Rasgando dinheiro
Estou sem ideia para escrever sobre literatura.
Nem sobre música, embora a morte de Ravi Shankar mereça algum comentário que não consigo formular.
Acabo de pegar um dinheiro no caixa eletrônico e me dá no saco ler “Deus seja louvado” nas notas.
Como assim?
O que Deus tem a ver com dinheiro?
Tudo, a se levar em conta o apetite financeiro de igrejas, seitas e religiões em geral.
O que mais me espanta ― e um articulista da Folha de São Paulo observou a mesma coisa outro dia ― é que os próprios crentes, ou religiosos, não se revoltem com o uso do santo nome nas cédulas sujas e profanas.
A Justiça Federal de São Paulo acaba de negar um pedido do Ministério Público Federal para obrigar a União e o Banco Central a retirar os dizeres das notas de Real.
A decisão foi de uma juíza que alegou não haver na sociedade dados concretos “que denotassem um incômodo com a expressão Deus no papel-moeda”.
Pois agora há, juíza: eu estou incomodado com essa expressão no papel-moeda.
A expressão acompanha nosso dinheiro desde a década de 1980, ideia do então presidente, José Sarney.
Diante do pedido do Ministério Público para a remoção da frase, Sarney declarou: “Eu tenho pena do homem que na face da terra não acredita em Deus”.
Pode ter pena de mim, Sarney, mas não quero essa frase na minha moeda.
Também não gostaria de ler beba Coca-Cola nas notas de dinheiro.
O dinheiro é sagrado.
Rasgo uma nota de dois reais em protesto, mas ninguém dá a mínima.
Na próxima, rasgo uma de cem.
Tony Bellotto, além de escritor, é compositor e guitarrista da banda de rock Titãs. Seu livro mais recente, No buraco, foi lançado pela Companhia das Letras em setembro de 2010.
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