Eliane Potiguara [Escritora, poeta e professora Brasileira]
Contato:
Site pessoal: www.elianepotiguara.org.br
Poesias de Eliane Potiguara
BOCA VERMELHA, guerreiro das cordilheiras
cansado... Repousava adormecido sob o orvalho.
Abriram-lhe os olhos rubros raios solares,
aromas silvestres, canções da mata.
Envolta em folhagens, flores mas sem abrigo...
Cantou-lhe em voz alta e compassada,
uma canção de amor... Mas sem destino:
(porém ele nada dizia e tudo entendia)
- Desperta JURUPIRANGA !
Vem me ver que hoje acordei suada.
Benzo
com o sumo de minha rosa aberta, enamorada,
as manhãs de delírio, completamente cansada
Vem, que te sonhei a noite toda:
Puro, te revelando nas águas do Orenoco,
Sorrateiro, espreitando o massacre de Potosi
Vem, que te sonhei na noite pela PAZ
E teus dedos velozes, a guarânia, tocavam
as vitórias felizes do Império Inca.
Teu rosto estranhava a luz que me envolvia,
porque - recuperado - todo o estanho eu trazia.
Vem, que vou me pintar com urucum
Vou me encher de mil colares
pra te esperar pro ritual
Tenso
está meu corpo ofegante e
penso
no teu cheiro de homem,
no teu corpo de homem,
que me assanha e me esquenta.
Me senta a teu lado,
me toca c’oas mãos
poéticas, tão grandes e musicais
Me espera na hermosa Ponta Porã
E faz tua amante se sentir cunhã
Me roça
Me faz a palhoça
pra eu morar.
Me afoga em teus beijos,
teus quentes desejos
pra que eu veja
um pituã pra nos cantar
Me traz os teus cânticos
Me grita aos ouvidos
compõe a cantiga
que me faz tua AMIGA...
E te deitas em meu colo
que eu toda me enrolo
em teus cabelos românticos
Me aponta teus ventos brabos
de um país roubado,
de tanto sangue derramado,
chamando um xaxado
pro gozo de amar
Que vou bebendo
com muita cadência
o fogo que expele do teu olhar
E nesse momento teus beijos ardentes
explodem contentes
queimando meus lábios,
meus tão fartos lábios
que te fazem delirar
Ah!... Me traz teus quenachos
Pra que eu te dê meus penachos
Assim... Vou-te levando aos Tabajaras
Lá, dormiremos ao som das araras
testemunhando o amor, a oiticica sagrada.
E ungiremos com óleo todas as nossas feridas
Então, tomaremos o mel da manhã
pra que todos os antepassados renasçam
E olharemos pro céu do amanhã
pra que nossos filhos se elevem
e beberemos a água do carimã
pra suportar a dor da Nação acabada
E os POTIGUARAS, comedores de camarão
que HOJE - carentes
nos recomendarão a Tupã.
E te darão o anel do guerreiro - parceiro
E a mim?
Me darão a honra do Nome
A ESPERANÇA - meu homem!
De uma pátria sem fim
agora, chamego!
me cheira,
me faz um churrasco,
me dá chimarrão,
uma saia de chita,
mais um chocalho bonito
pra Zamacueca dos Andes
pro Toré do Sertão
Reparte essa carne-de-sol,
esse baião temperado
que eu tô danada assim...
de amor por esse diabo.
Me dá açaí geladinho
uma rede quentinha
pra nos sonhar agarrados
nas libertas Ilhas Galápagos
Mas Zanzo,
zonza,
ao som do zabumba
ao som das zampoñas,
sob o azul do Amazonas
Benzendo teu coração
Mas chora teu charango latino
tua lhama andina, pelos cantos da cidade,
pelas cidades sem flor
Chora meu ximango sofrido
Porque estou triste aqui.
E juntos, num só instante,
depois de tanto amor incessante
perceberemos INQUIETOS aqui,
o JURUPARIPINDÁ
a separar a todos os loucos Amantes.
Que faço com a minha cara de índia?
E meus cabelos
E minhas rugas
E minha história
E meus segredos?
Que faço com a minha cara de índia?
E meus espíritos
E minha força
E meu Tupã
E meus círculos?
Que faço com a minha cara de índia?
E meu Toré
E meu sagrado
E meus "cabôcos"
E minha Terra
Que faço com a minha cara de índia ?
E meu sangue
E minha consciência
E minha luta
E nossos filhos?
