Eugenia Social na São Paulo de 1900...
Eugenia. Definição: A história da eugenia, disciplina que
“adquiriu um status científico e objetivou implantar um método de seleção
humana baseado em premissas biológicas”(p.10) é colocada, pela autora, como um tema
relevante para o historiador, se bem que desconfortável, porque poderá contribuir a uma reflexão sobre a
atitude, que percebe dominar no mundo contemporâneo, de valorização excessiva
da beleza física, esta cada vez mais uniformizada, e da ideia de saúde,
intimamente ligada à questão da boa aparência e da eficiência para o mercado.
Como
todas as grandes cidades, São Paulo também cresceu muito nos final dos anos mil
e oitocentos e início dos mil e novecentos. Este crescimento populacional foi
de 20 vezes mais à população já existente e o crescimento foi resultado das
mudanças iniciadas no final do século anterior e que afetaram o Brasil.
Com o
fim da escravidão e a debandada dos negros que se deu rumo as cidades,
começaram a existir todos os tipos de problemas comuns aos grandes centros, era
o acúmulo de sujeiras, aumento das doenças, criação e expansão dos cortiços. As
senhoras ricas e suas famílias tradicionais, reparavam na forma como os negros
andavam nus da cintura pra cima e sem sapatos, por não possuírem estas peças.
Os
brancos que se julgavam os verdadeiros donos do Brasil, não gostavam de dividir
as ruas e calçadas com os mulatos e negros que andavam pela cidade e reclamavam
com qualquer autoridade, fosse ela o delegado ou o prefeito. O clima não era o
ideal para a boa convivência e as pessoas, de ambas as raças, não se sentiam
seguras para circularem livremente e, muitos, evitavam até o contato verbal.
O
sistema de trabalho era o industrial e a
maioria dos negros alforriados trabalhavam no que hoje denominamos mercado informal,
era o que conseguiam fazer para manterem
suas vidas com o mínimo que conseguiam.
Vale
lembrar que com o fim do trabalho escravo, os negros alforriados foram lançados
nas ruas sem nenhum soldo ou direito trabalhista pelos anos de trabalhos
forçados que tinham ''dado'' aos antigos senhores escravocratas. Os negros
foram alforriados, mas não receberam com isto plenos poderes de cidadania. Na
verdade foram abandonados à sua própria sorte, sem direito a saúde, segurança, habitação,
trabalho digno e remunerado, sendo deixados para morrer a míngua, embora eles
não tivessem este interesse.
Com o
dinheiro novo entrando nas casas, as pessoas resolveram reformular o visual e a
cidade, mas não apenas no aspecto físico, com transformações na arquitetura, e,
sim, no aspecto humano, e a saída era a interiorização destes seres que
incomodavam os ex-senhores de escravos e os ditos estudiosos e janotas.
O
povo não aceitava partilhar rádio, bonde, iluminação elétrica, telefone e
outras novidades com os ''invasores'', vagabundos e malandros, fama dada aos trabalhadores
negros de então.
O
mais incrível de tudo isto é que com a modernização da época, com a necessidade
de mais trabalhadores, a maioria dos industriários não pensaram em contratar os
negros como empregados, apoiaram a migração europeia e assim São Paulo começou
receber navios e mais navios de italianos – estes vieram em grande quantidade –
e europeus. Na verdade esta solução era mais étnica que industrial, e o
discurso da sociedade era sobre progresso e não sobre o descaso e
discriminação. Bem, é sempre assim, os políticos quando discursam que algo é
ruim para os menos favorecidos, que tal evento é necessário para o bem de
todos, pensam no seu próprio bem.
No
caso de São Paulo a intenção por trás do desejo da expansão industrial era o
''branqueamento'' da população paulistana e brasileira. Afirmavam que a cultura
europeia era civilizada e que valia pena o ''investimento'' em pessoas de tão
nobres conhecimentos. Isto lhes serviria, como pensavam, numa forma de superar
a situação com os negros e que estes se extinguiriam com o passar dos tempos.
Isto por acreditarem que os negros não sobreviveriam às dificuldades que se
avizinhavam. E as dificuldades que se avizinhavam eram grandes, indo da falta
de alimento, a saúde e educação. Viver em condições insalubres era arriscar a
vida de forma direta, pois a água para beber e preparar o alimento, era vizinha dos esgotos dos cortiços. As chamadas,
hoje, viroses, enfraquecia a saúde da população negra e mestiça, matando alguns
e contaminando outros, o que tornava os prognósticos fáceis de serem feitos e
de se cumprirem.
