Sponsor

AD BANNER

Últimas Postagens

Um inglês pedinte no centro de São Paulo [Elói Alves]

Um inglês pedinte no centro de São Paulo 

Às oito horas da noite, deste domingo, saí de casa na Líbero Badaró, próximo à Prefeitura, e, atravessando a praça do Patriarca, fui em direção ao Centro Cultural do Banco do Brasil, entrando pela rua da Quitanda.
Domingo à noite a cidade está vazia, geralmente. Na praça, dois ou três homens desmontavam um palco; mais à frente, um mendigo remexia uns lixos. Um homem com sacolas ia vagaroso no meu caminho, firmei os passos e peguei distância. Cresci andando por essas ruas e aprendi suas estratégias. Comecei a conhecê-las entregando lanches e me perdendo por elas. Aos catorze, havia “ascendido” a office boy registrado, numa agência de viagens, cheia de estrangeiros, e continuei a frequentá-las como agora.

Ia sozinho, já quase no cruzamento da rua da Quitanda com a Álvares Penteado, quando uma bicicleta surgiu do nada, vindo em minha direção. Recompus o olhar, o corpo e esperei, sem diminuir o ritmo. Emparelhou-se, logo, guardando a distância que eu ia mantendo.
O homem teria uns quarenta anos, não mais, acho. Estava sujo nas roupas e com os loiros cabelos despenteados na mesma ausência de limpeza. E como parecia um pouco enrolado, com minha cautela ou outra coisa, adiantei-me, firme:
-Pois, não?
-Sou inglês_ disse em português e emendou em sua língua, do you speak english?*

-Bad, ** respondi, e ele se riu um pouco.
Sempre dei essa mesma resposta a todos os ingleses e americanos, mormons e outros, que fui encontrando desde moleque pelas ruas de São Paulo e que me perguntavam se falava inglês. A princípio, por não saber realmente aquele idioma, depois porque percebi que a resposta bastava. E eles sempre riam, como agora este da bicicleta. Pediu-me dinheiro, em fim, para comprar uma marmitex, e disse-lhe, guardando a distância e com a mesma frieza dos ingleses:
-I don`t have money ***.
Ele deu-me o seu “thanks” e foi em direção à praça da Sé, enfiando-se pela rua XV de Novembro em velocidade tal que logo o perdi.
Este britânico fez-me mergulhar no tempo e ir ter com um outro que fora casado, por uns anos, com a dona da agência que referi acima. Teria uns cinquenta anos, hoje, um pouco mais até. Pode ser que apenas se pareçam ambos, como aos meus olhos são iguais os japoneses, mas quem pode duvidar do elevador da vida capitalista?
  
* Você fala Inglês?
** Mal
*** Não tenho dinheiro


Elói Alves é paulistano, estudou Teologia (FATEMOC – 2003), graduou-se em Letras (FFLCH-USP -2007) e licenciou-se em língua vernácula (FE-USP – 2007). Sua produção literária passeia por diversos gêneros (poesia, teatro, crônica, ensaio crítico e diferentes tipos de narrativas ficcionais). No ano 2000, por ocasião dos 500 anos, ganhou seu primeiro prêmio literário com o poema “Oh, meu Brasil” e em 2011 obteve sua última premiação com a crônica “Olhares e passadas pela cidade”, como vencedor do concurso Valeu professor, promovido pela Prefeitura de São Paulo, sendo um dos autores do Livro “Sob o céu da cidade”. É autor do romance As pílulas do Santo Cristo, publicado pela Editora Linear B, em novembro de 2012. Página na internet :
http://realcomarte.blogspot.com.br/2011/09/anuncios-pela-cidade.html

3 comentários

Elisabeth Lorena Alves disse...

Eloi
A gente meio que te acompanha pelas avenias paulistanas e assiste quieto estes fatos que narras tão bem.
De fato a vida muda tanto hoje que nesta roda gigante da vida, podemos sim encontar no caminho pessoas que por ele passaram subindo e hoje descem rumo ao fundo do poço...

Elisabeth Lorena Alves disse...

Eloi
A gente meio que te acompanha pelas avenias paulistanas e assiste quieto estes fatos que narras tão bem.
De fato a vida muda tanto hoje que nesta roda gigante da vida, podemos sim encontar no caminho pessoas que por ele passaram subindo e hoje descem rumo ao fundo do poço...

Jane Eyre Uchôa disse...

Em um curso que fiz pelo Ministério da saúde no SAMU havia um módulo chamado População de risco. Eram moradores de rua que precisavamos estudar para poder atendê-los. A principio fiquei surpresa com o destaque e o que teria que aprender para abordar um morador de rua, mas aos poucos vi que as coisas eram bem diferentes mesmo, pois com o desenrolar das coisas nós tínhamos de repente uma ocorrencia que começava de um jeito e terminava de outro, como por exemplo uma queda de glicose em razão de estar faminto que ocasiona uma perda de sentidos e o faz cair batendo a cabeça fazendo assim um traumatismo craniano. Ou seja ,uma fome pode matá-lo de outra forma sem ser propriamente o motivo do óbito. Havia relatos de vários deles e o principal depoimento foi de um que dizia "Ë muito triste ser ninguém, as pessoas passam e não nos veem" ou tro dizia que "todos os dias eram iguais, era acordar, ficar com fome e dormir" aprendemos a abordar o tempo dele e não perguntarmos por quanto tempo tal coisa estava aconteendo por que o tempo deles é diferente do nosso, precisamos perguntar como a doença se desenrola e tentar ver pelos sinais o quanto tempo ela está presente naquele corpo. Depois disso eu passei a vê-los de outra forma, antes era dificil falar com eles, era dificil perguntar, mas hoje eu ajoelho no chão e pergunto "você quer vir comigo? eu posso te ajudar a ter um momento melhor dentro do que você tem todos os dias, posso te levar para o hospital onde serás cuidado, limpo e alimentado, são momentos eu sei, mas o que são momentos para quem tem a vida inteira para esperar?" aprendi a ter sempre um dinheirinho no bolso do macacão, ele pode ser útil para matar a fome de alguém, nem que seja apenas uma fome, pois existem pessoas que entram no hospital em busca de palavra e comida, e muita das vezes sao expulsas como trapos, trapos humanos, gente igual nós com coracao, cerebro, rins, pernas e braços mas que a sociedade nao vê, eu trabalhei cinco anos em pronto atendimento e quando dava banho,cortava cabelos e alimentava um morandor de rua era motivo de piada o dia inteiro, eu só pensava "Perdoa pai eles nao sabem o que fazem, e ainda acham que são gente"" Só quem dobra o joelho no chão para falar com eles é que sabe o que é tristeza nos olhos e amargura no coração. Sua cronica é emotiva Elói, nao importa se nasceu na rua ou se foi para a rua, é emotiva em especial para quem conhece este mundo de pertinho. bjs