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Nem tudo é só amor [LAURO LISBOA GARCIA]

Nem tudo é só amor

Renovada, Maria Bethânia arrebata público com interpretações passionais e provocativas
Eis que ressurge uma Maria Bethânia mais passional e menos "rural" em cena. Cartas de Amor, show baseado no álbum Oásis de Bethânia, que estreou anteontem no Rio, ainda tem uma reserva para a viola do Brasil mais profundo. Porém, cheio de recados incisivos, o roteiro e a sonoridade renovada são respostas de peso para quem a considerava acomodada no formato Brasileirinho e tal.


Entre as 2 mil pessoas que lotaram o Vivo Rio, notáveis presenças das atrizes Fernanda Montenegro e Renata Sorrah, das cantoras Joyce e Miúcha, da ex-ministra da Cultura, Ana de Hollanda, e dos compositores Caetano Veloso e Paulo César Pinheiro, autor do sinal de alerta "não mexe comigo, que eu não ando só", da canção-manisfesto que dá nome ao show, virou grito de guerra, palavra de ordem e até tatuagem na pele de um fã da cantora. Interpretada perto do fim do segundo ato, Carta de Amor, correspondeu à expectativa, deixando a plateia extasiada.

Outro momento de grande impacto foi o medley de sambas de roda ligados por linha tênue à chula, costurados por Reconvexo (Caetano Veloso). Aí tem a mão do guitarrista, violonista e violeiro Paulinho Dáfilin, recém-chegado à banda, e especializado nas tradições musicais do Recôncavo Baiano. Mexendo as cadeiras, alegre e provocativa, nesse e em outros números, Bethânia irradia mais leveza, até na relação amigável com os músicos, entre eles o baixista Jorge Helder e o percussionista Marcelo Costa.

A troca do violão de Jaime Alem (com quem ela trabalhou durante mais de duas décadas) pelo piano de Wagner Tiso como instrumento condutor já dava indícios de que algo diferente estava a se desenvolver. O estilo e a escola musical de seu novo maestro obviamente também são outros e, nesse aspecto, o show tem boas soluções e algumas surpresas: arranjos mais grandiosos em diversos momentos, a força da percussão, especialmente no início do segundo ato em que emenda Festa (Gonzaguinha) com Dora (Dorival Caymmi), homenagem ao Recife ao ritmo de maracatu.

Sutil na direção e na cenografia mínima - apenas lâmpadas suspensas e um enorme tapete de tiras nas cores marfim e dourado como o sóbrio e bonito figurino de Bethânia -, Bia Lessa centra o eixo na musicalidade e no ato de interpretar. Coerentemente, o roteiro começa e termina com canções significativas sobre a arte que ela domina plena e segura: Canções e Momentos (Milton Nascimento/Fernando Brant) e Sangrando (Gonzaguinha). O arrebatamento é imediato.

Como quem segura o raio de Iansã, Bethânia manda o primeiro de vários recados provocativos em Não Enche (Caetano Veloso). Mais serena na interpretação, Fogueira (Angela Ro Ro), Casablanca (Roque Ferreira), Na Primeira Manhã (Alceu Valença), Calúnia (Marino Porto/Paulo Soledade), Negue (Adelino Moreira/Enzo de Almeida Passos), Fera Ferida (Roberto Carlos/Erasmo Carlos) e Quem Me Leva os Meus Fantasmas (do português Pedro Abrunhosa) são como os abalos sucessivos de um grande terremoto, que vêm com menos intensidade, mas ainda causam "estragos". A superfície ondula com escavações nas entranhas de canções de entrega, paixões, sonhos, perdas, derrotas e superações amorosas.

Mais leve, o segundo ato tem mais o Estado de Poesia, de que fala a canção de Chico César. E ergue-se um bloco "residencial", com canções que trazem referências à moradia, umas que desmoronam na saudade e nas circunstâncias da vida, outras que emanam alegria - como A Casa É Sua (Arnaldo Antunes) - até os versos cortantes de Carta de Amor e a pungência de Escândalo (Caetano). No bis ela até brincou, maliciosa, com a previsão fatalista para o 21 de dezembro de 2012, cantando trecho de E o Mundo não Se Acabou (Assis Valente).

A expectativa em relação a esse show era grande, depois de uma temporada com outros muito marcantes, como os de Gal Costa, Marisa Monte e Chico Buarque. Soberana do palco, Bethânia reafirma seu lugar como quem faz escorpião virar pirilampo. Não mexe com ela, que ela não anda só.

LAURO LISBOA GARCIA, ESPECIAL PARA O ESTADO, RIO - O Estado de S.Paulo

Um comentário

ADEMAR AMANCIO disse...

Belíssima resenha.A letra de Carta de amor é dela ou do Paulo César Pinheiro?