Brasil, o que faço com a minha cara de índia?
Não sou violência
Ou estupro
Eu sou história
Eu sou cunhã
Barriga brasileira
Ventre sagrado
Povo brasileiro
Ventre que gerou
O povo brasileiro
Hoje está só ...
A barriga da mãe fecunda
E os cânticos que outrora cantavam
Hoje são gritos de guerra
Contra o massacre imundo
Parem de podar as minhas folhas e tirar a minha enxada
Basta de afogar as minhas crenças e torar minha raiz.
Cessem de arrancar os meus pulmões e sufocar minha razão
Chega de matar minhas cantigas e calar a minha voz.
Não se seca a raiz de quem tem sementes
Espalhadas pela terra pra brotar.
Não se apaga dos avós - rica memória
Veia ancestral: rituais pra se lembrar
Não se aparam largas asas
Que o céu é liberdade
E a fé é encontrá-la.
Rogai por nós, meu pai-Xamã
Pra que o espírito ruim da mata
Não provoque a fraqueza, a miséria e a morte.
Rogai por nós - terra nossa mãe
Pra que essas roupas rotas
E esses homens maus
Se acabem ao toque dos maracás.
Afastai-nos das desgraças, da cachaça e da discórdia,
Ajudai a unidade entre as nações.
Alumiai homens, mulheres e crianças,
Apagai entre os fortes a inveja e a ingratidão.
Dai-nos luz, fé, a vida nas pajelanças,
Evitai, Ó Tupã, a violência e a matança.
Num lugar sagrado junto ao igarapé.
Nas noites de lua cheia, ó MARÇAL, chamai
Os espíritos das rochas pra dançarmos o Toré.
Trazei-nos nas festas da mandioca e pajés
Uma resistência de vida
Após bebermos nossa chicha com fé.
Rogai por nós, ave-dos-céus
Pra que venham onças, caititus, siriemas e capivaras
Cingir rios Juruena, São Francisco ou Paraná.
Cingir até os mares do Atlântico
Porque pacíficos somos, no entanto.
Mostrai nosso caminho feito boto
Alumiai pro futuro nossa estrela.
Ajudai a tocar as flautas mágicas
Pra vos cantar uma cantiga de oferenda
Ou dançar num ritual Iamaká.
Rogai por nós, Ave-Xamã
No Nordeste, no Sul toda manhã.
No Amazonas, agreste ou no coração da cunhã.
Rogai por nós, araras, pintados ou tatus,
Vinde em nosso encontro
Meu Deus, NHENDIRU !
Fazei feliz nossa mintã
Que de barrigas índias vão renascer.
Dai-nos cada dia de esperança
Porque só pedimos terra e paz
Pra nossas pobres - essa ricas crianças.
Nhendiru: Deus
Mintã: criança
Boto: mamífero marítimo que mostra o caminho
Nosso ancestral dizia: Temos vida longa!
Mas caio da vida e da morte
E range o armamento contra nós.
Mas enquanto eu tiver o coração acesso
Não morre a indígena em mim e
E nem tão pouco o compromisso que assumi
Perante os mortos
De caminhar com minha gente passo a passo
E firme, em direção ao sol.
Sou uma agulha que ferve no meio do palheiro
Carrego o peso da família espoliada
Desacreditada, humilhada
Sem forma, sem brilho, sem fama.
Mas não sou eu só
Não somos dez, cem ou mil
Que brilharemos no palco da História.
Seremos milhões unidos como cardume
E não precisaremos mais sair pelo mundo
Embebedados pelo sufoco do massacre
A chorar e derramar preciosas lágrimas
Por quem não nos tem respeito.
A migração nos bate à porta
As contradições nos envolvem
As carências nos encaram
Como se batessem na nossa cara a toda hora.
Mas a consciência se levanta a cada murro
E nos tornamos secos como o agreste
Mas não perdemos o amor
Porque temos o coração pulsando
Jorrando sangue pelos quatro cantos do universo.
Eu viverei 200, 500 ou 700 anos
E contarei minhas dores pra ti
Oh! Identidade
E entre uma contada e outra
Morderei tua cabeça
Como quem procura a fonte da tua força
Da tua juventude
O poder da tua gente
O poder do tempo que já passou
Mas que vamos recuperar.
