Deborah
Goldemberg nasceu em São
Paulo, em 1975, é antropóloga e escritora.
Atuou na área de
desenvolvimento local sustentável no Norte e Nordeste do Brasil durante uma
década. Estreou com o livro Ressurgência Icamiaba (Selo Demônio Negro, Ed.
Annablume, 2009), após publicar diversas crônicas e poemas em coletâneas.
Agitadora
da literatura transbrasileira e multiétnica, foi curadora do I e II Sarau das
Poéticas Indígenas da Casa das Rosas (2009) e colunista do Global Voices e
da revista eletrônica de Oca das Letras.
Blog
pessoal: http://ressurgenciaicamiaba.blogspot.com
Contato da autora: icamiaba.action@gmail.com
“Percebendo que esta voz estava viva em mim, que eu conseguia mimetizá-la, eu me
dei a liberdade de nela escrever. Erra quem pensa que Aké ‘fala errado’. Ele
narra num misto de sua língua nativa e um português impregnado de diversas
influências. O multilinguismo, na minha opinião, ainda é a principal
característica da prosa falada do brasileiro.”
(Deborah
Goldemberg)
"Alguém que vive, escreve, escreve, vive, depois vai
nadar no mar, amar e ser feliz!"
Sem Romance
Era domingo, eu escrevia
meu romance,
quando um homem foi morto
na porta de casa.
Cinco tiros secos.
Calhambeque antigo? Nada.
Sangue na muralha da
frente.
Da janela, com medo de
levar bala perdida,
vi o policial pôr as
luvas, pegar o corpo...
depositou-o no banco de
trás da viatura.
O cortejo foi de cinto
motoqueiros abelhudos da Civil.
Haveria mortes no meu
romance,
mas essa foi mais forte. A
vida,
sempre ela. Deixei-o de
lado.
Rumores nas calçadas, o
bairro discreto
teve seu dia de cidade
pequena. Você viu?
Foi ladrão? Ladrão de
carro. Passou por aqui.
Bateram na esquina da
Angelina, eu ouvi.
Ele colocou as mãos pro
alto, os caras o fritaram.
Enredo: era domingo,
alguém acordou do outro lado da cidade,
beijou a mãe (ou amante?),
cheirou algo (?), encontrou o parceiro,
entraram no ônibus,
saltaram na ponte, caminharam até o posto,
avistaram a caminhonete de
um cara rico, saltaram dentro.
Era domingo, eu escrevia
meu romance, e ele nem imaginava
que morreria na porta da
minha casa cravado com cinco tiros
e inspiraria um poema de
não-ficção sem romance algum.
Brasil: Escritores e
poetas indígenas na blogosfera
Há dentre os índios blogueiros do Brasil um grupo especial
de escritora e poetas indígenas. Apesar de alguns antropólogos e lingüistas
desacreditarem da noção de literatura indígena, traçando a origem deste
conceito à cultura ocidental, particularmente a partir de Aristóteles, alguns
índios brasileiros de origem ameríndia, apesar de também mestiça, se auto-declara
como escritores da literatura indígena. Não só isso, mas estão publicando
livros, tendo suas obras traduzidas para diversas línguas e blogando muito!
O maior expoente desde movimento de literatura indígena é
Daniel Munduruku, escritor indígena originário da Amazônia e residente em São Paulo, com mais de
30 livros publicados e diretor do Inbrapi, entidade criada em 2001 com o
objetivo de defender os conhecimentos tradicionais indígenas da biopirataria e
exploração por terceiros. Daniel tem um website bilíngüe dedicado ao seu
trabalho literário, na maior parte infanto-juvenil, mas no seu blog ele
aproveita para chamar atenção para notícias importantes para os povos indígenas
e apoiar causas que o inspiram. Por exemplo, neste Dia Internacional da Mulher,
Daniel fez uma bela declamação em prosa para as companheiras:
Penso compulsivamente nas mulheres. Não se trata de um
olhar desejoso, mas corajoso.
Corajoso porque, confesso, morro de inveja delas: da
coragem, da obstinação, da intuição, do olhar sempre distante e sempre
presente; da fortaleza e da fraqueza que revelam.
Sei que poderão pensar que isso é humano, presente em
homens e mulheres. Eu discordo. Conheço o masculino, convivo com ele em mim e
sei que por mais esforço que faça percebo um lobo faminto, sem escrúpulos e sem
medida.
Acho que o homem masculino devia ouvir mais as mulheres. É
claro eu alguns dirão que elas falam demais. Isso também é justo e certo, mas
talvez falem muito por terem sido ouvidas tão pouco em passado recente e terem,
por isso, que gritar para se fazerem ouvidas. Por isso tenho a impressão que
nós homens, precisamos exercitar o sagrado direito de fazer silêncio, ouvir,
ouvir e ouvir.
