INQUILINO INESPERADO E SEM FIADOR
Locador tem sempre um pé atrás com o locatário.
Parafraseando Vinicius: Locatários? Melhor não tê-los! Mas se não os temos como
sabê-los?
A história se repete. A gente reforma, dá uma geral na
casa toda: tapa os buracos dos quadros pendurados nos pregos dos tempos idos;
pinta as paredes descoradas pelos escaldantes sóis que invadiram as frestas das
cortinas do ressentimento e os tetos que foram manchados pelas infiltrações dos
pensamentos embolorados do passado; raspa e passa novamente o sinteco nos pisos
desgastados tentando camuflar as tantas pisadas em falso.
A gente troca todas as maçanetas na expectativa de que
as pegadas das mãos do futuro deixem marcas bem melhores que as de ontem; muda
as fechaduras para trancar os ladrões da nossa felicidade do lado de fora; lixa
e encera as portas e os batentes para que a saudade – incomodada com o cheiro
da cera – vá bater em outra freguesia.
A gente substitui o tampo quebrado da privada, evitando
lembrar de todas as merdas já acontecidas; troca também as torneiras, pensando
em dar mais vazão aos sonhos e sentimentos. Até chuveiro novo a gente compra,
torcendo para que o amanhã não seja habitado por aquela mesma água de costume.
Mas, de repente, como quem não quer nada, ela chega bem devagarzinho, olha
profundamente em nossos olhos, provoca tremores, embaraça os nossos cílios,
ofusca a nossa realidade e entra, fazendo moradia em nosso peito como um sem-terra.
E o que é pior, sem qualquer fiador e nem pagar aluguel.
Ah! A paixão – esse inquilino inesperado – é assim
mesmo: simplesmente vai chegando, e pouco a pouco se acomodando em cada um dos
cômodos do nosso coração feito enchente, danificando as nossas paredes,
abalando o nosso chão, provocando curto circuito em todas as nossas instalações
sentimentais. E de uma hora para a outra, sem mais nem menos, vai embora,
deixando novamente toda a casa na mais perfeita desordem.
Geraldo Trombin é publicitário, colunista dos blogs
ContemporArtes e BDE (Bar do Escritor), e colaborador do jornal “O Liberal”, de
Americana/SP. Lançou em 1981 “Transparecer a Escuridão”, produção independente
de poesias e crônicas, e em 2010 “Só Concursados - diVersos poemas, crônicas e
contos premiados”. Tem classificações em inúmeros concursos literários
realizados em várias partes do país e também em Portugal, além de trabalhos
publicados em jornal e diversas antologias.
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