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L.Rafael Noli - [Poeta Brasileiro]


L. Rafael Nolli nasceu em Araxá, estado de Minas Gerais, no ano de 1980. Publicou de forma independente o livro de poemas “Memórias à Beira de um Estopim”. Tem poemas publicados em diversas coletâneas e publicações especializadas. Encontra-se no prelo “Comerciais de Metralhadora”, a ser lançado no segundo semestre de 2010. Na década de noventa, militou no movimento estudantil, em um período de grandes transformações. Atualmente, leciona as disciplinas de história e geografia para o ensino médio. Pode ser lido no blog Stalingrado III www.rafaelnolli.blogspot.com
Contatos: nolli@bol.com.br
Balada homicida

É preciso matar o vizinho com um tiro de fuzil,
antes que ele compreenda os textos sagrados
e venha, como irmão, a seu lar,
comer do seu pão e beber do seu vinho.

É preciso degolar os amigos,
ou enforcá-los em seus cadarços

(eles não usam gravatas),
antes que eles entendam Marx,
decretem o fim da era dos desiguais...
e venham exigir que você participe do combate,
deixando para trás sua coleção de tampinhas
de refrigerantes
e de caixinhas de Malrboro.

É preciso matar os homens
– contrariando Drummond –
antes que eles entendam a poesia que há nas coisas
e comecem a distribuí-la em seus gestos diários.
Assassiná-los antes que liguem para a sua casa
e convidem-no para ver a lua
ou um mosquito de Proust,
retirando você de seu conforto militar, remediado.

É preciso se matar, sobretudo se matar,
antes que a vida se refaça no interior dos lares
e a alegria volte a corar a face dos homens:
antes que eles se compreendam, venham à sua porta
e a derrubem, por acreditarem-na obsoleta.


Poema # 1

A um toque das mãos ter as pessoas,
ver nossa vida em suas vidas continuada.
Pioneiras que antes de todos foram ao fundo
e dele regressaram com avisos, precauções.

A um toque das mãos ter as pessoas,
ser feliz com elas enquanto transitam –
estendendo a fronteira de nossa alegria
às ruas onde não eram aceitos os nossos passos.

A um toque, para o bem ou para o mal –
ter algo quebrado quando se embrutecem,
ser ferido quando se atracam,
quando se estilhaçam, ter algo partido.

A um toque das mãos ter as pessoas,
poder viver nelas o que não nos foi possível –
em seus pulmões o ar que nos foi recusado.
Seus sonhos e os nossos em uma mesma sala.

A um toque das mãos ter as pessoas,
ver nossa vida em suas vidas continuada.


Poema # 2

: impossível sem quebrar uns ossos,
talvez alguns golpes de navalha na face
(como um imprudente zagueiro
ou um barbeiro louco).

: improvável sem queimar algumas casas,
talvez algumas pessoas em praça pública
(como se fazia em nome de Deus
ou de homens alçados a).

: fora de cogitação sem pessoas,
talvez algumas que não existam
(como aquelas dos romances antigos
ou dos sonhos razoáveis).

: impensável sem amor pela vida,
talvez por uma mulher ou por um cão
(como se vê nos bares à noite
ou na rua aos sábados).


O leão nosso de cada dia
Para Cássio Marcos Amaral

Hoje, sou exatamente aquilo que tenho:
centavos que não compravam felicidade alguma
uma úlcera metafísica,
que não me acompanhará ao infinito
dezenas de poemas sobre a exaltação do homem
e a felicidade tola dos desvairados.

Hoje, sou tudo que tenho:
um sonho de primavera
amadurecendo o coração dos brutos
um gosto de beijo nunca dado
uma iluminação repentina e irremediável
que me levaria ao céu, se o quisesse.

Hoje, nada além dos meus pertences é o que sou:
uma dor de cabeça debutante
migalhas de pão presas à barba
um projeto de poesia
que me remediará de todo o mal do mundo –
depois de escrito me trairá covardemente
por não saber nada além
do que suas palavras dizem.

Hoje, sou exatamente o que tenho:
mas é nu que espero o amanhã.


Inventário de um rio

Às margens desse rio asfixiado,
habitado pela merda expelida das casas
e o ácido excedente das indústrias,
homens pararam por um instante –
testemunharam seus reflexos no espelho
antes de seguir viagem; outros
velaram toda uma noite atrás de um peixe.

Nessas águas espessas,
violentadas pelo óleo das auto-estradas,
oprimidas pelo caldo dos bueiros,
mulheres lavaram a roupa e as mágoas;
outras se aliaram ao corpo do rio
para ajudar as flores a resistirem ao inverno
e os tomates a se rebelarem contra a seca.

Às margens desse rio viciado,
picado pela agulha dos hospitais,
assaltado pela indigestão dos restaurantes,
meninos caçaram animais que por ali se aventuravam,
ou simplesmente ficaram ao vento –
que não tinha o cheiro senão do campo que percorria.


Bilhete Encontrado em um Buquê de Rosas

Se eu não te amasse, te mataria com prazer.
Te esqueceria numa cova rasa, em beira de estrada,
para que cães pudessem lhe desenterrar –
arrastá-la pelo asfalto em pedaços repletos de vermes
e de moscas.

Se eu não te amasse, te jogaria da ponte –
como se lê todos os dias nos jornais –
só para vê-la voar desesperada, sujar o chão
e menstruar a cara de merda dos passantes
e suas blusas impecáveis.

Se eu não te amasse, te sufocaria com o travesseiro
(seria perigoso dormir comigo). Te picaria
com a faca cega da cozinha. Pela noite,
prepararia uma travessa de yakisoba
e me tornaria canibal.

Se eu não te amasse, te atormentaria amiúde.
Faria com que Hitchcock dirigisse os teus
pesadelos. Te acordaria com sussurros de so-
cos no ouvido – se eu não te amasse,
seria isso que eu faria.


IV
28/08/03


Nem parece que há horas atrás carros-bomba e homens-bomba se misturavam nos noticiários, entre propaganda de cigarros e furos de reportagem. A cidade dormente mal lembrava que, entre estilhaços e concretos, o terrorismo consolidava-se dentre os feitos decorrentes do século.
Na cidade noturna, os homens esquecem que os bombardeiros e as balas perdidas são os únicos exemplares de aves que nos restou; que os navios e submarinos são os únicos peixes que nos sobraram.
(Esses homens, quando acordam sobressaltados no meio da madrugada, põem-se a fornicar, por que, para eles, a noite existe somente para se reproduzirem. Esses homens despertarão cedo, antes da alva, como se o amanhã fosse previsível e a morte uma impossibilidade.)

L.Rafael Noli
Todos os Direitos Autorais Reservados ao Autor

Um comentário

jorge vicente disse...

ele é GENIAL!

grande abraço
jorge