NELSON
RODRIGUES: CINQUENTA F(R)ASES (I)MOR(T)AIS
Não há um único e escasso personagem de romance, neste
País, que saiba cobrar um escanteio.
A educação sexual só devia ser dada por um veterinário.
Invejo a burrice porque é eterna.
O dinheiro compra até o amor verdadeiro.
O jovem tem todos os defeitos do adulto e mais um: o da
imaturidade.
Todo tímido é candidato a um crime sexual.
O casamento já é indissolúvel na véspera.
O gozo é uma mijada.
Só acredito nas pessoas que se ruborizam.
Tudo passa, menos a adúltera. Nos botecos e nos
velórios, na esquina e nas farmácias, há sempre alguém falando nas senhoras que
traem. O amor bem-sucedido não interessa a ninguém.
Há na aeromoça a nostalgia de quem vai morrer cedo.
Reparem como vê as coisas com a doçura de um último olhar.
Com sorte, você atravessa o mundo. Sem sorte, você
atravessa a rua.
Deus está nas coincidências.
Sou contra a pílula, e ainda mais contra a ciência que
a inventou; a saúde pública que a permite; e o amor que a toma.
O brasileiro, quando não é canalha na véspera, é
canalha no dia seguinte.
Deus só frequenta as igrejas vazias.
A cama é um móvel metafísico.
Amar é ser fiel a quem nos trai.
Todas as mulheres deveriam ter catorze anos.
Assim como há uma rua Voluntários da Pátria, podia
haver uma outra que se chamasse, inversamente, rua Traidores da Pátria.
A liberdade é mais importante do que o pão.
A grande vaia é mil vezes mais forte, mais poderosa,
mais nobre do que a grande apoteose. Os admiradores corrompem.
As feministas querem reduzir a mulher a um macho
mal-acabado.
Toda unanimidade é burra.
Se todos conhecessem a intimidade sexual uns dos
outros, ninguém cumprimentaria ninguém.
O artista tem que ser gênio para alguns e imbecil para
outros. Se puder ser imbecil para todos, melhor ainda.
Não acredito em honestidade sem acidez, sem dieta e sem
úlcera.
A mais tola das virtudes é a idade. Que significa ter
quinze, dezessete, dezoito ou vinte anos? Há pulhas, há imbecis, há santos, há
gênios de todas as idades.
Considero o filho único um monstro de circo de
cavalinhos, um mártir, mártir do pai, mártir da mãe e mártir dessas
circunstâncias. As famílias numerosas são muito mais normais, mais inteligentes
e mais felizes.
A Europa é uma burrice aparelhada de museus.
Entre o psicanalista e o doente, o mais perigoso é o
psicanalista.
A plateia só é respeitosa quando não está entendendo
nada
Não reparem que eu misture os tratamentos de tu e você.
Não acredito em brasileiro sem erro de concordância.
O que dá ao homem um mínimo de unidade interior é a
soma de suas obsessões
A maioria das pessoas imagina que o importante, no
diálogo, é a palavra. Engano, e repito: – o importante é a pausa. É na pausa
que duas pessoas se entendem e entram em comunhão.
Ou a mulher é fria ou morde. Sem dentada não há amor
possível.
A prostituta só enlouquece excepcionalmente. A mulher
honesta, sim, é que, devorada pelos próprios escrúpulos, está sempre no limite,
na implacável fronteira.
O marido não deve ser o último a saber. O marido não
deve saber nunca.
Toda mulher gosta de apanhar. Só as neuróticas reagem.
Ah, os nossos libertários! Bem os conheço, bem os
conheço. Querem a própria liberdade! A dos outros, não. Que se dane a liberdade
alheia. Berram contra todos os regimes de força, mas cada qual tem no bolso a
sua ditadura.
Um filho, numa mulher, é uma transformação. Até uma
cretina, quando tem um filho, melhora.
No Brasil, só se é intelectual, artista, cineasta,
arquiteto, ciclista ou mata-mosquito com a aquiescência, com o aval das
esquerdas.
Não se apresse em perdoar. A misericórdia também
corrompe.
O padre de passeata é hoje, uma ordem tão definida, tão
caracterizada como
a dos beneditinos, dos franciscanos, dos dominicanos e qualquer
outra. E está a serviço do ódio.
Acho a velocidade um prazer de cretinos. Ainda conservo
o deleite dos bondes que não chegam nunca.
Todo ginecologista devia ser casto. O ginecologista
devia andar de batina, sandálias e coroinha na cabeça. Como um são Francisco de
Assis, com a luva de borracha e um passarinho em cada ombro.
As grandes convivências estão a um milímetro do tédio.
O amor entre marido e mulher é uma grossa bandalheira.
É abjecto que um homem deseje a mãe dos seus próprios filhos
Outrora, o remador de Bem-Hur era um escravo, mas
furioso. Remava as 24 horas por dia, porque não havia outro remédio e por causa
das chicotadas.
Mas, se pudesse, botaria formicida no café dos tiranos.
Em nosso tempo, o socialismo inventou outra forma de escravidão: a escravidão
consentida e até agradecida.
Toda a história humana ensina que só os profetas
enxergam o óbvio.
Em muitos casos, a raiva contra o subdesenvolvimento é
profissional. Uns morrem de fome, outros vivem dela, com generosa abundância. Antigamente,
o silêncio era dos imbecis; hoje, são os melhores que emudecem. O grito, a
ênfase, o gesto, o punho cerrado, estão com os idiotas de ambos os sexos.
O "homem de bem" é um cadáver mal informado.
Não sabe que morreu.
Raul J.M. Arruda Filho,
Doutor em Teoria da Literatura (UFSC, 2008), publicou três livros de
poesia (“Um Abraço pra quem Fica”, “Cigarro Apagado no Fundo da Taça” e
“Referências”). Leitor de tempo integral, escritor ocasional, segue a
proposta por um dos personagens do John Steinbeck: “Devoro histórias
como se fossem uvas”.
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