E tomaremos de assalto moral
As casas, os templos, os palácios
E os transformaremos em aldeias do amor
Em olhares de ternura
Como são os teus, brilhantes, acalentante identidade
E transformaremos os sexos indígenas
Em órgãos produtores de lindos bebês guerreiros do futuro
E não passaremos mais fome
Fome de alma, fome de terra, fome de mata
Fome de História
E não nos suicidaremos
A cada século, a cada era, a cada minuto
E nós, indígenas de todo o planeta
Só sentiremos a fome natural
E o sumo de nossa ancestralidade
Nos alimentará para sempre
E não existirão mais úlceras, anemias, tuberculoses
Desnutrição
Que irão nos arrebatar
Porque seremos mais fortes que todas a células cancerígenas juntas
De toda a existência humana.
E os nossos corações?
Nós não precisaremos catá-los aos pedaços mais ao chão!
E pisaremos a cada cerimônia nossa
Mais firmes
E os nossos neurônios serão tão poderosos
Quanto nossas lendas indígenas
Que nunca mais tremeremos diante das armas
E das palavras e olhares dos que “chegaram e não foram”.
Seremos nós, doces, puros, amantes, gente e normal!
E te direi identidade: Eu te amo!
E nos recusaremos a morrer
A sofrer a cada gesto, a cada dor física, moral e espiritual.
Nós somos o primeiro mundo!
Aí queremos viver pra lutar
E encontro força em ti, amada identidade!
Encontro sangue novo pra suportar esse fardo
Nojento, arrogante, cruel...
E enquanto somos dóceis, meigos
Somos petulantes e prepotentes
Diante do poder mundial
Diante do aparato bélico
Diante das bombas nucleares
Nós, povos indígenas
Queremos brilhar no cenário da História
Resgatar nossa memória
E ver os frutos de nosso país, sendo dividido
Radicalmente
Entre milhares de aldeados e “desplazados”
Como nós.
CRIADOR, A IDENTIDADE E O GUERREIRO
Escorria-me das veias doentes
Um sangue ainda quente
Como percorre as águas do Norte
Levando pra bem longe
As ervas daninhas
Onde estavas identidade adormecida ?
Sofrida nas noites ensangüentadas
Anestesiada ou morta
Ou apenas me contemplando
Ao pé da porta?
Mirava-me calada, identidade amiga
Mas vieste a mim, pelas mãos do Criador
Fruto das atenções da luta
De suas mãos solares
De olhares ternos e carinhos puros
Quem tu és identidade?
Que secretos poderes tens,
Que me matas ou me revives
Que me faz sofrer ou me faz calar
Quão mistérios tu trazes na alma?
E quem é você doce guerreiro salvador das vidas?
Por quantos sangues lutou para estancar
Quantos curumins fez brotar
Doce amante de mil formas a me encantar
Vamo-nos embora - nós três - agora
Tu, eu e a identidade caminhante
Só que cada um pro seu lado
Porque minha identidade pra renascer
A qualquer instante
Basta um fio de luz
Uma gota mínima de tolerância
Ou uma esperança em seu semblante.
Porque só um fogo eterno
O útero de meus avós
Pra tornar minha cidadania decente.
Não tenhas medo, IANUÍ
Que não vou-te enfeitiçar
O nada, eu quero de ti
Pro nada talvez vou partir.
Poema de Amor ?
Sei lá... se poema de amor !...
Só sei que me passa essa chama
E que me queima a alma errante.
Horas, mas dias, mil noites
Relembro teu corpo parado
Feito máscara imóvel ao vento
Doido a flutuar nos mares quentes.
Pássaro louco bicando os peixes
Engorda teu peito aberto
Inflama teu coração militante
É tua, essa paixão dos séculos
Mas te guardas feito tatu
Que não é chegada a hora
Enfia teus dedos na terra
Desafoga as dores nela!
Mira pros céus navegantes
De teu barco em flor e vela
E rouba todas as forças solares
E renasce Boto, amante, mais belo.
Engorda teu peito aberto
Aquece o coração nu noutras eras
Alimenta tuas veias em asas
Nas fantasias desertas
Corre pelos cajueiros e arrozais
Que te trago essa cana caiana
E outras limas pra melar nossas bocas
E relaxar no calor das manhãs
Eu não te quero mais puro
Entrega-te que te vejo criança
Amor pronto a explodir
Fogo eterno, quem sabe?...
Ou vou partir, antes mesmo de vir
Num calor aberto semente...
Numa ilusão e sonho somente...
Nessa estrada longa, errante
Sendo meu caminho tão farto
Sendo teu peito tão forte
O que quero dizer são loucuras assim...