Os
nobres, que com o final do Império, não se importando qual regime estava no
poder, agora estavam presos a cargos públicos, não aceitavam os paulistanos
nativos, que eram em sua maioria de caipiras, mestiços e negros e não aceitavam
estas pessoas como cidadãos brasileiros e os acusavam de serem os malfeitores
da cidade. Assim como tornaram os indígenas em um problema social, agora
transferiam, ou alargavam a linha para os escravos alforriados e seus descendentes.
Com a
chegada dos italianos às indústrias, os trabalhos considerados degradantes
foram deixados para os negros. Assim os negros tornaram-se responsáveis por
limpeza de bueiros, coletas de lixo, carroceiros e outras atividades como
estas. Aqueles que não conseguiam esta espécie de trabalho se contentavam com o
trabalho de mascate. A fama da inépcia para o trabalho era comum a todos estes
brasileiros natos. Considerados preguiçosos, não conseguiam emprego e assim
acabavam, de fato, perdidos nas ruas, em trabalhos poucos recomendados e
pessimamente remunerados.
A
cultura dos negros, vinda do continente africano, mestiça, adquirida das
misturas dos indígenas e caipiras, que já se miscigenavam com todos os fazeres
que chegavam do interior do Estado, não eram sequer consideradas como arte, representações
de cultura ou de lazer, assim sendo não era benquistas pela Sociedade que
rejeitava estas pessoas com toda a força. Infelizmente, nos primeiros anos da
República, esta população era excluída e até odiada e, claro, eram vistos como
cidadãos de segunda classe.
Fora
a segregação econômica, havia também a separação territorial. Onde moravam os
italianos, não moravam os negros que eram desprezados pelos europeus recém-chegados,
todos influenciados pela a opinião dos governantes sobre os ''brasileiros natos” e passaram a tratar estas pessoas com
medo e desprezo.
Para
resolver o problema importaram a solução da Europa também. Começaram a abrir as
ruas e com isto destruíram os prédios antigos para ''desafogar'' os centros,
soprando para longe a arquitetura antiga que dava a cidade paulista um ar
provinciano tão odiado pelos brancos que ansiavam pelo progresso. Vale lembrar
que este ar provinciano não incomodava os chamados não europeus e os quase não
europeus, como afirmam os historiadores, estes corriam atrás de conseguir o pão
de cada dia com sua labuta e pouco importava o que acontecia além de suas
necessidades. Na verdade as pessoas ditas ''especiais'', não consideravam as demais
exatamente por este motivo, a “falta de civilidade”.
Com
esta situação gritante, deu-se início a eugenia social e territorial.
Acreditando nos males que os ''inferiores'' poderiam causar aos de “alta
linhagem”, trazendo as infecções e contágios próprios da ralé, os médicos e
cientistas da época davam o embasamento científico necessário para esta
política de limpeza étnica que tomava conta dos grandes centros. Os brancos
acreditavam que não só os negros, mas todos os nãos europeus, por serem pobres
e tão diferentes deles, poderiam causar problemas sociais e morais
irreparáveis, o desvirtuamento da moralidade e dos bons costumes da sociedade.
Aos
poucos os imigrantes tornaram-se um problema social tão ruim quanto os
problemas iniciais que eram os negros, mestiços e caipiras. A cidade agora
estava mais cheia de pessoas com interesses próprios e diferentes dos
interesses dos governantes. Agora a pobreza, em si, era um problema de difícil
solução, pois havia muitos “sanitaristas” envolvidos no processo de “limpeza da
sociedade”, centralizada nas regiões do Vale do Anhangabaú, Largo do Rosário e
bairros próximos, considerados pelos governantes, bairros marginalizados.
Limitar os espaços coletivos era acatado como necessário e não era visto de
forma maléfica.
Anos
mais tarde os imigrantes, agora, também,
marginalizados, aceitavam viver e se relacionar com as outras pessoas
marginalizadas: os negros, mestiços e caipiras. Mesmo havendo leis que proibiam
a proliferação dos cortiços, estas casas amontoadas com um banheiro por andar
ou por edifício, estas eram desrespeitadas e assim os cortiços aumentavam a
olhos vistos.
E foi
justamente a união destes povos que deram força as lutas dos povos, agora, com
a influência dos italianos, as pessoas não eram desrespeitadas em sua vontade, pois
conseguiram a ajuda dos europeus que vieram para o Brasil prestar serviço nas
fábricas, e estes também estavam lutando contra o governo para não serem, elas
próprias, deportadas.
