda a desejam” (Marilyn Monroe. Porto Alegre: L&PM, 2011, p. 193). No entanto, o furacão sexual Marilyn escondia uma proeminente inteligência (no caso, a indústria do cinema, os tabloides e a voracidade da cobiça masculina pelo corpo da atriz geravam o bloqueio para tal aparição), a necessidade de ser amada e de não ser apenas uma “boneca de carne”. Na verdade, não escondia, gritava por essas necessidades. Mas num mundo movido por mitos e escândalos que a alimentam, a indústria das celebridades encontrou em Marilyn Monroe um “prato cheio”. A mulher frágil, elegante (sim, Marilyn, na vida real, era uma pessoa invulgar), inteligente (que não conseguiu provar isso aos seus detratores e aos milhares de fãs que cultuaram apenas o símbolo da beleza) e deprimida recebeu a possibilidade de uma releitura – e o mito ganhou novos componentes para reafirmar seu status de imortal – com o lançamento, em 2010, de “Fragmentos – Poemas, Anotações e Cartas de Marilyn Monroe” (no Brasil, editado pela Tordesilhas), que apresenta os pensamentos, as poesias e a visão de mundo da atriz. Além mostrá-la como leitora de Albert Camus, Joseph Conrad, James Joyce entre outros. Uma chance para compreendermos que as aspirações de alguém nem sempre encontram ressonância na vida em que se pôde/conseguiu construir. Marilyn fora vítima do star system assim como eleita por ele, e quando sua privacidade confundiu-se com sua figura pública seus traumas e desejos incorporaram-se à mulher frágil, na qual a maioria só enxergava futilidade e apelo sexual. No fim, os traumas venceram os desejos.
Simone de Beauvoir em “O Segundo Sexo” escreve que “O privilégio econômico detido pelos homens, seu valor social, o prestígio do casamento, a utilidade de um apoio masculino, tudo impele as mulheres a desejarem ardorosamente agradar aos homens. [...] Disso decorre que a mulher se conhece e se escolhe, não tal como existe para si, mas tal qual o homem a defini” (Ed. Nova Fronteira, s/d, p. 177). No mundo contemporâneo, centenas de mulheres quebram diariamente esse paradigma erigido num mundo masculino denunciado com perspicácia por Simone de Beauvoir. Virginia Woolf não percebeu no casamento uma fuga, um trunfo ou uma necessidade, na verdade, ela se recusava a casar. Porém, mais tarde uniu-se a Leonard, em quem encontrou um companheiro. Marilyn Monroe imaginava o casamento ideal, o perseguiu e encontrou três matrimônios que faliram ruidosamente. Virginia procurou romper barreiras e derreter grilhões que obstruíam o reconhecimento da vocação feminina para qualquer atividade que uma mulher pretendesse exercer. Já Marilyn buscava a aceitação, um olhar de compreensão e um amor cúmplice, afetivo, que saberia conviver com a mulher complexa, frágil e autocrítica e com o símbolo sexual que planejava aos poucos superar esse status.
Ambas, Marilyn e Virginia sabiam que pertenciam a um mundo em que o homem assumia a prerrogativa (gerada pela imposição física – discursiva, certamente, mas os argumentos eram respaldados no apelo da força corporal) pelas escolhas das mulheres, mas elas, cada uma a seu modo, encontraram formas de se infiltrarem nesse universo, que controla os desiderativos femininos, marcas de uma potência criadora (Virginia) e de sedução que vai além da carga erótica de um mito (Marilyn). Contudo ambas eram depressivas, solitárias, possuíam medos irreversíveis e sucumbiram à atração pela morte. Mas esse ponto as elevou ao panteão das mulheres que deixaram um registro de vida e obra que desmascara um mundo avesso e adverso à fragilidade da beleza e à beleza da fragilidade (tanto a inteligência quanto a beleza feminina são vistas com desconfiança, e, geralmente, dissociadas por esse gigante devorador de sonhos que é o capitalismo, o que vale dizer, um sistema cruel que engendra interdições e pune aqueles que se recusam a se render a ele).
Nota de curiosidade: Em 1939, Virginia Woolf se encontrou com Sigmund Freud num salão do bairro de Hampstead, em Londres. E Marilyn Monroe consultou-se com Anna Freud, filha do próprio pai da psicanálise.
Observação: Se são as mulheres que possuem a capacidade de gerar as crianças, elas são o Primeiro Sexo, pois sem as fêmeas os machos não povoariam a Terra (e nem teriam a chance de manchá-la com sangue). E por favor, sem história de costela que dá a vida à Eva, a modo de refutação.
Wuldson Marcelo, corintiano apaixonado por literatura e cinema, nascido em 1979, em Cuiabá, que possui Mestrado em Estudos de Cultura Contemporânea e graduação em Filosofia (ambos pela UFMT). É revisor de textos e autor de dois livros de contos que estão entre o prelo e o limbo, “Obscuro-shi” e “Subterfúgios Urbanos”.
Assinar:
Postar comentários
(
Atom
)
Nenhum comentário
Postar um comentário