São delírios da noite, pesadelos sem fim
São absurdos desejos e embebedando a solidão
Pois perdi o caminho e sofri o amanhã.
Agora o que faço: só penso intranqüila
A tua figura diante de mim
Parado no vento, feito imagem de santo
Que nem posso tocar...
Que nem posso falar...
Porque és feito pras deusas,
Completamente impossível
Impossível de olhar...
Impossível de amar...
E as minhas mão trêmulas e tímidas
Procuram as tuas
E estás tão distante no tempo, no espaço
Que faço loucuras e grito e procuro.
Mas paro!
E quero apagar da minha memória
Tua imagem de homem
Cantando a história
Porque és forte, por ser macho guerreiro
Valente lanceiro
Gritando a vitória.
E só porque existes
Nem pedes licença
E me invades a mente.
O que quero dizer são loucuras enfim...
Loucuras escondidas, sentidas, doídas
Tanta loucura que não quero mais pensar em ti.
Lá vão dias roendo comigo
Tua imagem de amigo
Lavando a memória e não te querendo
Mas me invades a alma
Meus olhos, as noites, meus cantos
Enfim, os sonhos
E tua imagem guerreira de cara fechada
Fechada pro mundo
Se abre pra mim...
E em cada sorriso eu sofro de novo
Com medo da vida, sufoco o meu pranto.
E vivo essa roda enjoada, perdida
Cantando os minutos, procurando a razão
E as horas se passam
E o tempo não passa
E só passa por mim
Um errante grisalha que ri a zombar sem fim.
E te imagino nos rios, nas matas contentes
Que são teus amigos constantes.
Fiéis, e a eles teus segredos confessas
E apenas no olhar são teus confidentes.
Amaste minha flor aberta semente
Ferida de luta inda menina pra amar
E acendeu a paixão escondida
Brilhante pra vida
Sedente a chamar-te
São tudo loucuras enfim...
Por isso vou-me entregando à saudade, à ausência
À impaciência da ilusão.
E vou escrevendo e contando
Pro cais desse tempo, ainda criança
O tempo que jamais terei
Porque não brinco com a esperança
E vou vivendo a realidade
Do passado e do presente
Enquanto teu corpo ausente
Chama pelo futuro verdade !
Clama por uma vida crescente
Homem que nesta fortaleza mágica
És capaz de transformar
Tua dor e tua coragem sólidas
Os vícios e os princípios másculos
Em carinhos e créditos
Mas amantes com fé?
Homem, que me dizes - Hoje - Mulher!
És capaz de te despir
Deste sórdido destino
Deste código maldito
Que te faz muito sofrer
E que a história impõe te dar?
Homem, que me fazes, porém, sorrir...
És capaz de te impor
Diante da crueldade maior
Do egoísmo secular
Do poder e do julgar
E defender tua mulher?
Homem que me fazes, então, chorar
É possível despertar
Tão virgens teus fortes peitos
Rir de teus velhos conceitos
E ver o fêmeo em ti brotar
Acreditando em quem te quer?
Homem que não me permites errar!
És capaz de perdoar
Sem cobrar mil sacrifícios
Me ceder bens ou benefícios
E lá na frente me tomar?
Então, homem!
Contigo e por ti quero criar
E nas matas fecundar.
Produzir nas fábricas
Produzir nos campos
Produzir no lar...
Trabalhar com as mãos
Batalhar com as mentes
Numa célula crente.
É aí que eu te quero gente
E aí, eu te quero amante...
Portanto, homem
Eu te quero forte
Mas também te quero fraco...
Eu te quero rindo
Mas te quero chorando...
Eu te vejo indo
Mas te quero chegando...
Suponho-te potente
Porém também és impotente
Parece-me prepotente
Mas muito esforça-te humilde...
Eu te quero homem
Eu te quero humano
Eu te amo hoje
Eu te amo sempre
Eu te quero herói
Porém te vejo homem
Homem até errante
Mas da verdade urgente
Homem !
Concebeu a mim, não de uma costela
Mas de uma estrela, que trabalhava bela:
Mãe, fêmea, amante sécula
Mas com seus direitos de mulher.
Bom-dia sol! Nesta noite eu renasci.
Vi brilhar a luz em mim
Num carapinã que aos meus ouvidos
Zumbia o futuro de um colibri.
