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ALEXANDRE DE MORAES, EU NÃO TENHO MEDO DE VOCÊ!

Deputado Ulisses Guimarães ao apresentar a Constituição Cidadã

Alexandre de Moraes, eu não tenho medo de você!

Atualmente quando se ouve um político de extrema direita discursando (o que é um despautério, pois não existe perda de tempo maior do que dedicar momentos da vida dando ouvidos a chauvinistas, antiliberais, antidemocráticos, antissocialistas...), uma das frases recorrentes é: “Alexandre de Moraes, eu não tenho medo de você”, e eu fico me perguntando porque alguém deveria ter medo do Alexandre de Moraes?

Há um pouco mais de 10 anos, em 2014, uma matéria veiculada na Rádio Senado afirmava que mais de oitenta por cento dos brasileiros achavam fácil descumprir as leis e quase sessenta por cento dos brasileiros não acreditavam em muitos motivos para segui-las. Essa crença na anomia, na ausência de leis e regras que transportam o país a um estado de desordem social, não é algo aleatório, mas um projeto de governo que tenta reiteradamente, desde 1964, impor o direito de poucos sobre muitos, desestabilizando o sistema democrático e atentando contra o estado de direito, deturpando e criando feridas no conceito de nação.

Para entender esse processo é necessário ter uma visão crítica do último meio século da história política do Brasil. Todos somos sabedores ou devíamos saber que, em 1983, com a perda de prestígio do regime militar junto à população -o qual havia imposto, em 1964, o regime autoritário por meio de decretos-lei e de uma nova constituição, promovendo numa segunda fase o recrudescimento, a repressão e a violência estatal contra os opositores da ditadura-, houve um movimento por eleições diretas para Presidente da República, o qual ganhou força com a apresentação, pelo Deputado Dante Martins de Oliveira, PMDB-MT, de uma emenda constitucional com objetivo idêntico ao do movimento já estabelecido. Liderado, entre outros, por Tancredo Neves, Franco Montoro, Orestes Quércia, Fernando Henrique Cardoso, Mário Covas, Luiz Inácio Lula da Silva e Pedro Simon, além de artistas e intelectuais engajados pela causa, esse movimento por eleições diretas ficou conhecido como “Diretas Já”.

O movimento cresceu espetacularmente e empolgou a população, com a realização de comícios em diversas cidades contando com a presença de artistas e lideranças políticas como Leonel Brizola, Ulysses Guimarães e fortalecida pela participação de multidões que se aglomeravam em defesa de uma causa, promovendo atos, até então, nunca vistos antes na história do Brasil.

Em abril de 1984, em sessão do Congresso Nacional, a matéria foi colocada em votação, mas a emenda constitucional foi rejeitada na Câmara dos Deputados, deixando assim de ser submetida ao Senado Federal. Três meses depois, devido a forte pressão popular e rachas dentro do PDS, surgiu a Frente Liberal, uma dissidência do PDS, que fez um acordo com o PMDB, mediante o qual o Senador José Sarney (ex-PDS) foi indicado candidato a Vice-Presidente na chapa de Tancredo Neves (PMDB) para Presidência da República. Nascia ali a Aliança Democrática que, em 15 de janeiro de 1985, através de eleições indiretas, derrotaria o PDS no Colégio Eleitoral, oficializando o fim da ditadura no Brasil e inaugurando o primeiro governo brasileiro civil no pós ditadura. Entretanto, Tancredo Neves não chegou a assumir a presidência, na véspera da posse ele “adoeceu” e foi hospitalizado, vindo a falecer após 38 dias de internação. Assim, José Sarney tornou-se o Presidente da República, cargo que exerceu por cinco anos, até 15 de março de 1990.

É necessário salientar que esses dois nomes, Tancredo Neves e José Sarney, foram escolhidos com o aval do governo ditatorial. Essa abertura democrática já havia sido iniciada durante o governo de Ernesto Geisel como uma estratégia dos militares para implantar governos civis que estivessem inteiramente alinhados com os interesses das Forças Armadas. Tancredo Neves era um político mineiro tradicional, possuía uma boa relação com os militares e havia negociado com eles a não investigação e a não punição por crimes cometidos durante a ditadura, caso fosse eleito. Devido a essa "flexibilidade", acabou sendo escolhido pelo PMDB como candidato à presidência. Da mesma forma aconteceu com Jose Sarney. Por não concordar com a candidatura de Paulo Maluf, pelo PDS, governo apoiado pelos militares, saiu do partido, ingressou no PMDB e foi aceito como vice, pois se alinhava a mesma política de Tancredo. Os historiadores chamam isso de “abertura controlada", pois os militares permitiram a abertura política, mas de acordo com os parâmetros por eles indicados. Nesse processo, parte da oposição, representada pelo PT, negou-se a aderir à campanha eleitoral de 1985 por não concordar que o processo de escolha do novo presidente civil, depois de décadas de governos militares, fosse através de eleições indiretas. De toda forma, a campanha eleitoral de Tancredo Neves foi um sucesso e ele derrotou Paulo Maluf no Colégio Eleitoral.