Outros oponentes dessa teoria dirão que, assim, viraremos
mulheres. Rebato o argumento dizendo: é disso que estou falando!
Ao menos hoje temos que calar para deixar nossa intuição
falar. E minha intuição diz que preciso sentir a dor do outro pra compreendê-
lo em sua dimensão humana.
Hoje quero ficar assim, miudinho, pequenininho, quietinho
só para ver a magnitude do ser - mulher falar coisas que preciso ouvir.
Falando em mulheres, o movimento da literatura indígena é
magnificamente bem representado por Eliane Potiguara, escritora, professora e
ativista indígena que em 2005 foi indicada para o Prêmio Nobel da Paz (Projeto
Mil Mulheres do Mundo). Eliane, cuja origem é paraibana mas vive no Rio de
Janeiro, tem um website próprio, aonde divulga sua obra literária, mas também
mantém o blog como parte de seu trabalho na rede GRUMIN de Mulheres Indígenas,
da qual é fundadora e coordenadora. O blog é um instrumento de comunicação para
as mulheres indígenas e traz um misto de literatura, oportunidades e chama
atenção para episódios relevantes da luta das mulheres indígenas.
Recentemente, Eliane postou um belo texto sobre a
literatura dos excluídos que expôs em um evento:
A literatura dos excluídos ainda é uma pele de Boto que
foi destruído ao longo dos séculos e que está esquecido e abandonado no fundo
dos rios a precisar renascer_ ardentemente_ com a força da alma da natureza e
humana. Mas essa natureza está envolta nas amarras dos séculos de dor, do
obscurantismo, dos grandes enigmas e contradições da própria existência, do
divino e do amor. A literatura ainda é um segmento cultural e político que não
consegue chegar na totalidade das camadas menos privilegiadas social e economicamente
do Brasil e do mundo.
Esse Boto Literário precisa ser salpicado com as lágrimas
emocionadas da Natureza, muitas desvairadas lágrimas. Aí sim, essas feridas do
mundo_ que as mulheres indígenas as eternizaram com seus beijos de cura,
bálsamos históricos, histórias não contadas e adormecidas no fundo do rio ou
dos oceanos, essas sim, _ serão eternamente curadas, assim como o Boto
literário.
Outro escritor indígena muito atuante é Olivio Jekupe que
tem uma trajetória de vida incrível, tendo superado diversos obstáculos para
conseguir cursar filosofia e firmar-se como escritor que hoje é, com diversos
livros publicados e traduções para o italiano. Olivio traz fortemente a questão
de sua origem mestiça, o que é a realidade de muitos índios brasileiros:
O mestiço é o mais discriminado nesse país, pois tanto eu
quanto muitos no Brasil sofrem. Sei que sou mestiço e não tenho culpa de ser, e
a miscigenação existe desde a chegada dos portugueses, não sou o primeiro índio
não puro e não serei o último. Mesmo não sendo índio puro, quero dizer que
tenho orgulho de ser o que sou e não podemos ter vergonha, meso que a sociedade
nos discriminem.
No seu blog, Olívio traz matérias sobre sua literatura
indígena, por exemplo, a interessante história da origem indigena do Saci,
personagem do folclore brasileiro consagrado por Monteiro Lobato como um negro
perneta, e informa que o verdadeiro Saci tem duas pernas!
Não sei se já ouviram falar que o Saci na verdade é um
personagem indígena e que tem duas pernas, é provável que não ouviram ainda,
pois eu fui o primeiro que escreveu dois livros que fala sobre esse personagem,
tenho dois livros com o título - Ajuda do Saci, da Editora DCL, e o outro que
se chama - O Saci Verdadeiro, da Editora UEL. Nos meus livros eu tento mostrar
que o personagem tem duas pernas e é um índio, diferente da visão de Monteiro
Lobato.
E sei que já tem documentários sobre esse tema, e muitas
matérias que falei para jornalistas, e até teses de mestrado sobre o tema, como
fez a escritora Graça Graúna onde ela fala do meu livro, O Saci Verdadeiro.
É importante que todos possam conhecer esse personagem
onde tento mostrar o que nas Aldeias Guarani é comum ouvir sobre ele.
Sei que um dia minhas histórias serão tão conhecida que
serei convidado para dar palestras em vários cantos do Brasil, de Norte a Sul
do Brasil.
Olívio menciona Graça Graúna que é outra escritora
indígena, poetisa, da região Nordeste do Brasil, de origem do Rio Grande do
Norte mas residente em Pernambuco, tão ativa na vida quanto na blogsfera. Seu
blog é premiado, muito visitado e traz um misto de notícias sobre literatura
indígena e maravilhosos trechos de sua poesia. Dentre tantas, colhi uma poesia
para vocês saborearem, que é também flor:
aos poetas Carlos e Sônia Brandão
… que Ñanderu* acolha
as pedras da nossa canção.