Canto teu primeiro beijo
Nas asas de uma imensa arara
Preparo o sagrado beijú
Pra te fazer delirar num calor primeiro
Pouco a pouco essa coisa louca
Vai-me tomando feito Anhangá
És tu que me cheira
Que me morde
Que me beija
Que me penetra até sangrar
Corre-me nas veias quentes
O delírio que me rouba a paz
Agonizo-me inteira!
Enrijeço-me solteira!
É tua boca que me suga a fonte sagaz...
Aqui sob o troco amazônico
Grita forte - LIBERTO - atônico
O velho ancestral
Dos rios
Dos lagos.
Me traz uma cana caiana
E me diz que é pra quem ama
Me entrega um atobá
E diz que um homem honesto
De olhos claros - GUERREIRO
Repousa enfeitiçado
Porque nele começa o primeiro reinado
Ao bruxo, lhe disse o rei astuto
Acordando dos sonos matinais:
Que nas asas do Pitiguary
Viajaria no âmago das matas árduas
E traria - rápido - o bálsamo da HISTÓRIA
E traria - ríspido - a verdade nos matagais.
O rei - o meu rei amante - ainda sussurrando
Levantou áspero e sumiu pelos ventos
Nunca mais se bateu olhos nele, no entanto...
Mas ele deixou marcado nas pedras errantes
Um princípio de vida pros ilustres e banais:
“Nesta noite somos todos iguais”.
Num passado próximo, quando Povos Indígenas do Pará se levantaram contra a hidrelétrica de Kararaô ou quando no presente, líderes promovem, mesmo de forma precária, informações em rádios, vídeos, TVs Comunitárias, contrapondo às aldeias globais ou ainda quando criam cartilhas de alfabetização na língua materna, ou quando criam sites para promover a cura de doenças ou comerciar a venda do Guaraná, por exemplo, o fazem numa tentativa de sair da invisibilidade cultural, objetivando a tonificação daquele povo ou cultura, e no objetivo de expressar-se, seja na luta pelos direitos humanos ou trazer à luz do conhecimento oficial, científico, acadêmico e religioso a sua contribuição na história, enfim o seu conhecimento tradicional, na realidade sua propriedade intelectual. Isso precisa ser respeitado e ampliado!
Quando as parteiras indígenas bloqueiam os programas governamentais de esterilização de mulheres, quando os pajés e curandeiros se reúnem nas montanhas, ou quando líderes interceptam estradas na defesa de suas terras, o fazem para defenderem suas tradições e meio-ambiente respectivamente. Isso é voz!...
É um desafio para povos indígenas brasileiros a sua inserção na sociedade de informação, devido a fragilidade sobre os seus direitos intelectuais, a sua propriedade intelectual? Sim! Mas é um desafio que deve ser ultrapassado através da conscientização, da capacitação, da formação técnica, da criação de bancos de dados indígenas para garantir todo acervo histórico, garantindo suas patentes. A cultura tradicional sofre evoluções com o modernismo e tecnologias. Essas tecnologias devem ser usadas como ferramentas para a defesa dos direitos indígenas. Desenvolvimento para povos indígenas deve ser um processo que coaduna cultura tradicional e novas tecnologias e novas esperanças e isso os Kuna do Panamá o fazem com a maior categoria: unir a tradição indígena aos novos conceitos de tecnologia e sua sociedade de informação, sem perder sua cosmovisão. Por isso, eles são os precursores da imprensa e literatura indígenas, assim como a maioria dos povos indígenas do México também o são. Povos indígenas devem se espelhar neste modelos de desafio e desenvolvimento e novas tecnologias que não destruam a biodiversidade e territorialidade indígenas.
A Comissão de Educação, Cultura e Desportos pode dar um grande passo político e histórico, reconhecendo, apoiando e investindo na inserção dos povos indígenas na sociedade de informação e comunicação através de Programas criados e geridos pelos próprios povos indígenas. Hoje temos no Brasil várias edições do Jogos indígenas que refletem pura cultura oral, visual, escrita como exemplo de dignidade!
As veias abertas que jorram o sangue de nossos ancestrais sacrificados, as barrigas das mães fecundas, entristecidas pela opressão, os cânticos mais transcendentais apagados pela imposição cultural, todos esses segmentos mágicos, mas reais, serão substituídos por crianças, jovens, organizações capacitados para o futuro, a partir de sua inclusão na sociedade de informação e comunicação, ERRADICANDO paulatinamente os contrastes da sociedade e ERRADICANDO a discriminação social e racial aos povos indígenas.