O governo José Sarney, apesar de não ser bem visto por muitos devido as suas origens políticas, pois tinha construído a sua carreira como um apoiador dos militares e só havia passado para a oposição nos últimos meses da ditadura e, isso, devido a interesses internos; apesar de terminar seu governo com um saldo extremo de impopularidade e ser denunciado constantemente por esquemas de corrupção; apesar de ter deixado a economia do país em frangalhos e não ter conseguido, sequer, estabelecer um sucessor para seu governo, pois politicamente havia acumulado inimigos e estava isolado... Apesar de todos os pesares, houve um fato marcante no seu governo que determinou os rumos desse período que chamamos de nova república e que sempre lembro-me quando ouço os ataques atuais a democracia ou ouço a frase: “ALEXANDRE DE MORAES, EU NÃO TENHO MEDO DE VOCÊ”.

Esse fato foi a instauração da Assembleia Nacional Constituinte (ANC), formada em 1987 e que resultou na promulgação da nova Constituição para o Brasil em 1988, apelidada de “Constituição Cidadã" devido ao seu enfoque na ampliação dos direitos e garantias dos cidadãos brasileiros, bem como à sua elaboração através de uma ampla participação popular e social, restabelecendo a democracia e assegurando liberdades fundamentais, como a de expressão, o direito a dignidade e o acesso aos direitos sociais como educação, saúde e assistência...

Com toda certeza esses filhotes da ditadura e os analfabetos políticos não devem ter medo de Alexandre de Moraes, aliás ninguém deve temer Alexandre de Moraes. O que os fascistas devem temer são os ecos, os sussurros, esse barulhinho contínuo, forte e intenso de uma democracia que se ergue, ruge e aos poucos vai amadurecendo, mesmo contra todas as artimanhas políticas e jogos de poder. Essa defesa da democracia, representada hoje pelo Supremo Tribunal Federal, é de todos os líderes envolvidos no movimento das “Diretas Já”, de todos os líderes políticos, de todos representantes sindicais, de todos os grupos representantes das minorias que, durante mais de um ano e meio, trabalharam no novo texto constitucional do Brasil e definiram, estamparam e aprovaram, através de lei, o grande momento vivido até ali no processo de redemocratização do país.

Eu não tenho ídolos, tampouco bato palmas para o caixa eletrônico quando vou sacar meu dinheiro. Alexandre de Moraes está realizando aquilo que foi nomeado para realizar, ou seja, fazer cumprir o texto constitucional, como todos os outros ministros deveriam, imparcialmente, fazerem. Esse texto constitucional não está vinculado a nenhum alinhamento político, pois serve de base para todos os governos, independente de suas ideologias. Todos lembram, ou deviam se lembrar, que a primeira eleição por voto direto, sob a luz da nova Constituição, foi vencida por Fernando Collor de Mello, o qual mantinha vínculos estreitos com a ditadura, tendo sido nomeado prefeito biônico de Maceió pela Arena em 1979. A ARENA (Aliança Renovadora Nacional) foi o partido político criado em 1965 com a finalidade de dar sustentação política à ditadura militar. Aliás, a ARENA deu origem ao PDS, que deu origem ao PFL, que mais tarde originou o, agora, PL e o União Brasil. Todos esses partidos e alguns outros dissidentes deles, possuem o mesmo alinhamento político e ideológico do regime militar...

Bertolt Brecht, dramaturgo, romancista e poeta alemão disse acertadamente que: “A cadela do fascismo está sempre no cio”. Percebemos hoje que o ódio e a intolerância estão presentes e retratados com mais intensidade e que os riscos a democracia e aos direitos humanos estão cada vez maiores. O diálogo deve ser a ferramenta a ser fortalecida, pois permite o contraditório, permite que sejamos capazes de conhecer o trágico passado recente e encontrar saídas dentro da legalidade, dentro do fortalecimento da democracia e da democratização das instituições... Partidos, como o PL, são as cadelas fascistas no cio, como disse o poeta.

Apesar de nos garantir o regime democrático e ser a principal arma contra regimes de exceção e absurdos praticados por governos antidemocráticos, a Constituição Brasileira de 1988 não está, ainda, toda regulamentada. Existem mais de 160 dispositivos que dependem de leis ordinárias ou complementares, ainda não criadas, para serem plenamente aplicados. Embora seja a nossa lei suprema do país, muitos dos seus artigos e princípios precisam de regulamentação por meio de outras leis para que sejam efetivados e produzam todos os seus efeitos práticos.