Que seja pedra enquanto leveza
o sinal: sem poesia os tempos não existirão
(Graça Graúna, Nordeste do Brasil, 12 de março de 2009.)
* Ñanderu em guarani, significa Nosso Pai; o Grande
Espírito, o Criador.
Para quem quiser conhecer mais sobre literatura indígena,
vale visitar o blog do NEARIN, Núcleo de Escritores e Artistas Indígenas do
INBRAPI. O blog é organizado com o objetivo de oferecer um espaço para o debate
de idéias em torno da literatura e arte indígena. Traz uma diversidade de
notícias sobre o tema, relatando eventos ocorridos em várias partes do país e
também uma lista de autores e livros de literatura indígena. Para quem estiver em São Paulo neste dia 19
de Abril, Dia do Índio, vale a pena conferir o I Sarau das Poéticas Indígenas,
na Casa das Rosas, Av. Paulista, 37,
a partir de 15 hs.
Ao
final deste fascinante tour à volta da blogosfera indígena brasileira, vale
perguntar: Resta alguma dúvida a respeito da existência de uma literatura
indígena legítima no Brasil?
Algumas publicações de Debora Goldemberg
A novela da escritora e antropóloga
Deborah Goldemberg é uma epopéia dos migrantes gaúchos para os estados do Norte
em busca de novas oportunidades e os conflitos que surgiram quando eles se
depararam com a “corrida do ouro” nos anos 90, acompanhada da criação de cidades
e vilarejos com crescimento desordenado, o que estremeceu o equilíbrio das
comunidades rurais e indígenas. Com enredo cheio de tramas que envolvem as
relações familiares, a ganância do ganho rápido do dinheiro com o ouro, as
paixões, a conquista moral e suas derrotas, o texto ainda tem o cunho ambiental.
O prefácio é do renomado
Sociólogo José de Souza Martins, Professor Emérito (2008) e Professor Titular do
Departamento de Sociologia da
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo
(FFLCH-USP), que recentemente lançou um livro com o mesmo tema: “A narrativa de
Aké tece a visibilidade da trama de ocultações que enredam a vida de cada um nos
liames da tumultuada e violenta ocupação da fronteira.”, diz o
professor.
O texto é
baseado na linguagem multiétnica e transbrasileira em que Deborah Goldemberg faz
o leitor viajar nas relações sociais, nas tentações que levam até os homens mais
dedicados irem à bancarrota, miseráveis conquistarem seu espaço social, brancos,
negros e índios trocarem seu papel que tanto uma sociedade insiste em manter
como tradição.
“Viajei
muitos anos pelo Brasil participando de projetos de desenvolvimento junto a
comunidades quilombolas, indígenas e até com grandes produtores e fazendeiros.
Assim conheci a realidade brasileira, as misturas étnicas, os diversos credos,
seus sonhos e seus anseios. Aos poucos, o ímpeto de transformar aquela realidade
cedeu a um encanto cada vez maior pelas coisas como elas são e eu soube que
tinha que escrever sobre tudo isso...”, conta a autora. Com o Mato Grosso de
pano de fundo, Estado que foi amplamente ocupado por gaúchos, os principais
personagens do livro são a família de Seu Luis, o índio Aké Panará - que é separado de sua família
logo na infância, quando seu povo perde suas terras -, e o negro Messias, líder
do garimpo, que invade as terras de Seu Luis e muda o rumo da história de todos
na região. Chama a atenção, a voz do narrador, que Prof. Martins caracteriza
como, “Eco da sonoridade barroca que ficou por aí na fala cantada do povo
sertanejo e nas sutilezas do duplo sentido que a caracteriza e que é o seu
conteúdo. O que nela importa é a correção das idéias na dialética dos opostos
que lhe dá sentido”. Em sua opinião a formação antropologica e o talento
literário da autora que, “a tornaram sensível aprendiz da língua do sertão,
aquela fala cheia de rebuscamentos e sonoridades de obra de arte”.
Edição: 1ª
Data de Publicação: 2009
ISBN:
978-85-99146-78-1
Tamanho: 13,8 x 20,8 cm
Nº. de páginas: 96
Gênero:
Literatura / Ficção
Editoras: Carlini&Caniato
Editorial
Preço:
20,00
Contatos
Editora
TantaTinta/Carlini&Caniato
(65)3023-5714 /
3023-5715
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Fontes:
Editora TantaTinta/Carlini&Caniato
Blog O Fervo da terra
Deborah
Goldemberg
Todos os direitos autorais reservados a autora.
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