Tonho França - [Poeta Brasileiro]
Sobre a madeira calma e antiga
Um oratório barroco, imagens
Candelabros cantam com anjos
Os segredos das vidas e das velas
Em lenta e suave dança de chamas
Aos olhos atentos da Santa,
No aparador da sala de estar
No aparador da sala de estar
Não para a dor de estar
Só...
Tardes
Há tardes em que nossas dores
Não cabem no pote de balas da sala.
E as lágrimas todas brotam
Esvaindo-se em cristais
Coloridos pelas lembranças tantas.
E qualquer verso que eu tentasse
Seria inútil.
Há tardes em que nossas dores
Refugiam-se no recôncavo
Das nossas saudades.
Melhor acender um charuto cubano,
Melhor ouvir um tango,
Melhor viver amanhã.
Café da manhã
Não há poesia
Foste tão antes do dia
O café na mesa servido
Gentilmente me faz companhia
Borrando junto com as lágrimas
A tua fotografia.
Vôo
Descanso meus olhos
num pôr-do-sol vadio e sereno.
A cabeça tonta entorna versos
que eu não contenho.
As ausências tantas dançam à minha frente
um balé do que nunca aconteceu.
Os caminhos que escolhi
não eram meus.
Mais um vinho e vou para casa
mais um vinho e vou
mais um vinho
e vôo
asas.
Saudade
É amanhecer todo dia
insistindo em ver
a mesma fotografia
Abajur
a sombra calada do abajur
Traços claros de um tempo
Que já não é mais.
Onde a música ouvia-se livre
A reluzir nas louças,
Nos vidros antigos da cristaleira.
O mesmo relógio que canta
as horas inteiras, canta as meias-
Badalas parecem eternas,
Ba da la das
Ba da la das
O cachimbo e um vinho do porto
Protegem-me da solidão das pessoas
Mas o mundo ainda parece tão perto
Ba da la das
Ba da la das
A vida foi-se nos olhos claros da madrugada,
Na sombra calada do abajur
Já não mais.
Jaz...
Tulipas amarelas...
(cenas de uma sala ou de uma vida)
Nada entre eu e mim
Se não esse ritmo já tão ouvido
As tulipas amarelas que parecem sorrir
Descansam na porcelana fria do vaso.
O mesmo cachimbo, e tudo que não trago
As paredes projetam tuas formas
O corredor torna-se imenso
Refletido pelas últimas luzes do ocaso,
Nada entre eu e mim
Nada entre eu e mim
Além das pontes invisíveis que atravessamos
Quando ainda éramos nós
A poltrona torna-se imensa,
A vida agora é real demais, algoz
Tudo se foi na tua bagagem
Nos rituais comuns de despedidas,
Meus versos, minha outra face
Nada entre eu e mim
Se não essa suave sensação de fim
Nuances, trincas eternas, seqüelas
Como o vaso onde descansam
Silentes tulipas amarelas...
Vai...
Deixe o tempo na varanda,
Faz o seu dever de casa,
Não espere, a vida cansa,
Não se alcança nada.
Acredite na moça da esquina,
Que leu a sua mão.
Enxuga os olhos na rotina azul
Esgarçada, improvisa um sorriso,
Desce as escadas,
Não repare nos detalhes,
Eles não dizem nada.
Lembra o cheiro das quaresmeiras,
E se conforta.
O destino tem surpresas...
Estão todas depois da porta.
A caixa de música
Está muda, silente solidão
A bailarina de porcelana russa
Está com depressão.
Ventos de solidão...
A solidão rasga as cortinas,
Entorna os vinhos, quebra os tonéis,
Vem pelas escadarias,
Anjos nus em ventanias,
Lava os anéis de todas promessas,
A solidão não tem pressa.
Sangra a poesia,
e os homens ficam assim,
turvos, curvos, mudos...
E as ruas ficam assim,
Cobertas pelo pó de tempo,
Amanhecendo esquecimentos,
Que nunca terão fim.
Confissões
Nos campanários, silentes os sinos,
Nos alpendres, quietas as flores,
Nos olhares, fixas lembranças,
Retinas inertes, imersas, profundas,
Perdidas, aflitas, no azul
Inocente dos olhos,
Procuram insistente,
Por todas as paisagens, paragens,
Nos campanários, nos alpendres,
Nos antiquários, nas avenidas,
Os olhos lavam-se em lágrimas interrogativas,
O que fizeram conosco
O que fizemos conosco
O que fizemos da vida...
Tarde de Outono
O outono deixa em meus olhos
Um tom acinzentado, suave langor
Meus passos mais vagarosos,
Deixa-me mais longe de todos e de mim.
Falsa impressão de frieza.
Essa minha face mais distante,
Mais envelhecida,
Vem do outono,
Esse ar de tristeza.
E a sensação incômoda
Que os poemas que escrevo
Nada tem de alento, de lenitivo
São apenas letras soltas brincando
Com a espuma quente e branca do meu cappucino
Ausência
Sinos ao longe, flores ao norte.
Cinzas ao vento, amores à sorte.
Caminho de mares, reflexo, luares.
Sinos ao longe, flores ao norte.
Sorrisos amanhecendo discretamente,
Entre beija-flores salientes
Bem-te-vis
Estridentes:
Bem-te-vi!
Bem, te vi,
Ausente...
Dos amores...
Há amores que vão para nunca mais...
Há amores que são para nunca mais
Não deixarão de ser amor, jamais,
Como se guardado em cristais,
Entre relíquias, cabedais.
Há amores que vão para nunca mais...
E deixam nos olhos um leve tom lilás
Entornando pores-do-sol
Eterna sensação de azul do cais...
Coração batendo um tom acima
Lágrimas são saudades a mais,
Orvalhando as retinas, meninas
Dançando pelo rosto,
À lembrança que não se desfaz,
Dos amores que vão para nunca mais,
Dos amores que são para nunca mais...
Pontes...
lém da ponte: o poente.
onde a vida naturalmente
serve-nos poesias
Em frágeis copos-de-leite
Tonho França
Todos os direitos autorais reservados ao autor
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