Que
fique claro, embora os imigrantes fossem vistos com desconfiança, eles ainda
tinham algum respeito por parte dos brancos e governantes.
Foi durante
estes anos que surgiu a obrigatoriedade da vacina, incentivada pelo sanitarista
Osvaldo Cruz, mas esta é outra história.
Trocando
em miúdos, a eugenia tão conhecida de nossa era, tão criticada quando foi aplicada
pelos Estados Unidos da América e pelos Nazistas, é algo que sempre existiu,
sendo que em alguns casos, como em São Paulo, esta pratica criminosa era
considerada progressista e se referia mais precisamente à limpeza territorial.
Elisabeth Lorena Alves - Alguém
que não gosta de ficar parada, mas que estaciona frente a um bom livro e sonha
com as palavras. Posta no Elisabeth Lorena Alves ( www.eliselorena.blogspot.com.br)
Assinar:
Postar comentários
(
Atom
)
6 comentários
Complementando ou contribuindo "como sempre""rsrs, Em 1920 criou-se as Caixas de Pensão e aposentadorias para que os trabalhadores tivessem assegurados a saúde e a aposentadoira. Esta preocupaçao aconteceu com o advento do desenvolvimento industrial, era um suporte para que os profissionais nao adoecessem e fossem mais saudaveis consequentemente produtivos.
A vacina é um dos muito metodos de prevenção mas foi muito rebatida nesta época pelo fato que até hoje existe na sociedade, o medo de morrer pela vacna.
Em 1940 o Brasil começou a se preocupar mais ainda com a saude de seus trabalhadores, o país estava crescendo, teve seu boom de cresciemnto e claro que precisava de mão de obra barata e sadia.
A saúde trabalha como foco principal a prevenção, se direciona para a resolução e finalemnte na recuperação. Tudo o que evite esta cadeia é muito bem vindo como sugestão para prevenir e erradicar doenças,consequentemente com mão de obra sadia e barata.
Parabéns pelo texto, muito enriquecdor e bem alicerçado, uma verdadeira aula de história~. bjs
Poxa amiga, seu comentário também muito esclarecedor.
Um complemento perfeito para meu texto.
Gosto do episódio com as Vacinas, a chamada Guerra das Vacinas, pois mostra que nem sempre os que se dizem sábios, relamente são.
Muitos literatas, políticos e outras figuras importante da época, forma contr a a instituição da vacina, o que criou este medo da morte que poderia ser causada pela intervenção deste remédio.
Hoje mesmo flaamos sobre isto e você citou o medo das pessoas, o temor de que a injeção fosse usada para dizimar a população e, infelizmente é um medo institucional, afina chegou até nós e continuará mesmo depois que formos daqui...
Amo seus comentários,
Parabéns Beth, texto muito importante do ponto de vista histórico, social...muito bom revisitar esses temas que remetem-se à formação de dos problemas sociais, econômicos e que são decisivos ainda nos rumos do país, já que essa cidade tem uma importância muito relevante para os destinos dele.
Agradeço Eloi sua Leitura. Seu comentário mostra exatamante a importânica de se conhecer nossa verdadeira História.
Abraços
Elisabeth, Parabéns pelo texto,você é muito desenvolta em sua dissertação, nos leva a uma viagem de volta a história.Quanto ao meu comentário, é triste que sempre existiu e ainda existe e penso que vai continuar a existir, talvez com menor intensidade,ou até velado, a acepção de pessoas por sua classe social, núcleos formados e estabelecidos por títulos e privilégios, e os menos favorecidos sempre em déficit social, cultural e humano, infelizmente. Eu penso numa sociedade onde todos deveríamos ser uma grande família, sem emblemas de sobrenome, sem demagogias,em prol de um benefício maior, "O Amor", enfim, devemos lutar por isso, dando início dentro de nós mesmos. Mais uma vez parabéns pela desenvoltura do texto, nada precisa ser acrescentado.
Um abraço.
Agradeço o carinho da visita Ailda Deiró e a força de seu comentário.
Muito real suas colocações e de fato os deficits são em todas as áreas.
Infelizmente pouco mudou daqueles dias para os atuais, os nossos ''representantes'' serão sempre minoria, mas tem nas mãos o comando de nossas vidas e futuro e assim, sempre acabamos sofrendo.
Como você bem disse, as mudanças devem começar por nós e em nós.
Volte sempre
Postar um comentário