Positividade
Na flor da idade, a vida
em flor, olhando as flores pelos jardins que se espalhavam pela cidade, aos
vinte e poucos anos vivia em plena primavera.
Experimentava as delícias
dessa estação como se jamais fosse chegar ao outono ou ao inverno.
Planejava, no máximo, seus
verões, tão quentes quanto a temperatura em meios aos seus lençóis cúmplices.
Quentes como os seus sonhos de muitas noites de verão. Quentes como versos de
Hilda Hilst, lidos na companhia de vinhos e carícias de igual teor de força, de
calor, uma equidade rara, muitas vezes incompreendida por quem apenas olhava
pela janela. Uma homogeneidade que por ser incompleta, se completava.
Caminhava assim em sua
primavera. Ah, a flor da idade... era um poema de Drummond, era um quadro de
Van Gogh. Era vida, viva, plena. Uma vida repleta de desejos cintilantes que
lhe pulsavam na carne. Possuía olhos descobridores. Entregava-se com uma nau à
deriva pelos mares de surpresas, vagando pelas ilhas de novos sentimentos e
sensações, transformando-se em terras nunca desbravadas só pelo prazer de
sentir-se (re)descobrindo-se a si.
Tinha o privilégio de
caminhar sob um céu tão azul que chegava a enjoar. E sob ele sonhava sonhos de
outros céus. Outros caminhos, outras portas. Dessas portas que se encolhem,
como se fosse possível experimentar o líquido mágico de Alice e encolher.
Desejava ficar do tamanho microscópico. Desejava ser minúsculo em carne e osso,
mas grande em essência, conhecimento. Diminuir para aumentar de tamanho deveria
ser uma boa teoria: pelo menos não era a mesma
usada por todos os outros.
Mas em toda primavera, há
tardes chuvosas. As flores precisam de água. A água salva. A água lava. Água
límpida e transparente. De sal, de suor, de lágrimas. E um céu nublado. Que
parecia anunciar maus agouros. Parecia fim. Parecia fim de estrada, fim de
romance, fim de férias, fim de domingo. Um fim desses dolorosos. Desesperançoso.
Triste fim, quase como o de Policarpo, com uma dose muito maior de drama. Era
drama real, talvez. era um drama.
Era um fim. Mas os fins
costumam ser anunciados de modo triste, em aura carregada, num ar pesado como
chumbo que não se adapta bem nas narinas e esse fim vinha embrulhado. Era um
papel tão branco. Podia ser um evangelho qualquer. E era. Só não havia sido
lido como deveria.
No meio da primavera, a
chuva. Uma tempestade. Reviravoltas. Cristais no chão. Diamantes perdidos no
tempo e no espaço como se o final feliz pra sempre terminasse ali, diante dos
olhos embotados.
Pelos olhos transbordantes
corriam cachoeiras de revolta, medo, raiva, tristeza, desespero, insegurança e
solidão. Fez um oco no meio do peito. Arrancaram-lhe parte da seiva essencial
para a vida. Ceifaram-lhe a cor dos dias. E tudo passou a ser branco. Um branco
quase fúnebre. Porque o negro era denso demais pra ser sentido. O branco era
tudo o que lhe caia bem: branco do papel, da paz que perdera naquele momento,
dos sonhos esmorecidos, das desistências corajosamente tomadas em atos
covardes. O branco que preencheu o vão entre o que era e o que queria. O branco
dos questionamentos, das interrogações, das dúvidas e da eterna pergunta: e o
amanhã, virá?
Como gigante fragilizado
quedou-se de joelhos e perdeu-se em pensamentos, orações – Deus há de ouvir a
prece dos corações partidos – e dormiu. Em seus sonhos tão reais quanto podiam
parecer, fugiu. Foi pairar debaixo de outro céu, mas da mesma cor de antes. Não
adiantou. O branco do papel sempre o perseguia, dessa vez, estampado nas nuvens
do céu.
Restou-lhe só a
redescoberta do branco: que podia muito bem ser o início de vida nova, de nova
estação. Uma pausa na primavera, uma poda, uma reflexão um pouco mais severa do
que para os outros mortais, mas vestida da única certeza que temos nessa vida:
o pra sempre, sempre tem o seu fim. E colorir o caminho está nas suas mãos, sob
o controle de suas escolhas e cores. O branco do papel que antes era terror,
fez-se tela nova, para novas possibilidades e novos caminhos, novas
intensidades e a certeza de que revelações fortes só surgem diante dos olhos
que são capazes de ver a positividade como ela é: oportunidade de se viver mais
e melhor, consciente de sua busca.
Dy Eiterer. Juiz de Fora, Minas Gerais, Brasil. Edylane é Edylane desde 20 de novembro de 1984. Não ia ter esse nome, mas sua mãe, na última hora, escreveu desse jeito, com "y", e disse que assim seria. Foi feito. Essa mocinha que ama História, música e poesia hoje tem um príncipe só seu, seu filho Heitor. Ela canta o dia todo, gosta de dançar - dança do ventre - e escreve pra aliviar a alma. Ama a vida e não gosta de nada morno, porque a vida deve ser intensa. Site:Dy Vagando
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