"Por que os livros prolongam nossas vidas." Por Umberto Eco
"Os livros são extensões do conhecimento humano. Para quem deseja complementar seus conhecimentos em qualquer ramo do conhecimento, os livros estão sempre prontos para oferecer ensinamentos. Portanto, quem lê muito, sabe muito sobre diversos assuntos."
Artigo do semiólogo, filósofo e escritor italiano Umberto Eco, publicado pela primeira vez no La Nación em 1997, sob o título “Por que os livros prolongam nossas vidas” .
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Por Umberto Eco
Não muito tempo atrás, eu me divertia imaginando aqueles de nossos ancestrais que falavam de seus escravos treinados para desenhar caracteres cuneiformes como se fossem computadores modernos. Me divertia, mas não brincava. Quando hoje lemos artigos preocupados com o futuro da inteligência humana diante das novas máquinas que se preparam para substituir a nossa memória, notamos uma semelhança familiar.
A mesma reação de terror deve ter sido sentida por alguém que viu uma roda pela primeira vez. Deve ter pensado que esqueceríamos de caminhar. Talvez os homens daquela época fossem mais dotados que nós para correr maratonas nos desertos e nas estepes, mas morriam mais cedo e hoje dispensados no primeiro distrito militar. Com isso não quero dizer que, por essa razão, não devamos nos preocupar com nada e que teremos uma humanidade bela e saudável, habituada a fazer piqueniques na grama de Chernobyl; Na verdade, escrever nos tornou mais hábeis em entender quando devemos parar, e quem não sabe como parar é analfabeto, mesmo que esteja sobre quatro rodas.
O que ganhamos? O que o homem ganhou com a invenção da escrita, da imprensa e das memórias eletrônicas?
Certa ocasião, Valentino Bompiani divulgou uma frase: “Um homem que lê vale dois”. Dito por um editor, poderia ser entendido apenas como um slogan feliz, mas creio que significa que a escrita (em geral, a linguagem) prolonga a vida. Desde o momento em que a espécie começou a emitir seus primeiros sons significativos, as famílias e tribos necessitaram do "antigo".
Talvez no início eles não tenham utilidade e tenham sido descartados quando não eram mais eficazes para a caça. Mas com a linguagem, os velhos tornaram-se a memória da espécie: sentavam-se na gruta, à volta do fogo e contavam o que tinha acontecido (ou se dizia que tinha acontecido, esta é a função dos mitos) antes que os jovens tivessem nascido. Antes dessa memória social começar a ser cultivada, o homem nascia sem experiência, não tinha tempo de desenvolvê-la e morria. Depois, um jovem de vinte anos era como se tivesse vivido cinco mil. Os acontecimentos ocorridos antes de seu nascimento e o que os mais velhos aprenderam, passaram a fazer parte de sua memória.
Hoje os livros são os nossos velhos. Não percebemos, mas a nossa riqueza em relação ao analfabeto (ou aquele que, sendo alfabetizado, não lê) consiste no fato dele estar vivendo apenas a sua vida e nós já vivemos muitíssimas delas.
Isto poderia dar a alguém a impressão de que, assim que nascemos, já estamos insuportavelmente velhos. Mas, mais decrépito é o analfabeto (de origem ou de retorno) que sofre de arteriosclerose desde a infância e não se lembra (porque não sabe) do que aconteceu nos idos de março. Naturalmente, também poderíamos lembrar de mentiras, mas ler também ajuda a discriminar. Não conhecendo as falhas dos outros, o analfabeto nem sequer conhece as suas próprios falhas.
O livro é um seguro de vida, uma pequena antecipação da imortalidade. Para trás (infelizmente!) mais do que para frente. Mas você não pode ter tudo imediatamente.
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(Artigo publicado no site Bloghemia. Tradução, Revista Biografia)
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