Resenha de 'Nihonjin', de Oscar Nakasato
Hideo Inabata é um japonês orgulhoso de sua nacionalidade, que chega ao Brasil na segunda década do século XX com o objetivo de enriquecer e cumprir a missão sagrada de levar recursos ao Japão, conforme orientação do imperador aos seus súditos. O árduo trabalho no campo, a difícil adaptação ao Brasil, a morte da primeira esposa e os conflitos com os filhos Haruo e Sumie são um teste para a inflexibilidade do nihonjin (japonês). O narrador, neto do protagonista e filho de Sumie, empresta voz e visão contemporânea à transformação do avô e do seu sonho de voltar rico para casa. Nihonjin, romance de estreia de Oscar Nakasato, foi o vencedor do 1º Prêmio Benvirá de Literatura, do qual participaram 1.932 concorrentes de todo o Brasil com obras inéditas.
“Nihonjin”, o primeiro romance de Oscar Nakasato - vencedor do prêmio Jabuti de 2012 em sua categoria - é, antes de tudo, um livro delicado, escrito com clareza e prudência. Através da saga de Hideo Inabata, um japonês que emigrou de Kobe, Japão, para trabalhar nas fazendas de café do interior de São Paulo, o romance relata, com elegância e sem excessos, a história da imigração japonesa para o Brasil, iniciada no alvorecer do século 20.
É um romance sutil, narrado com firmeza e sem qual qualquer interesse pelas ousadias estéticas. Um romance escrito como se todo um século - o de Joyce, Kafka, Faulkner - não importasse. Ao contrário: Nakasato (como ele mesmo declarou em entrevistas recentes) deseja, antes de tudo, contar uma história, resgatar um tempo que, embora recente, parece perdido. Neto, ele mesmo, de imigrantes japoneses, sua figura se mistura com a do narrador sem nome, neto do protagonista Hideo, que, com frieza e objetividade, recupera a aventura do avô e de seus descendentes.
Um romance simples que, fiel a um passado anterior à revolução modernista, no qual se ambienta, guarda a aparência de um álbum de recordações íntimas. Álbum composto não de fotografias, mas de relatos que têm como único objetivo registrar impressões e capturar nacos da memória. Mesmo nos momentos mais dramáticos, como a morte de Kimie, primeira e frágil mulher de Hideo, que faleceu com a esperança de ver os cafezais paulistas cobertos de neve, um prudente Nakasato não se permite o extravasar das emoções. A contensão que caracteriza sua escrita se expressa neste breve trecho: “A morte chegou lentamente. Há quanto tempo morria? Tranqüila, congelada pela neve, congelada pelo sol”.
O romance expõe, de modo igualmente sereno, a luta entre duas visões de mundo: entre aqueles que, mesmo vivendo do outro lado do mundo, se mantêm fiéis ao culto do Japão Imperial, e os que, cientes de que o tempo não volta atrás, preferem se agarrar às coisas do presente. Movido, mais uma vez, pela ponderação, e fiel a sua estética realista, Oscar Nakasato não toma partido, nem usa a literatura para desfraldar bandeiras. Como um retratista calejado, limita-se a registrar imagens e a reproduzir relatos, sem desejo algum de neles interferir.
A opção de Nakasato pelo estilo seco e pelo equilíbrio evoca, de certa forma, a mística a respeito do temperamento japonês, que seria sempre criterioso (“zen”), sem se deixar abalar pelos extremos, e que se caracteriza por um comportamento comedido e protocolar. O protocolo realista domina, de ponta a ponta, Nihonjin, como se, para o autor, as palavras fossem apenas um instrumento para a captura do real. Como se, indiferente às turbulências do modernismo, ele escrevesse ainda agarrado às calças do avô.
Não se pode negar que há uma beleza nessa atitude. Em nossos tempos velozes, quando vivemos hipnotizados pelo futuro, ousar um vigoroso passo atrás não deixa de ser uma prova, senão de coragem, pelo menos de independência intelectual. A certeza de si rege o romance de Oscar Nakasato, um escritor discreto, que faz da timidez e da cautela o seu estilo.
José Castello é crítico, escritor e colunista do Prosa. Leia mais textos do colunista no blog A literatura na poltrona
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