Quando a rosa desabrocha, as abelhas vêm espontaneamente sugar-lhe o mel. Deixemos que a rosa de nosso coração, de nossa alma e caráter desabroche completamente na sociedade brasileira, a partir de um testemunho de nossa capacidade, auto-gestão, diálogo e ética, para que essa sociedade desconstrua, rapidamente, o discurso e prática atuais que causam a exclusão de povos indígenas. Os resultados e o respeito aparecerão.
Pensadores e escritores indígenas: Contem e criem então!
Quando Cunhataí era criança, ouvia os espíritos da mata, ela via a mãe das águas. Os sonhos eram o seu direcionamento. Sua clarividência era ancestral. Cunhataí tinha o poder da cura. Onde colocava as mãos, o bem se fazia. Sua mãe, insatisfeita com as invasões dos estrangeiros, tomou erva má, para que a semente que ouvia o espírito da mata, morresse. A erva fez muito mal à pequena Cunhataí; não a matou, tirou um pedaço dela... A mãe desesperançada com sua aldeia, não queria mais as coisas do espírito, negava a terra e a raiz. Ela queria o suicídio. Mas a avó da menina era mais guerreira. A mãe ficou cega e muda. Tempos depois a mãe renasceu da mudez e da cegueira por uma prova divina e se tornou pajé, sacerdotisa das águas. E a triste avó, cansada das dores, do peso do tempo e do sacrifício, morreu. Mas sua essência permaneceu. O homem branco, naquela época ria e incutia maus valores em alguns membros do povo... A semente ferida e mutilada nasceu triste e com uma estrela no olho direito. Era Cunhataí. Foi o lado direito que quase morreu. Só ficou roxo como uma marca, um sinal e... Sobreviveu para ouvir os espíritos, os antepassados e as velhas mulheres enrugadas pelos séculos. Sobreviveu para compreender o significado das três velhas, cujas seis mãos se transformam em cobras. O velho espírito disse a Cunhataí: Vai ave-menina e mulher! Cria asas e enxergue, um dia, quem sabe, seremos livres! Ela foi pra longe sofrer. Por isso quando ela retornou à sua aldeia de origem, o cacique, a pajé e os segmentos do povo a reconheceram, porque ela já era esperada por decisão dos ancestrais, há muitos séculos. O seu olho direito roxo_ o espiritual_ foi identificado pelos líderes conectados com a ancestralidade e pelo pitiguary, o pássaro que ANUNCIA. Os que não reconheceram estão muito além, mas muito além de qualquer tipo de compreensão do que seja essência, transcendência indígena. Estavam cegos, por isso traíam seus próprios conterrâneos e incentivavam a discórdia, a inveja, a mentira, a intriga, a luta pelo poder e desconheciam o verdadeiro sentimento de paz, solidariedade, amor ao próximo, companheirismo e cooperação, por isso muitas meninas sofriam. Foram contaminados pelo poder dos neocolonizadores. Só vislumbravam o materialismo, por isso não podiam perceber os sinais dos deuses, dos ancestrais, do Grande Espírito_ a Poderosa Força Cósmica_ existente dentro de todas as boas almas. Mas Cunhataí, em toda a sua vida seguiu o boto dos rios, os espíritos, e as ordenações de seus sagrados ancestrais. Muitas mulheres indígenas que ouviram a história de Cunhataí, desenvolveram um útero sadio, porque entendiam que a cosmovisão indígena estava sagradamente vinculada a Mãe-Terra. E começaram a trabalhar e a lutar para melhorar as condições de vida do povo. Ninguém mais se suicidou, porque o amor e o respeito prevaleciam nas famílias, entre o homem e a mulher. A palavra fome nunca mais se ouviu naquele povo, quando também os homens perceberam o mal que haviam adquirido.
Cunhataí deixou a mensagem para que todos os homens e todas mulheres prestassem bem a atenção nos seus sonhos e deles fizessem seus caminhos a partir do respeito pelos velhos e velhas e pelos ancestrais e pelas boas relações de igualdade e respeito entre homens e mulheres!
*Conto de ELIANE POTIGUARA do livro "METADE CARA, METADE MÁSCARA" Global Editora
Um comentário
Querido amigo; estou passando uns tempos no interior e usando um modem, que é lento demais. Quase não tenho vindo a net.
Mas gostei muito da escritora! Andei lendo alguns de seus poemas e achei maravilhosos!
Beijos
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