A Constituição é a lei fundamental e está no topo da hierarquia jurídica. No entanto, ela estabelece os princípios e as bases. São as leis ordinárias e complementares, as responsáveis por detalhar esses princípios, tornando-os aplicáveis. Alguns dispositivos constitucionais estabelecem direitos ou regras gerais que precisam de leis mais específicas para que o Estado possa implementá-los e os cidadãos possam exercê-los na prática. É preciso ter a consciência de que toda a regulamentação de um artigo constitucional é feita pelo poder Legislativo, pelo Congresso Nacional que cria as leis que detalham aquilo que a Constituição apenas indicou.

Precisamos estar atentos com as pessoas que elegemos e colocamos no Congresso Nacional como nossos representantes, pois são elas que irão criar essas leis e regulamentar, enfim, a Constituição. É preciso acordarmos para a vida política e não sermos, apenas, meros expectadores inconsequentes a bater palmas, torcendo para que surja um herói solitário à carregar nas costas os fardos de nossas escolhas. Maria da Conceição Tavares, economista brasileira, professora da UFRJ e ex-deputada federal, proferiu para seus alunos, em um de seus cursos de economia os seguintes dizeres: “só faz de conta que a política não interessa quem manda, o problema é que ele disfarça o seu interesse político. Ele faz em câmaras secretas, em chás, em almoços. Os interesses podem ser resolvidos nos jantares das sextas-feiras. Nós não podemos resolver nos jantares das sextas-feiras. Nós não somos da elite dominante deste país.” Precisamos estar sempre atentos.

Quando ouvimos alguém dizer: “Alexandre de Moraes, eu não tenho medo de você”, não devemos simplificar o ouvir. Essa fala não está referida ao juiz, mas ao sistema judicial e está dizendo, entre outras coisas, que: “Eu não tenho medo das leis do Brasil”; “Eu não respeito a Constituição Nacional”; “Eu não me importo com as lutas travadas para garantir os direitos democráticos”; “Eu não me importo com os fundamentos do estado democrático de direito”; "Eu não respeito o Poder Judiciário"... Embora um ministro do Supremo Tribunal Federal seja classificado como um agente político, ou seja, um agente público com funções de alta relevância política e jurídica, com a capacidade de interferir nas esferas dos outros poderes, ele trabalha com as leis já aprovados pelo legislativo, preservando a constitucionalidade. Atua como o guarda-chuva da Constituição Federal, garantindo o cumprimento da lei maior do país e zelando pela sua aplicação e interpretação. Isso inclui a função de controlar a constitucionalidade de leis e atos normativos, de julgar crimes de altas autoridades e decidir recursos que envolvam questões constitucionais. É sempre preciso lembrar que, antes, essa Constituição agora defendida, foi elaborada e aprovada pelo Legislativo Nacional, composto pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, que são os legítimos representantes do povo. Atentar contra ela, é atentar contra o povo desse país e nenhum cidadão, civil ou militar, investido em um cargo politico ou não, está imune as consequências da aplicabilidade de suas punições.

Nesses tempos onde o óbvio precisa reiteradamente ser dito, precisamos lembrar que o Poder Executivo Federal administra o país e executa as leis, sob a liderança do Presidente da República. Que o Poder Legislativo Federal cria e vota as leis, fiscaliza o Executivo e representa a sociedade, sendo composto pelos Deputados Federais e Senadores. Já o Poder Judiciário Federal, representado pelo Supremo Tribunal Federal, interpreta as leis, julga os conflitos sociais e garante o cumprimento da Constituição, sendo exercido por juízes, tribunais e ministros...

Alexandre de Moraes só está realizando a sua função, de acordo com as legislações criadas e aprovadas previamente pelo Legislativo. Não há o que temer, é só cumprir a lei. No Brasil, aqueles que verdadeiramente podem prejudicar o povo, estão sentados nas cadeiras do Congresso e do Senado.




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Daufen Bach. Nascido em 1973 na cidade de Ivaiporã, no Estado do Paraná. Hoje reside na cidade de Novo Mundo-MT. É educador lotado na Secretaria Estado de Educação de Mato Grosso. Publicou os livros de poesias: “Breves Encenações, Sobressaltos”, pela Editora Biblioteca 24 horas; “Tessituras [do intervalo entre o grito e o silêncio]”, pela plataforma Perse, "No mar de teus olhos (como jardins florescidos no outono)", pela Editora Kelps e participou de diversas antologias, entre elas a “Antologia Internacional “Planeta em Versos”, publicado pela Editora Letras em Cores. Muitos de seus poemas foram publicados em revistas, impressas e digitais, tanto nacionais, quanto internacionais. Possui poemas traduzidos e lidos em diversos países da América Latina e em alguns países da Europa, Ásia, Oceania e África. É “Cônsul dos Poetas del Mundo”, uma associação internacional de poetas com sede no Chile, desde o ano de 2007. É dono e editor da Revista Literária Internacional on line, intitulada Revista Biografia.

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