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Bem vindo, inverno! [Tatiana Carlotti]

Bem vindo, inverno!

Ele chegou! Em breve, estaremos todos submersos ao vento dos mais ordinários. Aquele que penetra cada buraquinho do casaco e estende a língua até encontrar a pele que não se aguenta: xinga o filho da mãe e arrepia. O fato é que por conta do frio, os prazeres se intensificam.

Mas, voltando ao frio absoluto, denso e intenso. Frio que senta a bunda no topo dos prédios e observa nosso caminhar apressado... Aliás, vocês repararam como estamos acelerados? No frio, todo mundo parece que foge de alguma coisa. Contei nos dedos, durante a minha caminhada nesta madrugada, quantos tinham coragem de apenas "flanar". Só dois malucos da Brigadeiro até a Consolação (ida e volta)!

Giulia, minha sobrinha, soltou outro dia: encolhemos no frio? Tem talento essa menina! Talvez, São Paulo se contraia, mas uma coisa é certa, ela fica mais perfumada. Não há uma casa que não exale o aroma de café. O líquido escuro e adocicado numa bela caneca de porcelana. E se alguém precisar de insônia, basta caminhar pelo corredor do meu prédio: overdose de cafeína.

Porque é fato: o inverno chega com a máxima "é preciso aquecer". Desconheço estação mais didática. Na metodologia do acerto e erro, ela nos faz experimentar novas formas de aconchego. Pernas que abraçam barrigas, mãos submersas em longos cabelos, costas que se aquecem em peitos abertos.

E há posições das mais complexas: o trançar dos tornozelos, pescoços dependurados em cotovelos, cabeças em colos e colos nas cabeças. E assim vamos nos fundindo num único monstro que devora macias pipocas debaixo das cobertas. Mas, para além de um companheiro com aquele tipo de abraço certeiro (nem muito porque sufoca; nem pouco porque a gente escorrega), os animais domésticos são perfeitos!

Estou sendo muito egoísta nesta observação e corro o risco de ser processada pelos órgão de defesa dos animais, mas vocês não sabem a delícia que é ter uma almofada peluda (e viva!) debaixo das cobertas no meio de uma noite fria! Além da recíproca: ela também te verá como uma almofada gigante e, assim, vamos nos parasitando e aquecendo nossos focinhos ensemble.

E uma pergunta para os que estão sem um companheiro ou sem um animal doméstico: para que servem os amigos? Não venham me dizer que os vinhos estão caros, tá cheio de promoção por aí. Inverno acena com strognoffs (eis uma bela palavra). Sopas (sim, a velha promoção no Vila Távola, Bixiga, São Paulo). Fondues. Queijo. E aquela decoração básica de velas coloridas pela casa.

Porque inverno, meus caros, precisa de luz! A luminosidade charmosa, cheia de sombras misteriosas, que mostra mas esconde, e esconde se mostrando. Mas só se aquece mesmo quem se aproxima. A ponta dos dedos pertinho do fogo. E após saciada a chama e derretida a cera... Ah, após saciada a chama e derretida a cera... A luz se despe aroma.

E outro dia, um amigo pós grande amor voltou com a ex-namorada - aquela eterna chata, deem-me licença, não há mulher à altura do pós grande amor... Respondi, enciumada,"é o inverno"! E não é que agora, outra amiga baixou a guarda e concedeu a um cidadão o privilégio de uma xícara de café? Ora, ora, diz o mandamento que "todos têm direito a pelo menos um café!" Está lá, nas tábuas de pedra, raspado à cuia no Código de Hamurabi!

E nem mencionei sobre a família... Mas num passe de mágica, o povo volta a fazer as pazes. Ninguém se lembra mais do verão quando a temperatura torrou os neurônios da tolerância... Estou falando para vocês, o inverno é estranhíssimo! Talvez, porque no final das contas, revele que o maior erro mesmo é fomentar distâncias.

Mas a ciência vem cheia de explicações: Somos bichos também, logo, a atmosfera manda. E todos esses parágrafos, obviamente, são para aquecer os dedos e nos cobrir dessa mania chamada esperança. Ok, ok, mais Pandora e menos Pollyanna: a gente fomenta frios e distâncias o tempo todo... Mas alto lá! Isso não tem nada a ver com o inverno.

Tatiana Carlotti - Balzaquiana convicta e amante das letras. Pulsa no Centro de São Paulo ao lado do Balzac, seu gato. Acredita na força da delicadeza e na densidade da leveza. Ama bastante. Ainda sonha... Site: SobremargenS.
Todos os direitos autorais reservados a autora.

 

2 comentários

Ivana disse...

É o inverno chegou e nesta estação intimista com um café , um vinho e um alimento para alma , como em MT ,precisamente em Cuiabá, inverno nem sempre é tempo de casacos ou de aquecer, pois já vivemos aquecidos com o calor de 40 graus, mas precisamos aquecer a alma.....Parabéns Tatiana seu texto encanta. Bjus

Tatiana Carlotti disse...

Obrigada Ivana! Que vontade de conhecer esse inverno de Cuiabá! Beijo!